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sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

As escolas ficarão fechadas até que apareça uma vacina contra vadiagem - Augusto Nunes

A idiotia epidêmica transformou ignorância em virtude

O segundo semestre de 2001, Silvio Santos teve uma ideia que certamente engordaria a pontuação do SBT no Ibope: apresentar um Show do Milhão com a participação exclusiva de políticos conhecidos nacionalmente. Reuniu a equipe responsável pela produção do programa e ordenou que fossem convidadas apenas figuras com fama de sabido, pose de primeiro da classe ou memória de elefante-africano. O senador piauiense Hugo Napoleão, por exemplo, sabia identificar de bate-pronto as bandeiras de todos os Estados brasileiros. Não podia ficar fora. O governador fluminense Anthony Garotinho sabia cantorias religiosas ignoradas por 99 em cada 100 devotos da igreja que frequentava. Outra presença obrigatória. E o internacional Paulo Maluf sabia o nome completo de todos os ibns e sauds da família real saudita. Com gente desse calibre, estava assegurado o sucesso do especial exibido na noite de 30 de dezembro.

“Espero que os telespectadores compreendam que eles são célebres, famosos, mas não são obrigados a saber tudo”, preveniu Silvio Santos antes de apresentar, uma a uma, as 12 sumidades em conhecimentos gerais que sorriam para o Brasil. Mas excluiu Maluf da advertência com a ressalva superlativa: “O doutor Paulo tem uma cabeça brilhante”. Desconfiou que havia exagerado quando o craque fugiu da primeira pergunta. “Na linguagem tupi, abaçaí é o mesmo que a) amigo do peito, b) abraço apertado, c) espírito maléfico ou d) fruta saborosa?” A opção certa era a C. Maluf caprichou no sorriso superior enquanto contornava a pedra no caminho.

Olha, eu confesso que a língua tupi não é bem o meu forte”, desconversou a estrela de um dos quatro grupos formados pelos candidatos. “E eu não posso prejudicar meus companheiros.” Foi socorrido pelo lembrete do apresentador — “Você pode pular” —, que o livrou da enrascada. “Vou pular, não quero prejudicar”, escapuliu Maluf. “Vai pular?”, estranhou Silvio Santos. “Vou pular”, confirmou o gênio de araque. “Próxima pergunta, valendo 20 mil reais”, foi em frente o apresentador. “Quem escreve a respeito da vida dos santos é conhecido como  
a) sacrário, b) hierônimo, c) santório ou d) hagiólogo?”.

A profecia de Nelson Rodrigues se cumpriu: os idiotas estavam por toda parte

Os telespectadores ficaram espantados: se aquele bando de marmanjos não precisava saber tudo, também não precisava saber tão pouco. Os convidados ficaram inquietos: se o naufrágio numa prova de conhecimentos elementares influenciasse a decisão do eleitorado, nenhum deles arranjaria emprego nas urnas de 2002. 

Fiquei impressionado com as cenas de imbecilidade explícita, mas consolei-me com a ostensiva decepção do público. Pelo visto, ainda aparecia mal no retrato gente que não soubesse o que sabe um aluno do jardim de infância com mais de dez neurônios. Não demoraria a descobrir que naquele Brasil redesenhado pela ascensão das cavalgaduras a ignorância deixara de ser defeito. Já começara a virar virtude, anunciou a chegada à Presidência da República de um analfabeto funcional que não aprendeu a escrever direito e nunca leu um livro da primeira linha ao ponto-final. Não por falta de chances, mas pela preguiça que sempre sobrou. Passados 13 anos, a profecia de Nelson Rodrigues se cumpriu: os idiotas estavam por toda parte.

Estudar e aprender tornaram-se verbos conjugados pela elite golpista, gente de olhos azuis irremediavelmente racista, misógina e homofóbica.  
Falar a linguagem culta é coisa de reacionário pedante. 
Para quem efetivamente ama os desvalidos, é pura música ouvi-los dizer “Nós pega os peixe”. Os democratas de abaixo-assinado controlam o orgasmo quando um favelado murmura “menas”.  
Num país desgovernado por cinco anos e meio pela nulidade que nunca disse coisa com coisa, nada tem de surpreendente a quarentena criminosa das escolas e universidades. Estudantes e mestres fariam um papelão num Show do Milhão, o Retorno. Isso se incontáveis professores se livrassem de uma doença rara: a exaustão provocada por excesso de descanso. Mas certos defeitos de fabricação não têm conserto. E não existe vacina para o vírus da vadiagem.

Leia também o artigo “O culto à ignorância”, de Selma Santa Cruz
 
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domingo, 30 de outubro de 2016

“Somos todos iguais. Ou mais iguais”

“Somos todos iguais. Ou mais iguais” e outras sete notas de Carlos Brickmann

Tão logo assumiu o poder, Temer aprovou um forte aumento para as 38 carreiras mais organizadas do serviço público. Custo total, R$ 170 bilhões

Nada de hesitações: o importante é combater a crise, com os sacrifícios que isso exige de todos. O Governo propôs emenda constitucional que limita os gastos do próprio Governo, e para aprová-la na Câmara promoveu dois luxuosos e caros banquetes, em palácio, para centenas de deputados. É bonito ver como o povo, unido, se articula para o duro embate.

