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domingo, 23 de julho de 2023

O elevador - O Globo [sobrou para o elevador... estava demorando.]

Elevador serve para segregação Analice Paron
 
Qualquer vida é uma travessia contínua de fronteiras. Somos todos uma cartografia ambulante. Desde o momento da concepção sem volta — narrada de forma memorável pelo personagem central do romance “O tambor”, de Günter Grass até nosso enredamento final, do qual também não tem volta.  
Entre o nascer e o morrer, a sucessão de rupturas nem sempre é percebida. 
O simples movimento de sair de casa (do privado) para a rua (o público), por exemplo, tão corriqueiro e banal , traz embutido todo um ritual preparatório. Vai de uma checada em alguma luz acesa, o fechar de janela ainda aberta, um apalpar de bolsos, uma espiadela na bolsa para ver se está tudo lá, talvez uma última conferida no espelho. 
Mas, a cada vez que giramos a chave da porta de saída, deixamos para trás nossa vida interior. E do lado de fora, escreveu Georges Perec em “Espèces d’espaces”, “outras gentes, o mundo, o público, a política. Você não pode simplesmente passar de um a outro espaço; para atravessar a soleira você precisa mostrar suas credenciais, saber se comunicar com o universo exterior”.

Depoimento publicado nesta semana no site da revista piauí por Gabriella Figueiredo mostra a violência da primeiríssima credencial exigida até hoje de milhões de brasileiros: antes mesmo de pisarem na rua, eles devem passar pelo elevador de serviço. O tema é surrado. Já foi fartamente estudado, documentado e denunciado em filmes, novelas, romances. 

Ainda assim, no início deste mês, o prefeito do Rio de Janeiro teve de sancionar a Lei 7.597, que proíbe a denominação “elevador social” e “elevador de serviço” nos prédios particulares da cidade, em parte porque a lei anterior, que 20 anos atrás vetava qualquer tipo de discriminação em elevadores, nunca foi aceita pelos portadores do privilégio social.

Gabriella é filha do porteiro de um prédio de classe alta de Ipanema, onde viveu da primeira infância até se formar em letras pela PUC-Rio. Cresceu seguindo ao pé da letra o pedido do pai: sempre chamar moradores de “senhor” e “senhora” e jamais usar o elevador social. 
A leitura de Lima Barreto na faculdade fez com que começasse a questionar o lugar de cada um na sociedade. 
Contudo, só pôde compreender a dimensão da violência interiorizada quando foi fazer mestrado na Espanha, aos 29 anos: — Entrei em um prédio que tinha dois elevadores, um do lado do outro, e nenhuma placa para distinguir qual era o de serviço e qual o social. Travei, sem saber em qual entrar... Como saber se eu não estava violando alguma regra ou invadindo o espaço de alguém? [..] Tudo explodiu dentro de mim [...] 
A questão está enraizada, inclusive em mim. Hoje, mesmo depois da graduação e do mestrado, sempre escolho o elevador de serviço. Por quê? Não sei responder.

Saberá. Em seu depoimento, Gabriella manifesta a intenção de escrever um livro de autoficção sobre a família do porteiro — seu pai — que até hoje mora e trabalha no mesmo prédio da Rua Barão da Torre. Ótimo.

Desde a instalação de elevadores em edifícios residenciais no Brasil, no final dos anos 1920, a função primeira do equipamento sempre foi a segregação racial e social. 
É do saudoso geógrafo baiano Milton Santos a experiência marcante vivenciada na Salvador dos anos 1950, quando ele foi visitar um amigo recém-instalado num edifício modernoso. 
Como construir dois elevadores elevaria os custos em demasia, incorporadora e condôminos honraram a divisão de castas de outro modo: dentro do único elevador existente, já estreito, foi colocada uma divisória mambembe a separar os usuários. 
O professor sempre lamentou não ter fotografado a engenhoca, pois, a seu ver, ela retratava o Brasil de sempre. Dedicou a vida a nos ensinar o país e nos deixou ferramentas para percebermos a profundidade dos enroscos nacionais. Milton Santos tinha esperança.

A carioca Gabriella, já reinstalada no Rio, conta que em conversas com o pai ambos acabam concordando que o Brasil nunca vai mudar:

Temos a noção de que a classe política nos prometeu um país que ainda não conseguiu entregar — escreveu em seu depoimento.

Ela tem razão — em 2023 o país prometido e devido ainda está longe de ser entregue. 
Mas não são os políticos, em separado, que haverão de chacoalhar as estruturas coloniais do Brasil — somos nós, o conjunto da sociedade, que devemos impulsionar as mudanças. 
Seja em casa, no elevador, na rua, no trabalho, no voto, na cobrança ou na informação, é hora de derrubar tapumes e divisórias. [Felizmente, graças a DEUS, a JUSTIÇA - a DIVINA, não a suprema -  maior nivela qualquer diferença; por etapas, diariamente, quando  a suposta diferença é eliminada, tornando obrigatório, inescusável,  que indivíduos que se consideram superiores a outros tenham que realizar atos que abominam - não há exceções; e, em definitivo, com a morte (algumas vezes com doenças que atingem a todos) que a todos atinge, que a todos nivela,independente do que são ou pensem ser.
Os superiores, morrem tanto quanto os inferiores e se deixado seus cadáveres expostos ao tempo, apodrecem.]
Até que o país inteiro tenha acesso ao mesmo elevador. É o mínimo do mínimo.
 
Dorrit Harazim, colunista - coluna em O Globo 
 
 
 
 

quarta-feira, 1 de março de 2023

Eu sou uma médica pró-vida. Veja como vencer o debate sobre o aborto - The Daily Signal - Gazeta do Povo

Kathryn Carnahan -The Daily Signal

 

A comunidade pró-vida não pode permitir que mentiras tomem conta do debate. Deve explicar o que defende e o que não defende e definir claramente o que é o aborto e o que não é.| Foto: Pixabay
Ouça este conteúdo

Na decisão de Dobbs v. Jackson Women's Health Organization de junho passado, a Suprema Corte anulou Roe v. Wade. Em resposta, ativistas pró-aborto e legisladores, auxiliados e incentivados por seus aliados da mídia, iniciaram uma campanha de desinformação.

Os americanos agora estão ouvindo que, sem acesso ao aborto, as mulheres correm risco de saúde ou morte devido a complicações na gravidez que nada têm a ver com o aborto.

Por exemplo, as mulheres são levadas a acreditar que podem ser negados cuidados para uma gravidez ectópica, aborto espontâneo ou gravidez ameaçada por uma infecção com risco de vida. Mas isso nunca foi verdade e nunca será.  Ao mesmo tempo, na segunda metade de 2022, os conservadores em vários estados encontraram reveses na forma de nova legislação pró-aborto, referendos eleitorais e contestações legais às leis pró-vida.

Como obstetra-ginecologista praticante, fico consternada ao ver isso acontecendo. Temos boa ciência e boa medicina do nosso lado, mas muitos americanos não sabem disso. A comunidade pró-vida não pode permitir que mentiras tomem conta do debate. Devemos explicar o que defendemos e o que não defendemos e definir claramente o que é o aborto e o que não é.

 Ao defender o aborto, os legisladores precisam estar armados com argumentos sérios, compassivos e medicamente precisos.

Primeiro, os americanos devem definir claramente o que é aborto e o que não é: 

O  aborto não é feito devido a um diagnóstico médico materno.  
Sim, muitos dos mesmos medicamentos e procedimentos podem ser usados para realizar um aborto ou tratar aborto espontâneo ou gravidez ectópica. 
No caso de um aborto, porém, acabar com a vida do bebê é intencional, não espontâneo ou o resultado não intencional de eventos naturais inevitáveis. 
Os pró-aborto misturam essas situações para confundir os americanos.
 
Em toda a medicina, a ética de uma intervenção médica depende de seu uso. Por exemplo, um médico pode remover as trompas de falópio de uma mulher para tratar o câncer.  
Ou o médico poderia fazer o mesmo para esterilizá-la contra sua vontade. O mesmo procedimento é bom e salva vidas no primeiro caso, mas abominável no último.

