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sábado, 3 de dezembro de 2022

Randolph Scott não merecia - Augusto Nunes

Revista Oeste

O pai do Randolfe dos chiliques quis homenagear o mocinho de faroeste 

Senador Randolfe Rodrigues | Foto: Alessandro Dantas/Flickr

Senador Randolfe Rodrigues | Foto: Alessandro Dantas/Flickr 

O senador Randolfe Rodrigues tem tanta intimidade com o futebol que, se alguém o levasse para ver um Fla-Flu no Maracanã, faria ao acompanhante a mesma pergunta que o marido da grã-fina ouvia nas crônicas de Nelson Rodrigues: “Quem é a bola?”. É compreensível que o representante do Amapá [só no título; o 'estridente' envergonha o estado que, desgraçadamente, o elegeu; o que aquele ser esganiçado representa sempre foi criar encrenca, com base em acusações infundadas, e sempre dar com a cara na m ...;  para envergonhar mais o estado que o prestigiou, resolveu representar agora o pior político que o Brasil já expeliu = o molusco eleito. ] tenha enxergado na Fifa um tribunal incumbido de enquadrar torcedores fascistas, sobretudo os que cometem atos antidemocráticos contra devotos da seita que tem num ladrão o seu único deus.

Fingindo-se inconformado com as agressões verbais sofridas no Catar por Gilberto Gil, Randolfe exigiu que a Fifa identificasse e punisse os autores do crime antes de encerrada a fase de grupos. [o 'estridente' chegou a cogitar fosse apresentada notícia crime ao STF - que ele conduziria como de hábito debaixo do suvaco - para que a  Fifa fosse intimada a identificar e punir os autores do episódio, sob pena de multa de  100.000/h, até cumprimento da suprema ordem.
Afinal, para aquele senador que considera que o Supremo pode tudo e mais alguma coisa, os limites territoriais - Qatar x Brasil -  não impedem que as decisões do STF alcancem qualquer parte do universo.] Alguém deve ter-lhe soprado que, com exceção de Alexandre de Moraes, os piores alunos de Direito aprendem que não existe crime sem lei anterior que o defina.  
 
O fato é que o senador enfim descobriu que cabe ao Legislativo, não ao Supremo Tribunal Federal, criar ou aposentar normas legais. E vai apresentar ao Congresso a figura jurídica do assédio ideológico
Se a invencionice for infiltrada no Código Penal, vai dar cadeia amolar ministros do Supremo numa rua de Nova Iorque ou artistas a caminho de um estádio. [no Brasil dos tempos atuais tudo é possível; alguém já imaginou que o senador Renan Calheiros se tornaria paladino na apresentação de projetos de punição de alguns crimes, especialmente os que possam facilitar a identificação e punição dos corruptos?]
 
Bastará invocar a Lei Randolfe, como foi corretamente batizado o besteirol. Ao concebê-la, o pai da ideia não pensava nos xingamentos que estragaram o feriadão dos superjuízes, nem nos insultos endereçados a Gil. 
Pensava na anônima brasileira que o interpelou sem rodeios num aeroporto. O sorriso confiante que enfeitou o início da curta troca de palavras denuncia o erro de avaliação: ele achou que seria cumprimentado pela participação num piquenique ecológico no Egito. Desconcertado com o tom inquisidor, sacou da garganta a réplica criada por Roberto Barroso e recitou-a cinco vezes: “Perdeu, mané!”.

Se a Lei Randolfe já estivesse em vigor, o viajante assediado faria o que faz desde que foi remetido ao Senado por eleitores do Amapá: pediria ajuda ao Supremo Tribunal Federal. 
Só neste ano, o único senador filiado à Rede Sustentabilidade encaminhou ao Pretório Excelso, em média, uma representação por semana. Em janeiro, o pedinte profissional solicitou a apuração de infrações administrativas praticadas por Augusto Aras, procurador-geral da República (janeiro). Nesta quinta-feira, reivindicou ao ministro Alexandre de Moraes a inclusão no inquérito das fake news da deputada federal Carla Zambelli e do pastor evangélico Silas Malafaia.

Entre o primeiro mês do ano e o começo do último, Randolfe pediu ao STF que investigasse a viagem do presidente Jair Bolsonaro à Rússia e verificasse se o governo Putin pretendia interferir no processo eleitoral brasileiro, que decretasse o impeachment do ministro da Educação, Milton Ribeiro, que castigasse Bolsonaro por ter-se reunido com embaixadores estrangeiros, que anulasse decisões tomadas pelo ministro da Justiça, Anderson Torres tudo somado, que deixasse claro que, embora a Constituição informe que os três Poderes são iguais e independentes entre si, o Judiciário é mais igual e, portanto, manda nos outros e no momento governa o Brasil.

Decididamente, nome não é destino. Quando o filho nasceu em Garanhuns, o sindicalista Januário Rodrigues resolveu homenagear o ator Randolph Scott, que estrelou dezenas de faroestes entre 1940 e 1960. O Randolph pernambucano virou Randolfe quando se tornou político no Amapá. 
Mas as semelhanças com o original americano nunca foram além do prenome. 
Para começo de conversa, Randolph Scott é sempre o mocinho da história. Randolfe Rodrigues só anda com bandidos.

O cowboy de Hollywood vivia travando combates solitários contra bandos de malfeitores ou hordas de navajos ou sioux.  

O assustadiço anti-herói de Macapá, na hora do perigo, esconde-se debaixo de togas. Randolph mandava chumbo. 
Randolfe manda representações ao STF e pedidos de socorro a pistoleiros amigos. 
As diferenças se tornam abissais quando se ouve e se contempla o homenageado e o que deveria ser uma homenagem.

Na tela, um homem com 1,90 metro e voz de tenor enuncia frases sensatas. No plenário do Senado, o xará miniaturizado prova de meia em meia hora que acessos de cólera não combinam com fala fina
Irônico, o destino castigou Randolfe com o timbre de castrato. 
Quando se irrita — e ele vive irritado —, o que se ouve não é o som da fúria. 
É o berreiro estridente que um chilique requer. E o que se vê não é o espetáculo da ira.  
É só um faniquito, tão assustador quanto o choro de bebê de colo.

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Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste