Oito investigados são indiciados em nova frente da
Operação Acrônimo; STJ decidirá indiciamento de governador
[a situação de Carolina de Oliveir,a mulher do governador Fernando Pimentel, vai ficar um pouco pior que a da mulher do Sérgio Cabral;
aviso ao senhor Mario Rosa: funcionário público não é só o que faz concurso público;
o artigo 327 do Código Penal define vários situações em que um individuo é considerado funcionário público.]
A Polícia
Federal indiciou oito pessoas e aguarda autorização do ministro Herman
Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para indiciar também o governador
de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), em uma das frentes da Operação
Acrônimo. O relatório final da PF sobre a investigação foi encaminhado ao
STJ e aponta que Pimentel atuou, junto com o ex-presidente do BNDES Luciano
Coutinho, para inviabilizar um financiamento do banco que possibilitaria a
fusão entre o Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour. Segundo a PF, o Grupo Casino,
interessado em barrar a fusão, pagou R$ 2,8 milhões a Carolina de Oliveira,
mulher de Pimentel, também indiciada neste inquérito.
O
indiciamento dos oito investigados foi antecipado pelo colunista Lauro Jardim na
edição do GLOBO deste domingo. No inquérito, a delegada Denisse Dias
Rosas Ribeiro, responsável pela investigação, diz que Pimentel atuou em 2011,
quando era ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) na gestão
de Dilma Rousseff, para impedir que o BNDES financiasse a fusão das redes de
varejo. O então ministro orientou o presidente do BNDES na ocasião, Luciano
Coutinho, a incluir uma cláusula que impedisse a ajuda financeira. Coutinho
também foi indiciado pela PF.
Segundo
os investigadores, Pimentel influenciou no financiamento para atender
interesses do Grupo Casino, que travava disputa comercial com o Grupo Pão de
Açúcar, do empresário Abílio Diniz. O relatório da PF diz que o Grupo Casino
contratou o consultor Mário Rosa — também indiciado na conclusão deste
inquérito — por cerca de R$ 8 milhões. Desse montante, cerca de R$ 2,8 milhões
foram repassados à primeira-dama de Minas Gerais, Caroline de Oliveira. "Todos
os indícios obtidos apontam que Fernando Pimentel, utilizando-se do seu cargo,
foi auxiliado por Luciano Coutinho com o escopo de atender a solicitação feita
pelo então Ministro do MDIC, para viabilizar a inserção da cláusula
condicionante de ausência de litígio no pedido de apoio financeiro apresentado
pelo empresário Abílio Diniz ao BNDES", escreveu a delegada Denisse
Ribeiro.
De acordo
com a Polícia Federal, o Grupo Casino assinou contrato com a empresa MR
Consultoria, de Mário Rosa, em 2011, cujo valor, somado aditivos, chegou a R$ 8
milhões. O primeiro pagamento à empresa de Mário Rosa ocorreu em 17 de novembro
de 2011. Segundo os investigadores, a empresa de Carolina, a OLI Comunicação,
começa a receber repasses da MR Consultoria em 24 de abril de 2012 — a PF
destaca que somente neste dia Carolina abriu uma conta corrente para sua
empresa, que havia sido criada seis meses antes, no dia 6 de outubro de 2011.
Ao todo, segundo a PF, foram seis cheques e 15 transferências bancárias (TED)
entre 2013 e 2014. Juntos, os repasses somaram R$ 2.803.606,69. O relatório da
Polícia Federal indica ainda que a empresa de Carolina não tinha capacidade
técnica e operativa para atuar.
Além de
Carolina de Oliveira, Luciano Coutinho e Mário Rosa, foram indiciados: Ulisses
Kameyama e Eduardo Vasconcelos Leonidas, ambos ex-executivos do Grupo Casino;
Marco Antonio Rezende, chefe da Casa Civil do estado; Paulo de Moura Ramos,
ex-secretário de Governo; e Otílio Prado, assessor especial na administração de
Pimentel.
As
investigações da Operação Acrônimo, iniciadas em maio de 2015, já resultaram em
três denúncias contra Fernando Pimentel. O governador é acusado de solicitar e
receber propina para favorecer interesses de empresas no ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) e no BNDES, subordinado à pasta.
Pimentel foi ministro do MDIC entre 2011 e 2014, na gestão de Dilma Rousseff.
As três denúncias imputam a Pimentel crimes como corrupção, lavagem de
dinheiro, falsidade de documento particular e tráfico de influência. Pimentel
teria atuado em benefício da montadora de automóveis Caoa, da Hyundai.
OUTRO
LADO
Mesmo não
tendo sido indiciado, o governador de Minas Gerais, também por meio de seu
advogado, Eugênio Pacelli, divulgou comunicado em que acusa a Polícia Federal
de impor o seu ponto de vista às investigações, à revelia do que dizem o
Ministério Público Federal:
"Relatórios
policiais indicam apenas o ponto de vista dessa autoridade. Não vinculam o MP.
É bom lembrar que o então PGR Janot arquivou inquérito no qual havia pedido
antes a prisão de três senadores. Na própria Acrônimo, a autoridade policial
representou pelo arquivamento de um dos inquéritos. O STJ, recentemente,
rejeitou denúncia contra Pimentel. Outro procedimento investigatório foi ali
também arquivado pelo Ministro Relator. O prato principal do cardápio
acusatório hoje é a existência de organização criminosa, em toda investigação
que lhe passa às mãos. O Governador repele veementemente esse imaginário
persecutório, que não se funda em fatos, mas em ilações e especulações. A
operação acrônimo se tornou anacrônica, do ponto de vista probatório. Sobram
deduções, faltam provas. Vender culpados hoje é tarefa das mais simples: a
opinião pública sempre quer comprar. Não importa separar inocentes de culpados.