A intervenção em si não define sua moralidade.

Uma maneira simples de descobrir se um ato é um aborto é olhar para o diagnóstico que justifica o ato. 
 Se não houver diagnóstico da mãe além de “gravidez intrauterina viável” ou “gravidez indesejada”, a intenção é interromper a gravidez. Isso é um aborto.

Se houver um diagnóstico médico materno, como aborto espontâneo, gravidez ectópica ou infecção, não há tal intenção e, portanto, não há aborto.

  • A intenção de um aborto é acabar com a vida do feto. Quando um médico está tratando uma gravidez ectópica ou aborto espontâneo, a intenção nunca é acabar com a vida do feto. Em ambos os casos, o feto tem chance zero de sobrevivência ou já morreu. Aqui, a tomada de decisão se concentra exclusivamente no que é melhor para a mãe. Isso não é um aborto.
  • Não há justificativa médica para o aborto após o ponto de viabilidade fetal. O aborto nunca é necessário para proteger a vida da mãe por complicações na gravidez que ocorrem após a viabilidade.
De fato, em circunstâncias que exigem um parto de emergência, atrasar a realização de procedimentos ou a administração de medicamentos com a intenção de acabar com a vida da criança pode prejudicar a mãe. 
Se a vida da mãe estiver em risco devido à gravidez além da viabilidade, o médico deve induzir o parto ou realizar uma cesariana, dependendo do cenário. Ambos resultam no nascimento de uma criança viva, ao contrário do aborto.
 
Uma revisão completa das diretrizes do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas deixa isso claro. 
Condições com risco de vida incluem sepse devido à ruptura prematura de membranas pré-parto; hemorragia devido a descolamento prematuro da placenta, placenta prévia, síndrome da placenta acreta; e inúmeros outros. 
Em sua orientação sobre o manejo dessas complicações, o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas nunca cita o aborto antes do parto como intervenção necessária.

Para que serve

Em segundo lugar, o movimento pró-vida e os legisladores podem adotar alguns fundamentos universais e não controversos.

As leis que limitam o aborto devem incluir definições e exclusões claras para que não haja desculpa para um médico negar a um paciente o atendimento médico padrão. 
Não deve haver confusão. 
Em ambientes onde o aborto nunca foi tolerado, como sistemas de saúde baseados na fé, os médicos sempre forneceram tratamento adequado para gestações com risco de vida. 
Não importa a localização geográfica ou o ambiente de atendimento à saúde, deve ser óbvio para as mulheres, seus médicos e o público que nenhuma lei limitaria os cuidados que salvam vidas.

As leis que limitam o aborto devem declarar claramente que os medicamentos ou procedimentos usados para fins não relacionados ao aborto ainda estarão disponíveis. Os médicos sempre estarão livres para tratar complicações na gravidez, gravidez ectópica e aborto espontâneo.

Após a viabilidade, os médicos devem prosseguir com a indução do parto ou realizar uma cesariana se precisarem interromper a gravidez para proteger a mãe. 
Não há praticamente nenhuma circunstância após a viabilidade em que um médico deva acabar intencionalmente com a vida do feto para salvar a vida da mãe. 
Assim, as leis podem e devem proteger a vida dos fetos viáveis.
Este conselho é fundamentado na literatura médica e consistente com a prática padrão de obstetrícia e ginecologia.  
A ciência está do lado da vida, e a maior parte do público também estará, uma vez munido dos fatos.

Por causa da confusão intencional, será necessário muito trabalho para ajudar o público a entender novamente o que é e o que não é o aborto, mas, ao fazê-lo, os candidatos e legisladores pró-vida podem fazer muito mais para proteger na lei os seres humanos não nascidos.

Kathryn Nix Carnahan, M.D., é obstetra-ginecologista praticante e certificada em Milwaukee. Ela é atualmente uma pesquisadora associada do Charlotte Lozier Institute e ex-analista de políticas de saúde e pós-graduada da The Heritage Foundation.

Ideias - Gazeta do Povo

 

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Bolsonaro diz que trará para as ‘quatro linhas’ da Constituição quem ousa ficar fora delas -= O Estado de S. Paulo

Em discurso após desfile na Esplanada, presidente afirma que ‘hoje todos sabem o que é o Supremo’ e volta a repetir o mote eleitoral da ‘luta do bem contra o mal

 O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, usou seu discurso durante o desfile de 7 de setembro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para repetir motes de campanha e fazer um ataque velado ao Supremo Tribunal Federal. “A voz do povo é a voz de Deus”, disse Bolsonaro enquanto a multidão de apoiadores vaiava a Suprema Corte brasileira. “Hoje todos sabem que é o Poder Executivo, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal. Todos sabem o que é o Supremo Tribunal Federal”, disse ele. “Todos nós mudamos. Todos nós nos aperfeiçoamos e podemos ser melhores no futuro.”

Bolsonaro também falou que a festa é mais do que o Bicentenário da Independência: 'É a democracia, a liberdade de um povo.' Foto: Wilton Junior/Estadão

“Com a reeleição, traremos para as 4 linhas todos os que ousam ficar fora delas”, disse o presidente da República, que no entanto evitou atacar frontalmente a Corte e os ministros. Durante o breve discurso, Bolsonaro também repetiu bordões de sua campanha eleitoral, como a suposta luta do bem contra o mal. Também fez críticas ao PT. “Sabemos que temos pela frente uma luta do bem contra o mal. Um mal que perdurou por 14 anos no nosso País, que quase quebrou a nossa Pátria e que agora deseja voltar À cena do crime. Não voltarão! O povo está do nosso lado. O povo está do lado do bem. O povo sabe o que quer”, disse.

 “Pode ter certeza, pela graça de Deus, que me deu uma segunda vida, e pela graça de comandar o País, que atingiremos o nosso objetivo”, disse. “Começamos a mudar nosso Brasil. Veio a pandemia, lamentamos as mortes. Veio a errada política do ‘fique em casa’ e a economia a gente vê depois”. “Quando parecia estar tudo perdido para o mundo, o Brasil ressurge pungente. Com uma das gasolinas mais baratas do mundo”, frisou o presidente.

O presidente e a primeira-dama se beijaram em alguns momentos do pronunciamento.

O presidente e a primeira-dama se beijaram em alguns momentos do pronunciamento. Foto: Evaristo Sá/AFP

Assim como a primeira-dama Michelle Bolsonaro antes dele, o presidente deu conotação cristã ao discurso.Somos uma pátria majoritariamente cristã, que não quer liberação das drogas, que não quer legalização do aborto, que não admite a ‘identidade de gênero’, que respeita a vida desde a sua concepção”, disse ele.

“Podemos fazer várias comparações. Até entre as primeiras-damas. Não há o que discutir. Uma mulher de Deus, família e ativa na minha vida. Não é do meu lado, muitas vezes está na minha frente”, afirmou.[com todo respeito ao nosso presidente, lembramos que ele erra na comparação; afinal,  a 'Janja', casada com o descondenado petista, é primeira-dama do que ou de quem? não é, nunca foi, nem nunca será.] A referência é a uma postagem antiga da mulher do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a socióloga Rosângela da Silva, Janja, na qual ela aparece ao lado de ícones representando entidades da umbanda.


                                                 @RenatoCGC

André Shalders e Vinícius Valfré - O Estado de S. Paulo


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Tudo o que você precisa saber sobre a situação constitucional do aborto nos EUA - Gazeta do Povo

André Uliano

Em janeiro de 2018, durante a tradicional Marcha pela Vida (March for Life), realizada anualmente na capital dos Estados Unidos, o então Presidente Donald Trump afirmou categoricamente: “Na minha Administração, sempre defenderemos o primeiro direito da Declaração de Independência, que é o direito à vida”. (...)

“Estamos protegendo a santidade da vida e da família como a base de nossa sociedade.”

