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sexta-feira, 5 de maio de 2023

A lei e o corte da espada de Themis - Percival Puggina



       Conheço bem a atividade parlamentar e poderia fazer um catálogo de manobras regimentais. Não obstante, nunca tinha visto pedido de urgência para um projeto de lei ser sucedido, sete dias depois, pela retirada de pauta por solicitação do autor.

Essa eu não conhecia. Gostem ou não os artífices da jogada, o fato é que se puseram má situação sob o ponto de vista ético.  
A urgência se revelou pressa de vendedor para enganar cliente. 
Quando algo assim ocorre no comércio privado, o assunto acaba em briga ou vai bater na porta dos órgãos de defesa do consumidor, ou do Ministério Público. 
Por isso, o constrangimento ficou estampado no rosto do presidente Arthur Lira, que se viu contribuindo para uma arapuca e sendo preso por ela junto com a base do governo.
 
A partir do momento em que a urgência foi aprovada, as pessoas trataram de ler a trapizonga que estava por virar lei
E o que se leu, deu no que se viu. 
Nem acenando com R$ 10 bilhões em emendas parlamentares aquilo iria passar! O mercado não se sensibiliza mais com essas cifras. Elas sobem por consequência da inflação e da taxa de juros, ou seja, por culpa do Bolsonaro e do Roberto Campos Neto. Você entende, não é mesmo?

Se é verdade que a Casa foi acordada pela opinião pública, pelo trabalho das redes sociais e dos bons deputados, também é verdade que a reação popular elevou a ira dos senhores da caneta e da força contra as redes sociais caóticas e imprescindíveis à manifestação da opinião pública. São caóticas? Sim, são. Mas tenta viver num país sem elas, ou onde são tão controladas que nem para namorar servem.

Aborreceram-se os poderosos e os empoderados. Dois ministros do STF clamaram pela necessidade de regulamentar as redes sociais. Roberto Barroso disse que isso era indispensável; Alexandre de Moraes afirmou que ou sai pelo legislativo ou sai pelo judiciário.  
Em outras palavras, ou vai por bem, ou vai por mal. Por incrível que pareça, o argumento funciona. Aliás, foi o mais potente argumento lançado ao plenário da Câmara dos Deputados porque ali todos sabem para que lado corta o fio da espada de Themis.
 
Ao mesmo tempo, cá no arraial do povão, todos sabemos: sempre que o poder de legislar, de impor normas, foge das mãos do parlamento, aumenta o poder do Estado sobre a sociedade. E o poder de legislar, de impor normas, hoje é repartido por um sem número de agências oficiais, conselhos, órgãos de contas, Banco Central, etc. 
A seu modo, todos “legislam” e o STF já se apresenta como alternativa ao Congresso Nacional. Não criou até tipo penal por analogia?  Com consentimento de quem, mesmo?
 
Fazer lei, usar a espada e controlar a balança? Não vai dar certo
Se o Congresso não cuidar de si mesmo, se abdicar de seu poder, deputados e senadores se descobrirão, um dia, ocupados apenas com sessões solenes, laudatórios, votos de pesar e, claro, emendas parlamentares como brindes à negligência. Deputados! 
Não deixem esse assunto cair nas mãos do STF nem do governo. Liberdade de expressão é cláusula pétrea da Constituição! Eu a quero até para as plataformas que restringem a minha.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quarta-feira, 19 de abril de 2023

Crime de opinião já foi criado há três anos pelo Supremo - Alexandre Garcia

O engodo desmoralizado pelo Banco Mundial foi usado na campanha eleitoral. Mas ninguém entrou no TSE reclamando da fake news. Aliás, se entrasse, dependeria do juízo do tribunal, que tem o dom divino de separar a mentira da verdade numa campanha eleitoral