Confiamos que a Justiça continuará fazendo essa distinção", escreveu o
advogado de Pimentel.
A
primeira-dama de Minas Gerais, Carolina de Oliveira, disse que se sente
indignada ao receber as conclusões da PF. Segundo ela, as acusações são
inverídicas e absurdas. Ela divulgou nota na qual diz que foi pressionada a
prestar depoimento quando estava no oitavo mês de gestação e sem acesso às
acusações. Disse, por fim, confiar que as acusações da PF serão rejeitadas pela
Justiça. "Aguardo
por esse desfecho desde o mês de maio de 2015 quando a autoridade policial foi
a minha casa e levou documentos formais da minha empresa. Naquele momento a
hipótese era outra. Com os meus documentos (notas fiscais e guias de
recolhimento de impostos) em mãos, os investigadores mudaram o foco e passaram
dois anos e cinco meses a procura de um crime e suas conexões com o poder
público que eu pudesse ter cometido. Não encontraram nada. Nenhuma evidência
das especulações que fizeram. Ao contrário, ignoraram deliberadamente as provas
documentais (e-mails, testemunhas e perícia contábeis) da minha defesa sobre os
períodos de contratação e a execução do serviço", diz trecho do comunicado
divulgado por Carolina.
Thiago
Bouza, advogado criminalista e responsável pela defesa de Carolina, disse, por
meio de nota, que a decisão da PF de indiciar a primeira-dama é uma tentativa
de manter em pé "uma investigação frágil e eivada de irregularidades".
Segundo ele, a PF ignorou provas dos autos e faz de tudo para incriminar sua
cliente. Em nota,
Luciano Coutinho disse que "as decisões tomadas por ele durante a
tentativa de fusão entre Carrefour e Pão de Açúcar estiveram dentro da mais
absoluta legalidade e lisura". Ele garantiu não ter recebido vantagem
decorrente do processo para financiamento da fusão, nem ter conhecimento de que
outra pessoa tenha recebido. Coutinho afirmou ainda que a cláusula contratual
citada pela PF não foi incluída por ele, mas por um comitê do BNDES:
"Trata-se cláusula usual e prudente em negócios de participação acionária
com potencial de litígio, o que naturalmente pode inviabilizar a
transação", escreveu.
O
secretário da Casa Civil e Relações Institucionais do governo de Minas Gerais,
Marco Antônio Rezende, disse que as acusações da Polícia Federal não procedem. O
advogado criminalista Estevão Melo, que defende o ex-sócio de Pimentel, Otílio
Prado, disse que prefere não se manifestar enquanto não tiver acesso ao
relatório da Polícia Federal.
Em nota,
o Grupo Casino classificou as conclusões da PF como equivocadas:
"O
Grupo Casino colaborou com as investigações durante todo o inquérito e se
declara surpreso com suas conclusões equivocadas. A oferta hostil de fusão do
Grupo Pão de Açúcar com o Carrefour foi à época amplamente rejeitada pelos
acionistas, pela mídia e pela opinião pública. O Grupo Casino continuará
colaborando e confia plenamente na Justiça brasileira", diz o texto
divulgado pelo grupo.
Em nota,
o consultor Mário Rosa disse que o contrato firmado com o Grupo Casino é
privado, foi registrado e teve impostos recolhidos. Afirmou ainda que não é
funcionário público e, por isso, não é possível que lhe imputem o crime de
corrupção passiva. Rosa declarou ainda ter firmado outro contato
"realizado rigorosamente nos mesmos moldes", sem que o inquérito
tenha apontado irregularidades:
"Reviraram
minha vida durante 29 meses. Nenhum delator me incriminou, nenhum problema
fiscal foi encontrado. Fui colocado no início das investigações na posição de
"cabeça de uma organizacao criminosa", com ramificações no BNDES,
embora jamais tenha estado lá, não conheça ninguem lá, jamais tenha ligado para
ninguem lá. Com base nessa premissa, fizeram duas dezenas de buscas e
apreensões a meu respeito. Não encontraram nada comprometedor. Dai, o inquérito
conclui agora que uma operação que previa uma derrama de bilhões de dólares do
BNDES nas mãos de um empresário — e que foi duramente atacada pela imprensa, a
oposição e o mercado durante duas semanas seguidas — não aconteceu por causa de
uma única pessoa: eu! Que comprovadamente não tinha contrato assinado, estava
fora do país no dia da decisão e estava sendo sondado pelos dois lados em
conflito. Tudo com mensagens eletrônicas que posso comprovar datas, pessoas e
locais. So assinei o contrato bem depois da decisão. Resultado final: o
inquérito concluiu que eu — que não sou funcionário público e que firmei um
contrato privado — fui alvo de corrupção PASSIVA de meu CONTRATANTE! Como se
sabe, essa é uma imputacao cabível a servidores públicos e não a agentes
privados. Firmei contato devidamente registrado, com impostos recolhidos e
ampla comprovação documental de serviços prestados. E mais um detalhe: um outro
contrato, realizado rigorosamente nos mesmos moldes, no mesmo valor anual, foi
considerado sem qualquer tipo de ilegalidade no mesmo inquérito. Estamos mesmo
em tempos estranhos", diz a nota de Mário Rosa.
O GLOBO
procurou os demais investigados, mas não recebeu respostas até o momento.