Quatro anos depois, é possível dizer que poucos presidentes tiveram tanto sucesso e atuaram de um modo tão efetivo sobre algum tema. Após três nomeações chave para a Suprema Corte Americana, tudo indica que os Estados Unidos estão prestes a superar uma de suas decisões juridicamente mais equivocadas e moralmente mais infames: a do caso Roe v. Wade, de 1973, quando o Tribunal fixou a tese de que a Constituição americana garantiria um suposto “direito ao aborto”, de modo que os Estados-membros não poderiam tutelar penalmente a vida intrauterina, salvo no final da gravidez e mesmo assim de modo bastante restrito.

Embora esse não seja o tema do texto de hoje, cabe aqui abrir um parêntese: quando ouvimos algum discurso de justificação do ativismo judicial, é comum que se busque legitimar tal prática como algo conveniente e até imprescindível para proteger direitos humanos. A análise histórica, no entanto, não revela um quadro tão simples. Historicamente, o ativismo judicial foi responsável por legitimar a escravidão e a opressão contra negros, dificultar o combate à criminalidade, inclusive em crimes de corrupção, e – como no caso Roe v. Wade – legalizar violações ao direito à vida. Portanto, não há nada que indique que a atuação judicial tenha seu vetor sempre voltado para uma melhoria dos direitos fundamentais e do Estado de Direito.

Mas voltando ao tema do tratamento jurídico-constitucional do aborto nos Estados Unidos, o atual panorama da matéria foi fixado, basicamente, em três precedentes: Roe v. Wade; Doe v. Bolton; e, Planned Parenthood v. Casey. Falaremos de cada um deles à frente.

Entretanto, o que é hoje mais relevante e colocou o assunto novamente sob os holofotes é o fato de que a atual composição da Suprema Corte, uma das mais brilhantes e humanistas de sua história recente, poderá reapreciar a matéria ainda em 2022, no julgamento do caso Dobbs v. Jackson. A causa já foi instruída e está pronta para ser decidida. A previsão é que isso ocorra no meio do ano.

Para compreender toda essa discussão, creio que precisamos abordar os seguintes pontos:
1)
Como era tratado o aborto nos Estados Unidos antes da decisão de Roe v. Wade;
2) Quais os casos centrais da jurisprudência americana sobre o aborto e qual o estado atual da questão;
3) Por que isso poderá mudar em breve.

Neste artigo, veremos os dois primeiros tópicos (o regime jurídico do aborto nos EUA até 1973 e no pós-Roe até os dias atuais). No artigo da semana que vem veremos por que isso, provavelmente, está prestes a mudar (pra melhor).

 Como era tratado o aborto no direito americano antes do caso Roe v. Wade?
Segundo pesquisa histórica realizada pelos professores Robert P. George, da Universidade de Princeton, e John Finnis, o qual lecionou em Oxford e Notre Dame, o nascituro já gozava de status de pessoa e proteção jurídica desde os clássicos da Common Law, sistema jurídico herdado pelos Estados Unidos a partir do direito inglês. Essa conclusão se baseou na análise de autores que figuravam como referência no período de fundação do direito americano, como Edward Coke, William Blackstone e Henry de Bracton, assim como em alguns julgamentos dos inícios do país.

Havia, no entanto, certa discussão acerca de quando iniciaria a tutela especificamente penal, ou seja, a partir de que momento da gestação se tornaria crime a ação contra a vida do nascituro. Alguns sustentavam que isso deveria ocorrer apenas a partir da sexta semana de gravidez, outros a partir do momento em que a mãe fosse capaz de sentir os movimentos da criança, o que era fixado por volta da 15ª semana. De todo modo, fora do direito penal, em outros ramos do direito, mesmo antes desses marcos temporais, o aborto já era coibido e considerado ilícito. Por exemplo: contratos para prática de abortos eram nulos e não se concediam autorizações para estabelecimentos que visassem prestar serviços de aborto.

Com o ingresso no século XIX e o avanço das ciências e da bioética, a proteção jurídica desde a concepção ganhou força e se tornou hegemônica. Como consequência, foi deflagrado um movimento por parte de médicos e juristas para corrigir todo o direito americano, fortalecendo a proteção jurídica e penal do ser humano desde quando concebido no ventre materno.

Assim, conforme estudo da historiadora do direito Mary Ziegler, da Florida State University College of Law, por volta de 1857, a American Medical Association iniciou uma campanha em favor da proteção penal da vida intrauterina, apresentando argumentos morais, científicos e práticos. A campanha fora extremamente bem-sucedida e pelo ano de 1880, todos os Estados americanos já haviam estabelecido legislações que estabeleciam forte proteção da vida intrauterina e criminalizavam a prática de abortos eletivos, com algumas poucas exceções relativas a riscos à saúde física da mãe.

Esse dado é muito importante, porque ele revela que quando os Estados Unidos adotaram a 14ª Emenda à sua Constituição, em 9 de julho de 1868, prevendo que “nenhum Estado privará qualquer pessoa da vida” (“nor shall any state deprive any person of life”), o sentido corrente da expressão (original public meaning) “qualquer pessoa” abrangia os nascituros desde a concepção. Logo, a Suprema Corte não teria como dizer – como infelizmente disse – que antes de 24ª semana de gestação não haveria interesse jurídico e respaldo constitucional para que os Estados tutelassem a vida intrauterina. Inclusive, como vimos no parágrafo anterior, foi exatamente nesse período em que a campanha pró-vida apresentava maior vigor no sentido de reformar a legislação a fim de ampliar a proteção jurídica da vida para desde o momento da concepção.

A prof. Mary Ziegler relata que esse quadro durou relativamente estável por cerca de um século. Em 1959, inicia-se um movimento contra aquele consenso. A American Law Institute começa, então, a minutar projetos de lei que flexibilizavam as regras sobre aborto, ampliando as exceções à sua criminalização, embora de modo ainda razoavelmente restrito. Alguns Estados, como Califórnia e Geórgia, chegaram a aprovar legislações que seguiam o projeto daquela organização. Mas foi em torno de meados da década de 60 do século passado, quando o movimento de contracultura atingiu em cheio o coração da América, que se iniciou um forte movimento pela ampla legalização do aborto: “feministas exigiam a revogação total de todas as restrições ao aborto, assim como membros do movimento de controle populacional (uma causa dedicada a conter o crescimento demográfico).”

Em 1970, os Estados do Havaí e Nova Iorque permitiram a prática de abortos eletivos, assim como Alaska e Washington. Essas legislações tiveram forte impacto no crescimento do número de manobras abortivas praticadas no país. Segundo dados do CDC, em 1970 foram 193.491 abortos legais praticados nos Estados Unidos, 52 para cada 1000 nascimentos. No ano seguinte, ele mais do que dobrou, chegando perto de meio milhão, sendo agora 137 para cada 1000 nascimentos. Em 1973, já era de 615.831 o número de abortos legais praticados na América, 196 para cada 1000 nascimentos. Ou seja, quase 1 a cada 5 crianças eram abortadas.

Numa crescente de aceitação na opinião pública, quando cerca de metade da população já apoiava a legalização do aborto, a Suprema Corte proferiu o julgamento do caso Roe v. Wade.
O que o direito constitucional americano diz sobre o aborto atualmente?
Como mencionado acima, o tratamento constitucional do aborto está hoje definido nos Estados Unidos, basicamente, por três precedentes: Roe v. Wade, Doe v. Bolton e Planned Parenthood v. Casey.

Vejamos cada um daqueles três casos inicialmente.
O que foi definido em Roe v. Wade?
O caso começou quando Norma McCorvey, uma jovem saudável de 21 anos, descobriu que estava grávida de seu terceiro filho. Desejando abortar, em março de 1970, litigando com o pseudônimo Jane Roe, ela processou o então Procurador-Chefe do Ministério Público do Texas, Henry Menasco Wade, requerendo que ele fosse obstado de ajuizar qualquer ação criminal em seu desfavor, caso ela de fato praticasse um aborto. Nessa época, a legislação criminal texana proibia o procedimento, exceto para proteger a vida ou a saúde da mulher. Em 1973, o caso foi julgado pela Suprema Corte americana.