Antes das eleições, o Brasil tinha 33 milhões de famintos. Uma semana depois, a maioria ficou alimentada. 
Restaram 1,9 milhão abaixo da linha de pobreza. O candidato e a mídia vinham repetindo, como fazia Goebbels, que o Brasil tem 33 milhões de famintos.  
Claro que quem tem olhos para ver não via isso, ou as ruas estariam cheias de pedintes do tamanho de três Portugais. Mas o candidato e sua mídia repetiam: 33 milhões de brasileiros famintos.
Agora aparece o Banco Mundial para estragar a narrativa: há bem menos brasileiros em extrema pobreza.  
Despencou de 25 milhões em 1990 para 1,9 milhão em 2020. 
Para os padrões econômicos internacionais, extrema pobreza é de quem ganha menos de 2,15 dólares por dia. O Auxílio Brasil corresponde ao dobro desse valor.
 
Só Paraguai conseguiu semelhante proeza na América Latina. Outros estão dobrando a pobreza. Mas a mitomania tupiniquim, gostou dos 33 milhões e ficou a repetir. Certa vez Lula explicou a Jayme Lerner que bastava citar um número que ninguém tinha como checar. Referia-se a 25 milhões de crianças de rua sem ter onde morar, conforme relato do próprio Lula, sobre uma palestra que ele fizera em Paris. Lula contou  que o arquiteto Jayme Lerner observara que com essa multidão de meninos, não conseguiríamos sair às ruas e Lula confessou, rindo, que inventava os números.  
Agora impressionou brasileiros desinformados e que não acreditam naquilo que seus próprios olhos veem nas ruas. Mas apareceu  agora um jovem economista da FGV tentar amenizar o tamanho da mentira ao dizer que de 2020 para 2021 a miséria subiu. 
 
O engodo desmoralizado pelo Banco Mundial foi usado na campanha eleitoral. Mas ninguém entrou no TSE reclamando da fake news. 
Aliás, se entrasse, dependeria do juízo do Tribunal, que tem o dom divino de separar a mentira da verdade numa campanha eleitoral.  
Até aqui nenhuma novidade, já que é do conhecimento público o desequilíbrio da balança da Têmis tupiniquim. 
Imaginem que agora, depois das anomalias mostradas pelo argentino, apenas pelo fato de Marcos Cintra ter cobrado uma explicação do TSE, o ex-Secretário da Receita foi bloqueado nas redes sociais e tratado como bandido, com prazo de 48 horas para a Polícia Federal colher depoimento dele. O ex-presidente do TSE, ministro Marco Aurélio, não viu crime em expressar opinião, e também expressou a dele: "É difícil conceber seções com dezenas de votos apenas para um determinado candidato." Palavras de quem já presidiu eleições.

Derrogam-se os artigos 5º IV e 220 da Constituição, que tratam da livre manifestação do pensamento sem anonimato e da liberdade de expressão e vedação da censura. O crime de opinião já foi criado há três anos pelo Supremo. Resta-nos a vergonha de estarmos exportando para ditaduras o estímulo para censurar liberdades.

A Nicarágua acaba de imitar o Brasil. Aprovou a Lei Especial de Delitos Cibernéticos, com até 10 anos de prisão para quem postar o que, para a ditadura Ortega, seja fake news. A verdade pode ser julgada mentira. E vice-versa. Mentir sobre 33 milhões de famintos vira verdade quando a mentira é publicada muitas vezes. 
 
Alexandre Garcia, jornalista - Correio Braziliense
 

domingo, 24 de abril de 2022

O STF não deveria ter lado.

Luciano Trigo 

Chama a atenção de quem passa diante do prédio do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, a escultura do artista Alfredo Ceschiatti representando a Justiça. Com mais de três metros de altura, o monumento em granito, inaugurado em 1961, representa uma mulher com os olhos vendados e uma espada nas mãos, suavemente apoiada em seu colo. 




A espada simboliza o poder de coerção: é um sinal de força, que indica que a Justiça pode impor à sociedade as suas decisões. Não fosse assim, seria difícil garantir a ordem, pois sempre haverá um lado descontente com o resultado de qualquer julgamento. Se dependesse do consentimento do julgado para fazer valer uma sentença, um juiz jamais conseguiria condenar alguém. Até aqui tudo bem.

A venda
, como se sabe, representa a imparcialidade que se espera dos juízes, que não devem fazer distinção entre aqueles que são julgados. É o que afirma, aliás, o Artigo 5º da Constituição: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. O mesmo artigo afirma ser livre a manifestação do pensamento e inviolável a liberdade de consciência; diz também que ninguém pode ser privado de direitos por motivo de convicção política.

(Sobre um terceiro símbolo, ausente na escultura, além da venda e da espada, falarei no final do artigo.)


O pluralismo político, por sua vez, aparece como fundamento da República já no primeiro artigo da Constituição, ao lado da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Pois bem, à luz da Carta Magna, uma conclusão necessária do que foi exposto acima é que ministros do Supremo Tribunal Federal – que são, afinal de contas, os supremos juízes da nação – têm o dever de ser cegos a diferenças não apenas de gênero, raça e credo religioso, mas também a diferenças de alinhamento político: ninguém deveria ser tratado de forma diferenciada pela Justiça por apoiar tal ou qual partido ou governo, da mesma forma que ninguém pode ser tratado de forma diferenciada por ser pobre ou rico, homem ou mulher, homossexual ou heterossexual, negro ou branco.

Não aplicar e não estender o dever de isenção e neutralidade à convicção política dos cidadãos é jogar na lata de lixo um dos pilares da República, o pluralismo político citado na Constituição. É trabalhar para a construção de um país politicamente hegemônico, como nas ditaduras: e um país onde só a esquerda (ou só a direita, não importa) é reconhecida pelo poder Judiciário como legítima não é uma democracia.

Citando Rosa Luxemburgo, aliás uma comunista, “a liberdade é sempre a liberdade para quem pensa de modo diferente do nosso”. A frase, escrita em 1918 em um contexto de crítica a Lênin e aos bolcheviques, permanece atualíssima: “A liberdade apenas para os partidários do governo, apenas para os membros de um partido, por muitos que sejam, não é liberdade”, Rosa conclui. Porque respeitar a liberdade de quem pensa como nós é fácil; difícil é conviver com a diferença. Mas, sem diferença, não há democracia.

Um cidadão comum tem o direito de achar inadmissível que Bolsonaro seja presidente.
Ele pode até pensar que Bolsonaro deve ser derrubado, ou impedido de ser reeleito, por qualquer meio necessário. Esta é uma opinião, e ter opinião não é crime, ainda que seja uma opinião assustadora ou antidemocrática.

Por óbvio, um ministro do Supremo não pode achar nada disso, e muito menos se comportar como se achasse: a natureza de seu cargo exige neutralidade e imparcialidade. Ele não pode aderir à “resistência” de quem acha que Bolsonaro representa uma ameaça para a sua existência.

Mas, para o cidadão comum, não comprometido com partido ou ideologia, é o que parece estar acontecendo: aos olhos desse cidadão – mesmo que ele não tenha votado em Bolsonaro – já há tempos o STF vem atuando abertamente para atrapalhar, sabotar e criar problemas para o presidente escolhido pela maioria do eleitorado. Não há mais sequer a preocupação de aparentar neutralidade.

O que pensa hoje o cidadão comum diante do noticiário? Que a condenação do deputado Daniel Silveira foi apenas o ápice desse processo; e que, já há muito tempo, o Supremo vem se comportando como se fosse um partido de oposição. Ora, o Supremo não pode se comportar como se oposição fosse, pelo simples fato de ele ter o poder de interferir no processo eleitoral – e um processo eleitoral contaminado se torna ilegítimo e perverte a democracia.

O cidadão comum pensa também que o decreto do presidente concedendo indulto individual ao deputado foi uma resposta justa e necessária à extrapolação recorrente do órgão supremo do Poder Judiciário na sua relação com os outros Poderes. “Se nem um deputado, que tem a prerrogativa da imunidade parlamentar, pode falar o que pensa, imagina um cidadão indefeso”, ele raciocina.

