Opinião
Uso político e ciência praticada por meio de comunicados opacos em nada contribuem no combate à pandemia
Houve celebração em torno do resultado das pesquisas do Instituto Butantan com a CoronaVac, vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela chinesa Sinovac. Na teoria, trata-se de uma vacina barata (R$ 58,20 a dose), que não impõe maiores desafios logísticos e tende a despertar menos reações adversas. É também a primeira vacina com condição de ser aplicada rapidamente em escala nacional e de permitir que o Brasil tire o atraso na corrida da imunização.
Mas os resultados divulgados não esclarecem dúvidas essenciais sobre a eficácia e a distribuição. Tais incógnitas contribuem para obscurecer os resultados positivos. O Butantan divulgou apenas dois números: 78% de eficácia contra casos leves e moderados, 100% contra os graves. Depois da pressão, deixou escapar que, dos 12,4 mil profissionais de saúde voluntários dos testes, 218 haviam contraído a Covid-19. O governo paulista informou que só divulgaria os dados completos depois da análise da Anvisa, para onde encaminhou o pedido de uso emergencial.
Pode parecer mero exercício aritmético saber quantos doentes havia no grupo que tomou a vacina e quantos tomaram placebo. Mas a questão não termina aí. Toda pesquisa precisa fornecer informações detalhadas sobre eficácia e efeitos adversos em grupos sob maior risco e diferentes faixas etárias. Outras pesquisas foram bem mais transparentes nos dados publicados, mesmo que ainda não tivessem recebido o aval de publicações científicas. Foi o caso da AstraZeneca, cuja vacina será produzida aqui pela Fiocruz.
É importante entender os detalhes, pois os números podem enganar à primeira vista. Uma vacina 78% eficaz pode ser melhor que outra 95% eficaz, desde que, em virtude do custo e das características de distribuição, possa ser aplicada em escala maior. O importante para controlar a pandemia é o patamar de imunidade coletiva atingido com a vacinação, resultado não apenas da eficácia, mas do total de vacinados.
Em nada ajuda que a CoronaVac tenha se tornado foco do embate entre Jair Bolsonaro e João Doria. Depois da resistência inicial, o Ministério da Saúde encomendou 46 milhões de doses. Mas isso não encerrou a disputa. Doria quer iniciar a vacinação dia 25. O governo federal diz que não pode haver diferença no cronograma do país inteiro, mas ninguém conhece ainda detalhes do plano de vacinação.