O mais alto tribunal do país, no precedente que leva o pseudônimo da demandante e o sobrenome do Procurador-Chefe, Roe versus Wade, declarou inconstitucional o artigo do Código Penal do Texas que criminalizava o aborto. Mas não parou por aí: a Suprema Corte literalmente inventou um direito ao aborto. Os juízes alegaram que antes da 24ª semana de gravidez (início do terceiro trimestre) o feto não apresentaria viabilidade, assim compreendida como a "potencialidade do feto de viver fora do útero da mãe, ainda que com ajuda artificial". O critério utilizado é altamente controverso. De todo modo, partindo dessa premissa, o Tribunal concluiu que, no período de inviabilidade (dois primeiros trimestres de gravidez), a decisão sobre abortar ou não estaria resguardada pelo direito à privacidade, não havendo interesse legítimo dos Estados em proscrever a prática do aborto.

Com base em tal raciocínio,
a Suprema Corte proibiu que todos os estados americanos, assim como o governo federal, criminalizassem a prática de abortos eletivos, até a 24ª semana de gestação. O voto vencedor, que contou com a adesão de 7 dos 9 juízes, estabeleceu uma divisão da gravidez em três trimestres, e aplicou para cada um deles um regime jurídico próprio.

Em apertada síntese:
no primeiro trimestre, o aborto eletivo simplesmente deveria ser deixado sob livre decisão da gestante e seus médicos;
no segundo trimestre, o Estado poderia regular o aborto visando apenas a proteção da mãe, não do feto, implementando procedimentos razoáveis para assegurar a saúde materna;
por fim, no último trimestre (após a 24ª semana), quando se considerou que o feto já possuía viabilidade extrauterina, o Estado poderia regular e mesmo proibir criminalmente o aborto, exceto quando necessário, segundo juízo médico, para preservação da vida e saúde da mulher.

O que foi decidido, de relevante, no caso Doe v. Bolton?
Mesmo quanto ao último trimestre, no caso Doe v. Bolton, julgado no mesmo dia, mas que ficou bem menos famoso, a Suprema Corte decidiu que “os aspectos ‘físico, emocional, psicológico, familiar e de idade’ da mulher relacionam-se à sua saúde, autorizando que todos esses fatores possam ser levados em consideração para permitir o aborto após o sexto mês gestacional”.

Com isso, como bem constatou o Procurador da República Higor Rezende Pessoa:
“Na prática, a partir de 22 de janeiro de 1973, na linha dos precedentes Roe v. Wade e Doe v. Bolton, passa a América a permitir o aborto durante os nove meses de gravidez, tornando impossível a defesa da vida intrauterina por parte dos estados americanos ou do governo federal."
"Em resumo, o aborto passa a ser legal em qualquer circunstância (dificuldade financeira, conveniência social, rejeição do feto pelo sexo, por doença ou por motivo algum) durante os seis primeiros meses de gravidez; a partir do sétimo mês, o aborto é legal para resguardar a vida ou a saúde da mulher, sendo o último conceito (saúde) alargado pelo precedente estabelecido em Doe, que permite abortar até o nono mês, representando uma mudança radical no sistema jurídico de proteção da vida do nascituro nos Estados Unidos."

Quais foram as consequências dessas decisões da Suprema Corte?
O julgamento do caso Roe v. Wade chocou e polarizou a opinião pública americana.
E não foi para menos. É possível concluir com base nos dados que Roe deflagrou uma crise de violações a direitos humanos na América.

Segundo levantamento de Higor Rezende Ferreira, hoje, pelo menos 8 estados americanos permitem a realização do aborto até momentos antes do parto. A postura legislativa é tão radical que, dentre 198 países estudados no ano de 2017, os Estados Unidos encontravam-se entre um restrito grupo de 7 nações que admitiam o aborto após a 20ª semana de gestação. É importante salientar que as práticas abortivas utilizadas, especialmente em estágios mais avançados da gravidez, são manifestamente cruéis. Desde a decisão do caso Roe, mais de 60 milhões de abortos legalizados já foram praticados no país. Conforme levantamento do Instituto Guttmacher, abrangendo 7 estados americanos, “98.3% dos abortos nos EUA são eletivos, incluindo razões socioeconômicas, controle de natalidade e seleção de sexo do bebê. Os casos difíceis (hard cases) representam: em caso de estupro, 0.3%; incesto, 0.03%; real risco para a vida da mãe, 0.1%; riscos para a saúde da mãe, 0.8%; problemas de saúde dos fetos, 0.5%”.

As consequências da decisão da Suprema Corte acabaram por impulsionar fortemente o movimento pró-vida no país.

No campo jurídico, na própria década de 70, setores da sociedade e da academia, em larga medida envolvidos com movimentos pró-vida, começaram a desenvolver teorias de interpretação da Constituição mais fieis ao texto, à tradição do país e à intenção dos legisladores: é a fundação do chamado moderno originalismo. O Presidente Richard Nixon indicou o justice Rehnquist para a Suprema Corte, jurista alinhado com essa filosofia, o qual mais tarde chegou a ser Presidente da Suprema Corte e, em 1976, portanto pouco depois da decisão do caso Roe, escreveu famoso artigo crítico ao ativismo judicial.

Na década de 80, o icônico Presidente Ronald Reagan, vigoroso defensor de sociedades livres e responsáveis, e um dos principais nomes da vitória humanista contra o totalitarismo comunista, nomeou novos juízes para Suprema Corte, sobressaindo-se dentre eles o adepto das teorias originalistas e grande promotor dos direitos humanos, o conservador Antonin Scalia.

Ronald Reagan chegou a nomear outro famoso jurista conservador e originalista, Robert Bork, professor em Yale e Desembargador da Justiça Federal americana. Seu nome, no entanto, foi rejeitado pelo Senado. O presidente, então, indicou Anthony Kennedy para a vaga. Como veremos, essa substituição teria grandes repercussões para a causa do aborto no futuro.

De um modo ou de outra, as trocas na composição da Suprema Corte entre 1973 e o início da década de 90 levaram a uma forte expectativa de que o lamentável precedente do caso Roe v. Wade pudesse ser revertido. Essa expectativa cresceu quando um novo grande caso sobre o aborto chegou à Suprema Corte após a mudança em sua composição: o caso Planned Parenthood v. Casey.

O que a Suprema Corte decidiu no caso Planned Parenthood v. Casey?
O caso Casey tinha por objeto a legislação da Pensilvânia de 1982 (Pennsylvania Abortion Control Act) que impunha algumas restrições à prática do aborto: consentimento informado, com dados sobre o procedimento e os riscos do aborto a gestantes que procurassem tal serviço; período mínimo de 24 horas de espera entre a solicitação do aborto e sua prática; notificação dos pais, caso o aborto fosse solicitado por menores; e notificação do marido, caso o aborto fosse requerido por mulheres casadas.

Apesar da grande expectativa, o precedente do caso Roe foi mantido e reafirmado, embora com alterações. O voto vencedor contou com maioria apertada de 5 juízes, entre eles o justice Kennedy. A decisão manteve o critério da viabilidade da vida do feto fora do útero. A divisão rígida entre trimestres – absolutamente sem base no direito do país –, no entanto, foi abandonada.

O Tribunal, então, fixou que: antes da viabilidade, os Estados poderiam regular o aborto (por exemplo, com as restrições administrativas impostas pela legislação da Pensilvânia), mas não criminalizá-lo. E mesmo as restrições administrativas não poderiam resultar num ônus indevido (undue burden), descrito como um "obstáculo substancial no caminho de uma mulher que busca um aborto antes que o feto atinja a viabilidade". A Suprema Corte entendeu que uma das restrições da legislação analisada (notificação ao marido em caso de requerente casada) criava um ônus indevido e por isso ela foi julgada inconstitucional. Esse, contudo, foi o único trecho da legislação que acabou derrubado.