Aliás, é talvez esse cidadão comum, não comprometido de antemão com qualquer partido ou candidato, quem decidirá o resultado da próxima eleição. Ou seja: mesmo como estratégia de partido de oposição, o comportamento do Supremo pode ter o efeito inverso ao esperado.

Porque o cidadão comum há de concordar com as justificativas apresentadas no decreto que indultou o deputado: a liberdade de expressão como pilar essencial da sociedade; a manutenção do mecanismo de freios e contrapesos na tripartição de poderes; e a comoção legítima de parte da população diante de uma prisão percebida como arbitrária. De certa forma, o STF levantou a bola para Bolsonaro cortar.

Para concluir: é sintomático, revelador e sugestivo que falte à escultura da Justiça em frente ao prédio do STF um terceiro símbolo, além da venda nos olhos e da espada. Um símbolo universalmente presente em todas as representações artísticas da Justiça, desde a Grécia antiga (como demonstram as estátuas da deusa grega Têmis): a balança, simbolizando a ponderação e o equilíbrio na hora de julgar, nivelando por igual o tratamento jurídico concedido a todos.

O que a balança simboliza é o que vem faltando aos ministros do STF, pensa o cidadão comum; porque, se a prisão de Daniel Silveira fosse justa, até por isonomia muita gente teria que ser presa antes dele. O que não falta neste país, inclusive no Congresso e na mídia, são ataques às instituições.

O cidadão comum reflete, coça a cabeça e conclui: o Supremo não deveria ter lado
.

Luciano Trigo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES 

 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Ex-deputado Jefferson réu no STF é exemplo do “novo tipo de devido processo legal” do Brasil - Gazeta do Povo

Alexandre Garcia

Roberto Jefferson vai virar réu no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele não tem mandato, portanto não tem foro privilegiado, portanto o foro não é o Supremo. [não podemos olvidar: Lula foi absolvido pelo fato de ser julgado na vara errada -o ministro Fachin o descondenou; assim, se Jefferson for condenado pelo STF, é DEVER do Poder Judiciário inocentá-lo.] Mas é o novo tipo de devido processo legal que hoje tem no país. Já tem seis votos - ou seja, maioria - para ele virar réu, para aceitar a denúncia de crime de calúnia, homofobia, incitação ao crime contra o patrimônio público. 
 
 

SEM MEDO, LACOMBE SE DIRIGE A BARROSO E DIZ TUDO O QUE ESTÁ ENTALADO NA GARGANTA DO POVO BRASILEIRO [vídeo inserido = Blog Prontidão Total ]

Acho que deveria estar na primeira instância, mas o relator alega que é um inquérito conexo, um processo conexo àquele da milícia digital. Só que o da milícia digital tampouco deveria estar no Supremo. Na verdade, foi um inquérito administrativo do Supremo. Com base no regimento interno. Supondo que tenha sido um crime cometido dentro das dependências do Supremo, quando na verdade foram ações digitais no mundo - porque hoje a rede social é no mundo. 

Plenário do STF, em Brasília

Plenário do STF, em Brasília  - Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF

Então, fica tudo muito difícil de ser explicado, porque não consegue ser aceito pelo nosso segundo neurônio. Pode passar pelo primeiro, meio distraído. Além disso, tem aqui uma aplicação da Lei de Segurança Nacional, que não existe mais. O relator, ministro Alexandre de Moraes, fala em "conduta contra o Estado Democrático de Direito" com o intuito de impedir o livre exercício do poder Legislativo. Só que nenhum de nós viu alguma coisa que estivesse ameaçando realmente o poder Legislativo. Não sei se o Roberto Jefferson era comandante de tanque, ou de algum míssil, ou quem sabe estava treinando aqueles aviões suicidas. Mas, enfim, já teve seis votos. E, por enquanto, está interrompida a continuação. Mas já está decidido.

