Conheço bem a atividade parlamentar e poderia fazer um catálogo de
manobras regimentais. Não obstante, nunca tinha visto pedido de urgência
para um projeto de lei ser sucedido, sete dias depois, pela retirada de
pauta por solicitação do autor.
Essa eu não
conhecia. Gostem ou não os artífices da jogada, o fato é que se puseram
má situação sob o ponto de vista ético.
A urgência se revelou pressa de
vendedor para enganar cliente.
Quando algo assim ocorre no comércio
privado, o assunto acaba em briga ou vai bater na porta dos órgãos de
defesa do consumidor, ou do Ministério Público.
Por isso, o
constrangimento ficou estampado no rosto do presidente Arthur Lira, que
se viu contribuindo para uma arapuca e sendo preso por ela junto com a
base do governo.
A partir do
momento em que a urgência foi aprovada, as pessoas trataram de ler a
trapizonga que estava por virar lei.
E o que se leu, deu no que se viu.
Nem acenando com R$ 10 bilhões em emendas parlamentares aquilo iria
passar! O mercado não se sensibiliza mais com essas cifras. Elas sobem
por consequência da inflação e da taxa de juros, ou seja, por culpa do
Bolsonaro e do Roberto Campos Neto. Você entende, não é mesmo?
Se é verdade
que a Casa foi acordada pela opinião pública, pelo trabalho das redes
sociais e dos bons deputados, também é verdade que a reação popular
elevou a ira dos senhores da caneta e da força contra as redes sociais
–caóticas e imprescindíveis à manifestação da opinião pública. São
caóticas? Sim, são. Mas tenta viver num país sem elas, ou onde são tão
controladas que nem para namorar servem.
Aborreceram-se
os poderosos e os empoderados. Dois ministros do STF clamaram pela
necessidade de regulamentar as redes sociais. Roberto Barroso disse que
isso era indispensável; Alexandre de Moraes afirmou que ou sai pelo
legislativo ou sai pelo judiciário.
Em outras palavras, ou vai por bem,
ou vai por mal. Por incrível que pareça, o argumento funciona. Aliás,
foi o mais potente argumento lançado ao plenário da Câmara dos Deputados
porque ali todos sabem para que lado corta o fio da espada de Themis.
Ao mesmo
tempo, cá no arraial do povão, todos sabemos: sempre que o poder de
legislar, de impor normas, foge das mãos do parlamento, aumenta o poder
do Estado sobre a sociedade. E o poder de legislar, de impor normas,
hoje é repartido por um sem número de agências oficiais, conselhos,
órgãos de contas, Banco Central, etc.
A seu modo, todos “legislam” e o
STF já se apresenta como alternativa ao Congresso Nacional. Não criou
até tipo penal por analogia? Com consentimento de quem, mesmo?
Fazer lei,
usar a espada e controlar a balança? Não vai dar certo.
Se o Congresso
não cuidar de si mesmo, se abdicar de seu poder, deputados e senadores
se descobrirão, um dia, ocupados apenas com sessões solenes,
laudatórios, votos de pesar e, claro, emendas parlamentares como brindes
à negligência. Deputados!
Não deixem esse assunto cair nas mãos do STF
nem do governo. Liberdade de expressão é cláusula pétrea da
Constituição! Eu a quero até para as plataformas que restringem a minha.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.