Após a viabilidade, a decisão fixou que os Estados podem proteger a vida do feto, banindo penalmente a prática de abortos não terapêuticos (eletivos).

O que aconteceu após Casey v. Planned Parenthood?
Depois do julgamento do caso Casey, houve inegável frustração por parte do movimento pró-vida. Mas também houve motivos para comemorar.

A decisão da Suprema Corte permitiu que vários estados passassem a dificultar práticas abortivas mediante regulação administrativa, ainda que não penal. A grande verdade é que a vagueza do standard utilizado (undue burden) deixou enorme margem à discricionariedade dos Estados. E o que governantes comprometidos com a causa da vida passaram a fazer desde então foi criar legislações que tornassem o aborto cada vez mais difícil, testando até onde iria a aceitação da Suprema Corte.

O movimento pró-vida seguiu crescendo nos Estados Unidos. Eles perceberam algo fundamental: “para dar um fim ao aborto, conquistar corações é mais importante do que mudar as leis”. Com as novas tecnologias que permitem a percepção da humanidade do feto desde muito cedo e com a divulgação da desumanidade dos procedimentos abortivos, o movimento pró-vida conquistou adeptos.

Desde o julgamento de Casey, o número de abortos legais caiu nos Estados Unidos, revertendo uma tendência ascendente que vinha desde o início da década de 70.

Por fim, o destino conspirou a favor. Em um único mandato, o Presidente mais pró-vida da história recente americana, Donald Trump, pôde nomear três juízes para a Suprema Corte. E ele não desperdiçou a oportunidade que o destino lhe assegurou, garantindo uma tríade de excelentes indicações.

O resultado desse movimento será objeto de nosso artigo da semana que vem.

André Uliano, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

domingo, 14 de novembro de 2021

Contra o aborto - Gazeta do Povo

Vozes - Francisco Razzo

Jornalistas da Argentina são financiadas com recursos da International Planned Parenthood Federation (IPPF), maior conglomerado de clínicas de aborto do mundo



A dignidade de uma pessoa, invisível ao método das ciências naturais, não muda conforme as mudanças biológicas e muito menos conforme bravatas de interesses de ativistas - Foto: Unsplash

Neste mês de novembro de 2021, meu livro Contra o Aborto completou quatro anos. O livro já está na sua quinta edição, com ligeiras correções em relação à primeira, de 2017. Nesses últimos anos, aprendi muita coisa com meus leitores. Recebi mais elogios e críticas positivas do que ataques e críticas negativas. No geral, ataques são sempre os mesmos: “homem não pode falar de aborto”; “livro cheio de falácias” e coisas do gênero. Os críticos, com zelo pela verdade, fizeram-me corrigir erros e repensar muita coisa.

Entretanto, nenhuma análise substantiva demonstrou a invalidade do que sustento do início ao fim do livro: o embrião é pessoa desde o momento da concepção e, por ser pessoa, merece respeito moral e proteção legal. Não admito reduzirem o problema do aborto a um problema de saúde pública ou de autonomia do corpo da mulher. Na verdade, o problema do aborto não pode ser compreendido por uma única perspectiva. É, pois, problema complexo. E, pela complexidade inerente, não pode ser solucionado com respostas simples e bravatas de ativistas.

    O embrião é pessoa desde o momento da concepção e, por ser pessoa, merece respeito moral e proteção legal

Nunca me importei para ataques e sempre me coloquei à disposição da conversa franca e respeitosa. Lamento pessoas que, em vez de discutir ideias, preferem repetir jargões que nada contribuem para uma construção madura acerca de tão delicado tema. Eu, por ser da área da filosofia, lido com argumentos, independentemente de quem “fala”. Não há um “lugar de fala” privilegiado quando o objetivo é a verdade. Porque não se trata de quem, mas do que se fala.

Meu livro nunca se pretendeu panfleto contra o aborto. É reflexão filosófica e propõe solução objetiva para o problema do aborto – que considero, antes de tudo, problema moral envolvendo não uma, mas toda a comunidade de pessoas.

 


O problema moral do aborto não se encerra na descrição científica de um organismo vivo e da descrição do processo de seu desenvolvimento biológico, sociológico e econômico. Logo, não se trata de evocar só esta ou aquela ciência, este ou aquele recorte da realidade. A controvérsia gira em torno, primeiro, de uma resposta para pergunta simples, porém difícil: “o que sou eu?” Sem uma resposta relativamente segura dada a essa pergunta filosoficamente difícil, não será possível pensar a pergunta mais importante no caso do aborto: “faz sentido dizer que o embrião já existe como pessoa?”

A ciência pode nos dizer muitas coisas sobre organismos vivos, porém, não diz respeito ao método científico se somos ou não pessoas. Verdade é que não há “pessoas” em tratados científicos. A categoria “pessoa” é irrelevante para a ciência natural. É curioso, no entanto, perguntar para os defensores do aborto o que certamente morre quando se pratica um aborto. A dignidade de uma pessoa, invisível ao método das ciências naturais, não muda conforme as mudanças biológicas e muito menos conforme bravatas de interesses de ativistas

A descrição da experiência interpessoal responsável por fornecer sentido à sentença “o embrião é uma pessoa” precisa ser distinta em ordem e qualidade da descrição objetiva da ciência “este organismo vivo é um embrião”. E pouco importa dizer que um embrião não tem sistema nervoso desenvolvido. Essas ordens descritivas da realidade, natural e interpessoal, não se anulam. Na verdade, subsistem enquanto formas legítimas de compreensão de duas ordens da realidade: a realidade natural e a realidade humana.

Sou taxativo neste ponto: uma pessoa é o seu próprio corpo. Meu livro praticamente é uma defesa da tese de que uma pessoa não tem corpo, ela é corpo. O embrião é pessoa por ser corpo com potencial de se autodesenvolver para a vida adulta autoconsciente. Não tem potencial de ser pessoa; já é pessoa em ato, desde o momento da concepção.

    Ser contra o aborto não implica em limitar a liberdade da mulher. Pelo contrário, é reafirmar que todos são livres desde o momento da concepção


A experiência humana mais elementar não diz que eu só tenho um corpo depois de me tornar consciente; eu sou meu corpo desde o momento da concepção e minha consciência será o resultado do meu autodesenvolvimento como pessoa convivendo com outras em uma relação interpessoal. O embrião é, pois, membro da comunidade moral por ser corpo pessoal e não um parasita biológico.

Se dependêssemos da vontade de terceiros para fundamentar nossa dignidade, jamais avançaríamos em relação aos direito

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.s humanos universais.

Gazeta do Povo -VOZES

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Em pesquisa na Argentina, 93% se dizem contra lei que liberou o aborto - André Uliano

Vozes - Gazeta do Povo

Em pesquisa recente realizada por professores de universidade argentina, 93% dos entrevistados se disseram contrários ao projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo e que permite o aborto até a 14ª semana de gestação. A pesquisa foi realizada pela Cátedra de Sociologia da Universidade do Norte Santo Tomás de Aquino. Foram ouvidas 8.101 pessoas, de 23 províncias, entre os dias 20 e 24 de dezembro. Dentre elas, 70% eram mulheres, sendo 60% em idade apta para gravidez.
Apenas 6% dos entrevistados se manifestaram favoravelmente à proposta legislativa, enquanto 1% não soube opinar. A pesquisa também perguntou se o tema era urgente
92% responderam negativamente, sendo que 93% afirmaram que, diante da pandemia do coronavírus, este não era o momento para enfrentar o tema.

Ressalte-se que o governo socialista da Argentina teve péssimos resultados no enfrentamento à pandemia. Com efeito, em virtude das medidas draconianas de bloqueio impostas pelo presidente, o país foi um dos mais afetados economicamente na região. A pobreza entre os argentinos alcançou índices alarmantes durante o ano. Isso tudo sem que o país tenha conseguido bons resultados no tocante à saúde pública. A Argentina viu o quadro sanitário se deteriorar rapidamente no segundo semestre e hoje está entre as 20 maiores taxas de óbito por milhão de habitantes no mundo.