Ação civil pública pede transparência sobre efeitos adversos de vacinas de Covid

O artigo 101 da Constituição diz que para ser ministro do Supremo tem que ser brasileiro, ter no mínimo 35 anos, notável saber jurídico e conduta ilibada. Não diz que tem que ser juiz ou advogado ou promotor público, como diz o artigo que fala na composição do Superior Tribunal de Justiça. São 33, e um terço para cada um: para juiz, para promotores e para advogados.

Aí acontece o seguinte: a natureza do advogado, a vocação dele, é trabalhar em favor de alguém. E contra alguém, ou alguma coisa.   
Aí vira juiz do Supremo, mas a natureza dele continua sendo a natureza de advogado. A gente viu na semana passada o trio Moraes, Barroso e Fachin, que são advogados, assim como Lewandowski, que é o novo membro do TSE, agindo como advogados. Porque a ação de um juiz, a natureza de um juiz, é a aplicação estrita da lei na busca da justiça.  
Cegamente. Com a espada na mão para cumprir a lei, e a balança para chegar à conclusão e ver de que lado, qual o prato que pesa mais. Então talvez, para corrigir isso, tem que se fazer uma mudança na Constituição. E, para mim, o juiz do Supremo tem que ser o ápice de uma carreira de juiz de direito. Que vai subindo, chega a desembargador, depois se torna ministro de tribunal superior, e o mais brilhante deles acaba sendo escolhido para o Supremo. Talvez tenha que ser isso. Mas é apenas uma suposição.
 
 Eu li a Gazeta de Petrópolis de 1895, de 5 de janeiro, que tem na primeira página a notícia de tudo o que aconteceu agora. É a mesma coisa. As mesmas chuvas, a mesma enxurrada, as mesmas quedas de barreira, as mesmas inundações, os mesmos prejuízos, guardando as proporções. 1895. Acho que é uma vergonha para o Estado brasileiro, nos seus três níveis, que isso se repita por mais de um século.
 

Alexandre Garcia, colunista -  Gazeta do Povo - VOZES


segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

A sobrevivência dos mais gordos - Valor Econômico

Bruno Carazza

STF perpetua privilégios e contribui para a crise fiscal

Em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, repousa a escultura “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti. “Repousa”, aliás, é uma boa palavra para descrever o estado da obra do artista belo-horizontino: afinal, são raras as representações artísticas em que a deusa da Justiça está sentada. Mas este não é seu único detalhe simbólico.

Através dos séculos, a deusa romana Iustitia aparece em pinturas e esculturas com três componentes praticamente inseparáveis:  
a venda nos olhos (destacando a impessoalidade), a balança (fazendo referência à isonomia no tratamento das partes) e a espada (realçando a força para impor o direito sobre todos).

A escultura que simboliza o Judiciário brasileiro, porém, não possui balança - como se por lá não fosse necessário contrabalançar argumentos, sopesar direitos, medir consequências e equilibrar a teoria e a prática.

Há quem justifique a falta do instrumento afirmando que a nossa Justiça foi retratada após ter exercido o seu dever; logo, a balança já teria sido usada, e uma vez proferida a decisão, bastaria ter no colo a espada, para ser utilizada caso não a cumprissem. Ora, então não seria melhor que a Justiça estive como a deusa grega Thêmis, de olhos bem abertos para fiscalizar a aplicação de seus mandamentos?

Ceschiatti, um dos artistas recomendados por Oscar Niemeyer para ornamentar a nova capital, esculpiu “A Justiça” em 1961 num bloco monolítico de granito de 3,3 metros de altura e com linhas elegantes e econômicas - características que há bastante tempo passam longe do STF, rachado entre várias correntes e fomentando a irresponsabilidade fiscal.