Tão logo assumiu o poder, Temer aprovou um forte aumento para as 38 carreiras mais organizadas do serviço público. Custo total, R$ 170 bilhões. Estas carreiras já estão prontas pra enfrentar a crise. E aprovou outro aumento, de 47%, para outras carreiras bem organizadas, entre elas a Polícia Federal, no dia seguinte ao da aprovação do limite de gastos do Governo. O funcionalismo desses setores já está apto a enfrentar a crise.

O Governo é que ainda está atrapalhado: em setembro, seu déficit foi de R$ 25,3 bilhões – um recorde, quase o quádruplo de setembro do ano passado. Em 12 meses, o buraco federal já chegou a R$ 138 bilhões. E o orçamento prevê que, em dezembro, o rombo pode bater em R$ 170 bilhões – praticamente o custo daquele primeiro momento de generosidade oficial. Como é duro um Governo preparar seus servidores para a crise!
Os bancos se armaram para a crise jogando os juros ao alto. Cartões, 15,7% ao mês; cheque especial, 324% ao ano. E nós? Que quer, moleza? Ganhando menos na crise, temos é de trabalhar mais. Se houver emprego.

Questão de detalhes
A nova rodada de aumentos foi tão discreta que a líder do Governo no Congresso, senadora Rose de Freitas, de nada sabia. Era contra e decidiu deixar o cargo. A aprovação, por uma comissão da Câmara, ocorreu só oito horas após o plenário aceitar a emenda constitucional que impôs limites aos gastos oficiais. A tática era deixar o aumentão passar despercebido, sob a sombra da emenda. Nem isso deu certo. A base não chegou a rachar, mas muitos parlamentares se sentiram enganados. E vão cobrar.

O equilibrista
Temer deve escolher, para a liderança do Governo no Congresso, o senador Romero Jucá, do PMDB de Roraima. Jucá é um político de excelente trânsito em todas as áreas: foi presidente da Funai com Figueiredo, governador nomeado de Roraima com Sarney, ministro e vice-líder do Governo com Fernando Henrique, líder do Governo no Congresso com Lula e Dilma, ministro com Temer. Um político de convicções firmes: está sempre com o Governo. Se o Governo muda, problema do Governo.

Serra, Temer, Odebrecht
A delação premiada de Marcelo Odebrecht e de 80 dirigentes de suas empresas está marcada para o dia 8. Mas as informações já começaram a vazar. As mais explosivas se referem ao presidente Michel Temer e ao chanceler José Serra. Serra, o mais atingido pelos vazamentos, teria recebido R$ 23 milhões da Odebrecht, no Brasil e na Suíça, na campanha presidencial de 2010. Ao assinar a delação premiada, a Odebrecht entregaria os comprovantes dos depósitos no Brasil e no Exterior. Serra disse que “não vai se pronunciar sobre vazamentos de supostas delações relativas a doações feitas ao partido em sua campanha”.

Lula, o réu
O juiz Sérgio Moro marcou para 21 de novembro as primeiras audiências do processo contra Lula. Devem ser ouvidos, até o dia 25, Nestor Cerveró, Fernando Baiano, Paulo Roberto Costa, Delcídio do Amaral, Pedro Correia e Alberto Youssef. Depois, Moro deve ouvir Léo Pinheiro, ex-presidente da empreiteira OAS, sobre o triplex do Guarujá.

As preliminares estão pegando fogo: Lula decidiu abrir processo contra o delegado Felipe Hile Pace, da Polícia Federal, que o identificou como o “Amigo” citado nas  planilhas da Odebrecht. Pede indenização de R$ 100 mil. E insiste em afastar Moro, considerando-o parcial e, portanto, suspeito.

As novidades
Zeca Dirceu, filho de José Dirceu, e Antônio Palocci são agora réus.

Voa, dinheiro!
A Saudi Aramco, uma das maiores empresas petroleiras do mundo, controlada pela família real saudita, informou que um funcionário se envolveu em caso de corrupção com a Embraer. O caso ocorreu durante as negociações para a venda de três jatos EMB-170, em 2010. A Embraer não se manifestou sobre a acusação. O informe saudita não dá detalhes do caso.

Reformar sem reforma
Não leve a sério o noticiário sobre a reforma política, cuja discussão começa nos próximos dias. A reforma é necessária: as campanhas são caras demais, exigindo doações demais (e, depois, há a retribuição); há parlamentares demais; há partidos demais. Mas que parlamentar irá mudar o sistema pelo qual se elegeu? É onde sabe se mover. Mudar, jamais.

Fonte: Blog do Augusto Nunes - VEJA - Publicado na coluna de Carlos Brickmann