Esses dados realmente parecem demonstrar que a discussão sobre a liberação do aborto surge muito mais como cortina de fumaça diante de uma gestão caótica e sem resultados, a fim de manter a adesão do eleitorado mais cego e ideológico, do que como resposta a um problema prioritário do povo argentino de modo geral.

Voltando aos dados da pesquisa, ela ainda mostra que 95% dos entrevistados declararam acreditar que a vida inicia na concepção. Essa convicção está em linha com os direitos humanos na região, uma vez que o Pacto de São José da Costa Rica reconhece em seu art. 4º, 1, que:Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção”.

Por fim, 67% das pessoas ouvidas na pesquisa considera que o aborto deve ser proibido sempre, enquanto 25% que deve ser liberado em alguns casos (estupro, perigo de vida para a mãe, malformação fetal).

A discrepância entre a opinião pública generalizada revelada na pesquisa e a maioria parlamentar contra a proteção penal da vida intrauterina é um forte indício de fragilidade da democracia e impotência do povo na Argentina. Aliás, esses são traços marcantes em várias nações da América Latina, fenômeno potencializado em governos socialistas de esquerda ou fisiológicos de direita.

É verdade que os órgãos de representação política não são meros delegados das opiniões majoritárias. Os órgãos legislativos possuem um aspecto deliberativo e não apenas agregativo. Não apenas contam votos e repassam posições majoritárias. Os parlamentares têm condições de trocar argumentos e aprofundar sobre os temas em nível que é inviável para as massas. Isso faz com que, algumas vezes, a posição do Parlamento contrarie a opinião majoritária da população sem prejudicar a substância de uma democracia liberal. Apenas para dar um exemplo: um número razoável de pessoas é favorável à tortura de presos, o que é inaceitável do ponto de vista moral e jurídico. Ainda que essa opinião se tornasse francamente majoritária, as instituições políticas deveriam resistir a ela, e não ceder a pressões que nesse caso poderiam ser descritas como populistas.

Contudo, não é o que ocorre no caso da proteção jurídico-penal da vida humana durante a gestação. O aborto é uma violação grave a direitos humanos, em geral atingindo um número alarmante de vítimas. A prática é francamente cruel, envolvendo enorme violência contra o feto em situação totalmente indefesa. Ademais, é praticado com o assentimento daqueles que teriam moralmente o maior dever de proteção, que são os próprios pais. Não por outro motivo, em regra, o aborto deixa marcas psicológicas profundas e brutalmente negativas no casal. Além disso, a tutela penal da vida humana encontra respaldo no direito constitucional e em dispositivos de direitos humanos, sendo mecanismo absolutamente legítimo para proteção da vida intrauterina.

Por isso, não se justifica que o Parlamento, contrariando opinião popular e de modo intempestivo, fragilize a proteção jurídica da vida humana em seus primeiros momentos, apenas para beneficiar e satisfizer elites e grupos de pressão com forte poder econômico e influência midiática.

Uma vez consumado o erro do parlamento argentino, o que resta para os defensores da vida? Creio que há várias medidas práticas. Cito aqui apenas duas. Em primeiro lugar, buscar reverter o equívoco praticado pelo Governo socialista da Argentina, que configura um lamentável retrocesso aos direitos humanos na região. 
Isso deve ser feito por campanhas de conscientização e sensibilização da opinião pública, especialmente, quanto a três pontos: a existência de vida humana durante a gestação; os impactos negativos sobre os casais que abortam; 
a crueldade que envolve os procedimentos de aborto.  
Em segundo lugar, é necessário formar uma rede de suporte a casais em situação de vulnerabilidade e que podem recorrer ao aborto....

André Uliano, Procurador da República. Mestre em Economia e pós-graduado em Direito. Professor de Direito Constitucional - GAZETA DO POVO - Vozes 

 

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Ainda sem força para mudar a lei, governo reforça agenda antiaborto

Sem condições de avançar no Congresso com uma proposta conservadora sobre a interrupção da gravidez, Planalto aciona ministros em iniciativas paralelas, sem força de lei

Em ações cirúrgicas e paralelas à atual legislação brasileira, o governo avança com a agenda antiaborto, uma das principais bandeiras do bolsonarismo. O movimento ganha força em meio ao imbróglio da discussão no Congresso, já que, desde a década de 1940, o país não consegue avançar na promoção de uma reforma legislativa sobre o tema. No último dia 27 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro decretou um plano de desenvolvimento de estratégias até 2031, que inclui a promoção do “direito à vida, desde a concepção até a morte natural”. Dias antes, o Brasil passou a fazer parte do chamado Consenso de Genebra, iniciativa que reforça a postura antiaborto, sob o argumento de ênfase na saúde da mulher e no papel da família como unidade fundamental da sociedade.
[o mais absurdo, chegando a ser anormal, é que o governo Bolsonaro sobre um boicote sistemático do Congresso e do Poder Judiciário, em todas suas ações antiaborto = há dois ou três anos, um ministro do STF tentou utilizar um 'habeas corpus' para liberar o aborto = enquanto legislação para proteger cobras, serpentes, não é sequer contestada.
O imbróglio recente no DF de um estudante que foi picado por uma serpente naja, mostrou que entre os crimes cometidos pela vítima da picada (não entramos no mérito da culpa ou inocência do jovem) está o de maus tratos à cobra.
No país em que tratar uma cobra venenosa - não existindo no Brasil antídoto - de forma que possa causar algum desconforto ao animal é crime (matar uma cobra não devemos nem pensar)  permitir o assassinato pela própria mãe (ou sua concordância que um terceiro pratique o homicídio) de um ser humano inocente e indefeso, (abrigado na  barriga da assassina - que deveria ser o local mais seguro para o inocente) é defendido por muitos. 
As medidas que visem penalizar de forma severa o aborto - a lei atual estabelece uma pena mínima para a assassina e eventuais colaboradores = possivelmente inferior a estabelecido para quem mate uma serpente - são sempre combatidas, arquivadas, descartadas.]

Sem força de tratado, o acordo internacional serve como uma resposta ofensiva para o combate do aborto, deixando a mensagem para organizações internacionais de que o atual governo não pretende entrar na pauta de legalização da medida. O consenso é uma proposta do governo dos Estados Unidos em parceria com Brasil, Egito, Hungria, Indonésia e Uganda, e foi assinado por 31 países, permanecendo aberto para novos integrantes.

Participaram da reunião de assinatura os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. “Nos reunimos aqui em defesa da saúde da mulher, do fortalecimento da família e da proteção da vida”, discursou Araújo, frisando, ainda, a agenda antiaborto.Nós reafirmamos também o nosso dever de proteger a vida humana desde a sua concepção. Rejeitamos categoricamente o aborto como método do planejamento familiar, assim como toda e qualquer iniciativa em favor de um direito internacional ao aborto ou que insinue esse direito ainda que veladamente”, acrescentou.

Por outro lado, o Movimento Brasil Sem Aborto endossou a postura do governo brasileiro “contra a interrupção da gravidez e em defesa da família tradicional”. O documento determina, ainda, que “quaisquer medidas ou mudanças relacionadas ao aborto dentro do sistema de saúde só podem ser determinadas em nível nacional ou local de acordo com o processo legislativo nacional”.

Polarização
Enquanto no Executivo o movimento antiaborto fica notório, no Legislativo, a polarização do assunto tem travado a pauta. Somente neste ano, mais 24 projetos de lei sobre o tema foram apresentados na Câmara. O atual posicionamento do governo dá destaque a deputados e senadores pró-aborto, fazendo as pautas ganharem espaço. Além da Frente Parlamentar Mista Contra o Aborto e em Defesa da Vida, há a chamada de PEC da Vida. A proposta defende o “direito à vida desde a concepção”, chegou a ser desarquivada em 2019, mas passa por “ajuste” pelas mãos do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), um dos defensores da PEC. O movimento não tem força suficiente para aprovar propostas que vão de encontro às situações de aborto autorizadas no Brasil, mas empaca qualquer discussão de um procedimento legal e seguro como política pública em saúde da mulher.