Duas decisões recentes expõem como os ministros do Supremo Tribunal Federal fecham os olhos para a grave crise econômica que o país atravessa, deixam de equilibrar direitos e deveres e embainham a espada quando se trata de cortar os privilégios da própria magistratura.
Em 1º de dezembro a ministra Rosa Weber deferiu uma liminar determinando que a União deveria avalizar a um empréstimo de mais de US$ 400 milhões para investimentos do governo do Estado do Espírito Santo. Essa operação havia sido travada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que veda a concessão de garantias federais caso entes subnacionais estejam descumprindo os limites prudenciais de gastos com pessoal. No caso do Espírito Santo, era justamente o Poder Judiciário local quem estava gastando além da conta.
Alegando violação ao princípio da intranscendência - em outras palavras, um Poder não poderia ser punido por uma falha de outro - a ministra Rosa Weber esvaziou a LRF, acrescentou mais um ônus ao sobrecarregado Tesouro Nacional e não impôs nenhuma sanção ao Judiciário capixaba por inflar sua folha de pagamentos. Decisões como essa, aliás, são bastante frequentes nas últimas décadas, e podem ser apontadas como uma das causas para a baixa efetividade da LRF e pelo descontrole orçamentário na maioria dos Estados e municípios.

Pior ainda fez o plenário do STF na semana passada - não, eu não me refiro à decisão sobre a reeleição nas presidências da Câmara e do Senado. Com a exceção solitária do ministro Edson Fachin, que votou contra, a maioria dos ministros considerou inconstitucional parte das Emendas Constitucionais nº 41/2003 e 47/2005 que estabelecia que os juízes estaduais deveriam ter seus vencimentos limitados a 90,25% do que ganham os integrantes do STF.

Novamente, o STF valeu-se de princípios abstratos - no caso, da isonomia e da unidade da prestação judicial - para atropelar normas criadas para manter as contas públicas em dia e evitar distorções. E assim, juízes de todo o país, até mesmo os recém aprovados em concurso, estão definitivamente liberados a ganhar o mesmo que um membro da Suprema Corte. E é bom não esquecer que certamente a decisão terá efeito cascata sobre o Ministério Público e os Tribunais de Contas Brasil afora.

Essa última decisão tomada pelo STF partiu de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) movidas, respectivamente, pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages). A Constituição Brasileira de 1988 tornou-se uma das mais progressistas do mundo ao permitir que não apenas entidades políticas (como os chefes do Executivo, do Legislativo e do Ministério Público, além dos partidos políticos), mas até mesmo confederações sindicais e entidades de classe pudessem provocar o STF para, enquanto guardião da interpretação constitucional, se posicionar se uma lei, em abstrato, fere ou não a Carta Magna do país.

Como acontece com frequência por aqui, avanços logo se transformam em abusos. Ao permitir que entidades privadas tivessem acesso privilegiado às ações mais importantes de nosso sistema processual, o controle abstrato das normas tornou-se fonte concreta de benesses. Não é à toa que, desde 1988, a AMB figura como o grupo privado que mais acionou o Supremo para questionar a constitucionalidade de leis - foram 151 vezes, boa parte delas relativa à defesa dos interesses de seus associados. A Anamages, por sua vez, propôs outras 45 ADIs.

No porto de Ringkøbing, uma cidade com menos de 10 mil almas no centro da Dinamarca, encontra-se a escultura de um homem esquálido carregando nos ombros uma mulher bastante obesa. A mulher tem os olhos fechados e carrega nas mãos uma balança desequilibrada - desnecessário dizer a quem ela faz alusão.

Feita em bronze, com 3,5 metros de altura, “Sobrevivência do mais Gordo” (“Survival of the Fattest”) é uma obra dos artistas dinamarqueses Jens Galschiøt e Lars Calmar, inaugurada em 2002. Na sua base, há a seguinte inscrição:
Estou sentada nas costas de um homem. Ele está afundando sob o fardo. Eu faria qualquer coisa para ajudá-lo. Menos descer de suas costas”.

Nada mais exemplificativo sobre o Poder Judiciário brasileiro e a atuação de sua cúpula.

Bruno Carazza, Professor, mestre em Economia e doutor em Direito. É servidor público federal (licenciado) - Valor Econômico