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domingo, 23 de julho de 2023

O elevador - O Globo [sobrou para o elevador... estava demorando.]

Elevador serve para segregação Analice Paron
 
Qualquer vida é uma travessia contínua de fronteiras. Somos todos uma cartografia ambulante. Desde o momento da concepção sem volta — narrada de forma memorável pelo personagem central do romance “O tambor”, de Günter Grass até nosso enredamento final, do qual também não tem volta.  
Entre o nascer e o morrer, a sucessão de rupturas nem sempre é percebida. 
O simples movimento de sair de casa (do privado) para a rua (o público), por exemplo, tão corriqueiro e banal , traz embutido todo um ritual preparatório. Vai de uma checada em alguma luz acesa, o fechar de janela ainda aberta, um apalpar de bolsos, uma espiadela na bolsa para ver se está tudo lá, talvez uma última conferida no espelho. 
Mas, a cada vez que giramos a chave da porta de saída, deixamos para trás nossa vida interior. E do lado de fora, escreveu Georges Perec em “Espèces d’espaces”, “outras gentes, o mundo, o público, a política. Você não pode simplesmente passar de um a outro espaço; para atravessar a soleira você precisa mostrar suas credenciais, saber se comunicar com o universo exterior”.

Depoimento publicado nesta semana no site da revista piauí por Gabriella Figueiredo mostra a violência da primeiríssima credencial exigida até hoje de milhões de brasileiros: antes mesmo de pisarem na rua, eles devem passar pelo elevador de serviço. O tema é surrado. Já foi fartamente estudado, documentado e denunciado em filmes, novelas, romances. 

Ainda assim, no início deste mês, o prefeito do Rio de Janeiro teve de sancionar a Lei 7.597, que proíbe a denominação “elevador social” e “elevador de serviço” nos prédios particulares da cidade, em parte porque a lei anterior, que 20 anos atrás vetava qualquer tipo de discriminação em elevadores, nunca foi aceita pelos portadores do privilégio social.

Gabriella é filha do porteiro de um prédio de classe alta de Ipanema, onde viveu da primeira infância até se formar em letras pela PUC-Rio. Cresceu seguindo ao pé da letra o pedido do pai: sempre chamar moradores de “senhor” e “senhora” e jamais usar o elevador social. 
A leitura de Lima Barreto na faculdade fez com que começasse a questionar o lugar de cada um na sociedade. 
Contudo, só pôde compreender a dimensão da violência interiorizada quando foi fazer mestrado na Espanha, aos 29 anos: — Entrei em um prédio que tinha dois elevadores, um do lado do outro, e nenhuma placa para distinguir qual era o de serviço e qual o social. Travei, sem saber em qual entrar... Como saber se eu não estava violando alguma regra ou invadindo o espaço de alguém? [..] Tudo explodiu dentro de mim [...] 
A questão está enraizada, inclusive em mim. Hoje, mesmo depois da graduação e do mestrado, sempre escolho o elevador de serviço. Por quê? Não sei responder.

Saberá. Em seu depoimento, Gabriella manifesta a intenção de escrever um livro de autoficção sobre a família do porteiro — seu pai — que até hoje mora e trabalha no mesmo prédio da Rua Barão da Torre. Ótimo.

Desde a instalação de elevadores em edifícios residenciais no Brasil, no final dos anos 1920, a função primeira do equipamento sempre foi a segregação racial e social. 
É do saudoso geógrafo baiano Milton Santos a experiência marcante vivenciada na Salvador dos anos 1950, quando ele foi visitar um amigo recém-instalado num edifício modernoso. 
Como construir dois elevadores elevaria os custos em demasia, incorporadora e condôminos honraram a divisão de castas de outro modo: dentro do único elevador existente, já estreito, foi colocada uma divisória mambembe a separar os usuários. 
O professor sempre lamentou não ter fotografado a engenhoca, pois, a seu ver, ela retratava o Brasil de sempre. Dedicou a vida a nos ensinar o país e nos deixou ferramentas para percebermos a profundidade dos enroscos nacionais. Milton Santos tinha esperança.

A carioca Gabriella, já reinstalada no Rio, conta que em conversas com o pai ambos acabam concordando que o Brasil nunca vai mudar:

Temos a noção de que a classe política nos prometeu um país que ainda não conseguiu entregar — escreveu em seu depoimento.

Ela tem razão — em 2023 o país prometido e devido ainda está longe de ser entregue. 
Mas não são os políticos, em separado, que haverão de chacoalhar as estruturas coloniais do Brasil — somos nós, o conjunto da sociedade, que devemos impulsionar as mudanças. 
Seja em casa, no elevador, na rua, no trabalho, no voto, na cobrança ou na informação, é hora de derrubar tapumes e divisórias. [Felizmente, graças a DEUS, a JUSTIÇA - a DIVINA, não a suprema -  maior nivela qualquer diferença; por etapas, diariamente, quando  a suposta diferença é eliminada, tornando obrigatório, inescusável,  que indivíduos que se consideram superiores a outros tenham que realizar atos que abominam - não há exceções; e, em definitivo, com a morte (algumas vezes com doenças que atingem a todos) que a todos atinge, que a todos nivela,independente do que são ou pensem ser.
Os superiores, morrem tanto quanto os inferiores e se deixado seus cadáveres expostos ao tempo, apodrecem.]
Até que o país inteiro tenha acesso ao mesmo elevador. É o mínimo do mínimo.
 
Dorrit Harazim, colunista - coluna em O Globo