Diante do impasse, o governo federal aproveita para fortalecer a pauta por meio de decreto, com ênfase na defesa à vida antes do nascimento. É maneira de provocar ruídos jurídicos ao que atualmente é permitido pela lei. O decreto, chamado de Estratégia Federal de Desenvolvimento, orienta a promoção “do direito à vida, desde a concepção até a morte natural, observando os direitos do nascituro, por meio de políticas de paternidade responsável, planejamento familiar e atenção às gestantes”.

“Bolsonaro quer mudar a Constituição Federal impondo uma concepção religiosa de mistério da vida”, criticou a antropóloga e pesquisadora da Universidade de Brasília Debora Diniz, referência na discussão sobre igualdade de gênero e saúde pública da mulher. “Direitos humanos para Bolsonaro é criminalizar o aborto. Inclusive em casos de risco de vida para mulheres e meninas, ou estupro”, completou ao comentar sobre o decreto pelas redes sociais. [para o presidente Bolsonaro e milhões de brasileiros, também para as pessoas de BEM e que são contra o assassinato covarde, repugnante, vil, hediondo.

Outro absurdo que caracteriza a maior parte das pessoas (pessoas?) que defendem o aborto é que são sempre defensoras de bandidos, de penas menores para bandidos, reclamam da superlotação das cadeias, do que chamam violência policial = para tais pessoas(?) é preferível que um bandido mate um policial do que o policial o mate. Não nos surpreende, quem é a favor do aborto é capaz de qualquer crime.]

Oposição à "ideologia de gênero"
As diretrizes se apresentam como uma alternativa para a Agenda 2030 defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU), que traz um objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS): a questão de equidade de gênero como o compromisso de “assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, como acordado em conformidade com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim”. Nos documentos, há a previsão de se rever leis que preveem medidas punitivas contra as mulheres que praticaram abortos ilegais.
Na visão do presidente Jair Bolsonaro, a agenda traz “nefasta ideologia de gênero e o aborto”, como definiu ele em uma postagem nas redes sociais. 

Em agosto, uma semana após o caso da menina de 10 anos estuprada pelo tio e submetida a um aborto legal ser alvo de discussões, foi publicada uma portaria pelo Ministério da Saúde obrigando os profissionais de saúde a relatarem à polícia quando uma vítima de estupro desejar realizar um aborto legal. Além disso, o texto determina que os profissionais devem “informar acerca da possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia, caso a gestante deseje, e essa deverá proferir expressamente sua concordância, de forma documentada”. A nova regra foi alvo de críticas por mecanismos da ONU, que sustentaram violação dos padrões internacionais. [quando expressamos nossa opinião no sentido de que o Brasil e outros países do mundo devem rever sua postura de sujeição à ONU, motivos não faltam.]

“Somos contra”
Se, por um lado, o Executivo se afasta dos padrões defendidos pela ONU, por outro, se aproxima das contribuições internacionais relativas às entidades cristãs americanas ligadas ao movimento antiaborto. Segundo levantamentos da entidade OpenDemocracy, essas ONGs já destinaram mais de R$ 1,6 bilhão para fomentar a agenda. Tanto representantes da Secretaria Nacional da Família quanto a própria ministra da Mulher, Damares Alves, já se reuniram com organizações do tipo para discutir “questões relacionadas à promoção e à defesa da liberdade de religião ou crença”, como indicou a pasta.

A agenda governamental antiaborto é tão evidente quanto declarada. Após o programa Pátria Voluntária, comandado pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, repassar R$ 14,7 mil para a Associação Virgem de Guadalupe, ONG que luta contra o aborto, Damares criticou a divulgação pela mídia. “Imprensa quando governo de esquerda financia ONGs para promoverem aborto como forma de controle familiar”, escreveu Damares, acrescentando um “emoji” de um macaco com as mãos nos olhos. “Não há no direito internacional qualquer regra que obrigue países a legalizarem o aborto. E somos contra. O eleitor brasileiro votou no projeto conservador da vida e antiaborto. Nosso país é soberano”, escreveu a ministra, em outra postagem sobre o tema.

Correio Braziliense, leia MATÉRIA COMPLETA


terça-feira, 19 de setembro de 2017

FINALMENTE: Proposta que proíbe todo tipo de aborto será votada esta semana o Brasil das pessoas de BEM, que valoriza a vida, especialmente de inocentes indefesos, espera que os parlamentares aprovem a proposta

Proposta que proíbe todo tipo de aborto será votada esta semana 

Uma comissão especial da Câmara dos Deputados dominada pela bancada evangélica votará nesta  quarta-feira (20) uma proposta para alterar a Constituição e passar a proibir todo tipo de aborto, inclusive os autorizados hoje pela legislação e decisões judiciais.  [A Constituição proíbe a pena de morte e enquanto tal proibição não for retirada do texto magno, nem juiz, nem lei  pode autorizar a pena de morte. 
Se essa cláusula constitucional é respeitada para impedir que assassinos sejam condenados à pena de morte, como pode ser ignorado para permitir o assassinato de inocentes.?] O tema foi incluído em um projeto que tratava apenas de estender o prazo de licença-maternidade no caso de bebês prematuros que ficam internados. Após a votação na comissão, o tema seguirá ao plenário.
Dos 33 deputados da comissão especial, 22 fazem parte da frente parlamentar evangélica. A intenção desse grupo é alterar o artigo da Constituição que trata do direito à vida para incluir a expressão “desde a concepção”. A interpretação é que, com isso, estariam vedadas todas as hipóteses de aborto, mesmo quando a gestação é resultado de um estupro, em casos de risco de vida da mulher ou o feto seja diagnosticado com anencefalia.
Responsável pelo relatório que incluiu o tema no projeto, o deputado Jorge Tadeu  (DEM-SP) defende ser necessário enfrentar o debate.  A votação do projeto só não aconteceu de forma relâmpago, na semana passada, porque o deputado  j.w.  (PSOL-RJ) fez um pedido de vistas na reunião da comissão, que durou apenas cinco minutos.   “Eu sou autor do projeto de lei que legaliza a prática do aborto e reconhece os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Luto para que esse debate seja travado no Congresso, mas isso deve ser feito honestamente, com ampla participação da sociedade civil e dos especialistas, e de forma aberta, transparente e democrática. É inadmissível que a questão do aborto seja introduzida de forma desonesta em uma PEC que tem outra finalidade e que nada tinha a ver com esse debate”afirma j.w.
Fonte: O Globo

 

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Comissão do Senado, por medo, aprova Sachin - Agora é com o Plenário, que devidamente enquadrado, deve confirmar decisão da CCJ

Pela toga, Fachin renega seus radicalismos em sabatina

Indicado para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin relativizou suas convicções esquerdistas e só não conseguiu explicar a duplicidade de cargos como advogado privado e procurador do estado do Paraná

Quando o advogado Luiz Edson Fachin chegou à sabatina da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), nesta terça-feira, a maioria dos senadores estava pronta para questionar um candidato ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertamente partidário e com o perfil mais esquerdista da lista de indicados pelo Palácio do Planalto até hoje. Mas não foi o que se viu: em 11 horas de uma exaustiva sabatina, o jurista paranaense mostrou-se alguém disposto a dizer o que fosse preciso para conseguir a cadeira na corte. "O limite da toga é um limite imperativo", afirmou.

Não faltaram afirmações mostrando que Fachin calculou cada fala: "Não podemos cada um ter uma Constituição para chamar de sua", disse. "Na aplicação da Constituição não se pode tergiversar." Se o discurso morno de Fachin não era exatamente o esperado, o roteiro da sessão confirmou a lamentável ineficácia das sabatinas de sempre. Apesar da duração, senadores governistas usaram o tempo para fazer elogios à trajetória acadêmica de Fachin. E não se trata só de chancelar a indicação da presidente Dilma Rousseff: a postura também tem forte componente político num momento em que dezenas de parlamentares e partidos serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal nos processos da Operação Lava Jato. A exceção foram os questionamentos sobre temas espinhosos feitos pela oposição, ainda que até entre os tucanos houve exceção: Alvaro Dias contrariou a posição do PSDB para louvar o conterrâneo. Ao final da sabatina, os senadores da CCJ aprovaram por 20 votos a 7 a indicação do jurista.

Apesar do aval da CCJ, a indicação de Fachin ainda precisa ser votada no plenário do Senado, na próxima terça-feira, 19. O agendamento para a semana que vem, anunciado pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), não agradou o Palácio do Planalto, que pretendia liquidar logo a indicação.

Duplo emprego - A ilegalidade, segundo parecer técnico do Senado, em exercer a advocacia privada e o cargo de procurador do estado do Paraná foi o tema mais delicado e o qual Fachin teve mais dificuldade para explicar. O jurista disse que manteve as duas funções porque tinha respaldo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do procurador-geral do estado. A lei estadual paranaense, contudo, já proibia o acúmulo das duas atividades uando ele assumiu o cargo público, em fevereiro de 1990.

Militância política - Fachin negou ter militância político-partidária, a despeito de ter gravado um vídeo de campanha em 2010 em apoio à petista Dilma Rousseff e disse que, se for aprovado como ministro do STF, não teria qualquer problema em julgar irregularidades cometidas por partidos políticos. Ele disse ter consciência da necessidade de separar o exercício pessoal da cidadania do exercício da magistratura e citou casos de ministros com antigas vinculações partidárias, como o ex-petista Carlos Ayres Britto, que, ao tomarem posse no Supremo, se mostraram independentes em seus julgamentos.

Site ligado ao PT - O advogado disse que não sabia que seu site de apoio foi registrado por um integrante da equipe de marqueteiros digitais que trabalhou na campanha de Dilma Rousseff. Ele afirmou que contratou uma equipe de assessoria de imprensa após a indicação para uma cadeira no Supremo e que não controlou a criação do site. Ele não soube informar o valor pago à agência Pepper, ligada ao PT, pelos serviços.

Mensalão - O candidato a ministro do STF se recusou a classificar o escândalo do mensalão como "um ponto fora da curva", a exemplo do que havia feito o atual ministro Luis Roberto Barroso em sua sabatina no Senado. Para Fachin, o julgamento do esquema de corrupção foi uma "resposta à sociedade brasileira". Ele ainda indicou que, ao contrário do que alegam os petistas, as sentenças não foram definidas sem provas suficientes.

Direito à propriedade - Em sua sabatina na CCJ, o jurista disse que a Constituição brasileira impede a desapropriação de áreas invadidas. Ele classificou o direito à propriedade como "fundamental" e chegou a afirmar ser adepto da tese de que entidades paramilitares poderiam ser desconstituídas pelo Estado. No caso do MST, afirmou que qualquer ato violento deve ser combatido.


Financiamento eleitoral - Fachin indicou que as discussões sobre financiamento público de campanha, em julgamento no STF, deveriam ser feitas pelo Congresso Nacional, e não pelo Judiciário. O STF analisa uma ação direta de inconstitucionalidade que contesta trechos da Lei Eleitoral (9.504/1997) e da Lei dos Partidos Políticos (9.096/1995). Pelas regras atuais, empresas podem doar até 2% do seu faturamento bruto do ano anterior à eleição. No caso de pessoas físicas, a limitação é 10% do rendimento do ano anterior ao pleito.

Poligamia - O advogado afirmou que disse que quando tratou do tema no passado falava especificamente sobre o estudo de um aluno, segundo o qual haveria distorção dos direitos de pessoas que não integram o modelo tradicional familiar. Fachin, contudo, afirmou que defende "a estrutura da família em seus princípios fundamentais". Completou: "O relacionamento fiel é um princípio estruturante da família".

Maioridade penal - Fachin disse que redução da maioridade penal não é formalmente cláusula pétrea na Constituição, mas admitiu a possibilidade de discussão sobre eventuais alterações da idade de imputabilidade penal. Disse que uma possibilidade seria debater as atuais regras de internação previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ele ainda defendeu o debate sobre a ressocialização de jovens e sobre o uso de adolescentes por adultos para a prática de crimes.

Ativismo judicial - Defendeu a separação de atribuições entre o Congresso e o Judiciário e afirmou que magistrados não devem atuar como legisladores. "O julgador não pode e não deve substituir o legislador", disse. Apesar disso, admitiu que a Justiça assuma papel de protagonismo em casos específicos, como os de omissão legislativa. Ele citou como exemplo a garantia de servidores públicos terem os mesmos direitos de greve dos trabalhadores da iniciativa privada.

Lei da Anistia - Sem afirmar abertamente sua posição sobre uma possível revisão da Lei da Anistia, Fachin disse ser "muito importante que o país não perca sua memória", mas destacou ser também "muito importante que o país se pacifique".

Liberação das drogas - O jurista não antecipou sua posição sobre a liberação das drogas, mas deixou transparecer que adota uma postura de cautela a respeito do tema. "Quem abre uma fresta para as drogas muitas vezes não consegue segurar as outras portas da casa, e aí é preciso ter muito cuidado." [não há espaço para qualquer posição que não seja a totalmente contrária a que as drogas sejam liberadas;
o jurista, o parlamentar, ou qualquer outro que seja cauteloso em relação a este assunto, indica claramente estar no mínimo dividido em relação ao combate às drogas.]


PEC da Bengala - O candidato a ministro disse que o aumento de 70 para 75 anos na idade para a aposentadoria compulsória de ministros tem "coerência" com o aumento da expectativa de vida do brasileiro. A manifestação de Fachin ocorre ao mesmo tempo em que o ministro do STF Luiz Fux deu prazo de cinco dias para o Congresso explicar se, com a PEC da Bengala, será necessário ou não uma nova sabatina aos magistrados que decidirem permanecer no cargo após os 70 anos.

Aborto - Fachin disse textualmente ser contra o aborto. Também indicou ser contrário a bancos de embriões, embora o STF tenha autorizado pesquisas com células-tronco embrionárias. Afirmou que reconhece a importância da discussão do aborto no âmbito da saúde pública, mas disse contra porque é um "defensor da vida" e cristão. "Defendo a vida em sua dignidade e sou contra qualquer forma de interrupção que venha a ocasionar um atentado à vida, seja no início ou no fim." [admitir a discussão sobre o aborto já é mostrar que tem pelo menos um pé no espaço de ser favorável ao assassinato de crianças inocentes e indefesas; admitir o direito à vida seja no inicio ou no fim, demonstra que pode ser favorável ao aborto - já que muitos questionam o exato momento do inicio da vida. Quem é a FAVOR DA VIDA, contra o MALDITO ABORTO, deve ter uma única postura: defender à vida deste o MOMENTO DA CONCEPÇÃO.]
 
Liberdade de expressão - O advogado disse que existem temas na sociedade que podem ser considerados espaços de autodeterminação e de integração negativa do Estado, ou seja, um espaço onde o Estado não deve imiscuir-se. Como exemplo, citou a defesa da liberdade de expressão, situação em que a presença estatal deve ser autorizada unicamente para garantir o direito de manifestação, jamais para cerceá-lo.

Homofobia e religião - Fachin disse que, por questões de crença, pessoas podem não aceitar práticas homossexuais e as condenar durante cultos, por exemplo. Em ambientes públicos, porém, o advogado disse que o preconceito não é aceitável. "A manifestação que é feita na espacialidade da crença, na expressão da minha crença, no lugar onde expresso a minha crença, está dentro do limite da liberdade. Na espacialidade pública, a sociedade veda o preconceito", disse. O candidato a ministro ainda disse, porém, que, embora os homossexuais devem ter direitos civis, instituições como a do casamento foram pensadas para a "heterossexualidade".

Fonte: Revista VEJA