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sábado, 6 de agosto de 2022

A cartilha da toga - Revista Oeste

Augusto Nunes

Os ministros do Supremo têm certeza de que são sumidades em tudo

Desembarquei no Rio de Janeiro em dezembro de 1967 decidido a cumprir as quatro etapas do projeto que, enquanto estivesse em andamento, garantiria a mesada da família:  
- ser aprovado em fevereiro de 1968 no exame vestibular da Faculdade Nacional de Direito, tornar-me um bom aluno do curso que começaria em março, virar advogado no fim de 1972 e ingressar em 1973 no Instituto Rio Branco, que seleciona os candidatos a uma vaga no corpo diplomático do Itamaraty. Achei sensato esconder dos parentes a quinta fase do cronograma: sem escalas na embaixada no Gabão, sem estacionar num consulado na América do Sul, assumir o comando da representação brasileira na França e desfrutar das diferenças existentes entre Taquaritinga e Paris.

Luiz Fux, ministro do STF | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Luiz Fux, ministro do STF | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O plano desandou já no primeiro semestre de 1968, ainda no início da segunda etapa. Em vez de acampar nas salas de aula, passei a circular nos corredores da escola, ocupado com as tarefas de dirigente do movimento estudantil. Eleito 3º vice-presidente do Centro Acadêmico, troquei o Instituto Rio Branco pela Avenida Rio Branco, palco de passeatas quase diárias. Depois de arrastar-me até o fim do 2º ano, fui instado pelo diretor da Nacional a deixar o Rio. Perdi a mesada, a chance de virar doutor e, pior que tudo, a temporada em Paris. Em São Paulo, descobri que meu destino era o jornalismo. O que me consola é que mesmo um bacharel interrompido aprende verdades que, embora elementares, os atuais ministros do Supremo Tribunal Federal desconhecem (ou fingem desconhecer, o que dá na mesma).

Luiz Fux tornou-se um caso exemplar de homem sem dúvidas. 
Luís Roberto Barroso sempre foi
 
Até um calouro viciado em vadiagem conhece a frase latina Nullum crimen sine praevia lege”. (Em português: “Não há crime sem lei anterior que o defina”.) 
A Justiça brasileira é ainda mais precisa: se algo não figura entre os crimes prescritos pelos códigos, “não há crime nem pena”. 
Na quarta-feira, o ministro Luiz Fux mandou às favas a norma secular. Durante um sarau batizado de “Fake News e Liberdade de Expressão”, o presidente do STF afirmou que o País do Carnaval “coíbe frontalmente a prática, impondo sanções nas esferas criminal, eleitoral e cível”, apesar da inexistência de qualquer artigo, parágrafo ou inciso que considere criminosa a difusão de mentiras de cunho político.
 
Uma das minhas obsessões é o homem sem dúvidas, defeito de fabricação que o dispensa de reflexões e, portanto, de angústias ou remorsos. Nos dez minutos que precedem o sono dos normais, essas sumidades em tudo não perdem tempo com a recapitulação do que fizeram ao longo do dia
Podem ter atropelado os Dez Mandamentos, os sete pecados capitais e o Código Penal de A a Z, mas não reconhecem um único erro, um escasso equívoco. 
Podem ter garantido a pena máxima no Dia do Juízo Final, sem direito a recurso. Mas ressonam sem qualquer vestígio de culpa. Luiz Fux tornou-se um caso exemplar de homem sem dúvidas. Luís Roberto Barroso sempre foi.
 
Barroso tem certeza, por exemplo, de que é hora de endurecer a guerra na frente digital. “As plataformas acabam ampliando o Mal porque isso traz mais lucro”, disse ao lado de Fux o juiz que sonha com o controle das redes sociais.
Ambos se expressaram no tom de quem está acima da Constituição e dos demais Poderes. 
É esse o conteúdo que predomina, aliás, no livro Liberdades, que reúne artigos produzidos pelos 11 togados.  
Com uma agravante: na forma, a obra não é melhor que as composições à vista de uma gravura que escreviam nos tempos em que usavam calças curtas. É uma cartilha. É um Caminho Suave para capinhas.

DE OLHO NO SUPREMO
Depois de uma leitura ligeira de Liberdades, os encarregados da seção “De Olho no Supremo”, criada há duas semanas por esta coluna, aprovaram por unanimidade as seguintes decisões, imediatamente remetidas aos destinatários:
  1. O ministro Ricardo Lewandowski, autor do texto sobre o tema “Liberdade de Reunião”, tem 72 horas para descobrir qual destes assuntos vem sendo debatido por Geraldo Alckmin e Lula, em sucessivas reuniões, desde que os dois desafetos se tornaram amigos de infância e resolveram voltar de mãos dadas à cena do crime: o candidato a vice quer ajudar a provar que o Petrolão não existiu ou quer alguma participação nos lucros?

  1. O decano Gilmar Mendes deve esclarecer antes de mais uma viagem a Portugal se escolheu “Liberdade de Ir e Vir” como tema do seu artigo no livro para avisar que, a partir de agora, é crime hediondo vaiar um ministro do Supremo que estiver passeando de tênis em qualquer rua de Lisboa.
  1. O ministro Alexandre de Moraes precisa informar assim que concluir a leitura do livro se a proibição de comentar vínculos suspeitos entre o PT e o PCC também vale para a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, que resolveu ouvir Marcos Valério sobre vínculos suspeitos entre o PT e o PCC, ou se restringe a gente que apoia a candidatura à reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
  1. O presidente Luiz Fux tem de esclarecer, entre um discurso e uma live, se também os desfiles de escolares munidos de bandeirinhas, que tradicionalmente ocorrem no 7 de Setembro, serão considerados “manifestações golpistas”, “atos antidemocráticos” ou “ofensas graves ao Supremo Tribunal Federal”.       

Leia também “Os quatro Moraes”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

As escolas ficarão fechadas até que apareça uma vacina contra vadiagem - Augusto Nunes

A idiotia epidêmica transformou ignorância em virtude

O segundo semestre de 2001, Silvio Santos teve uma ideia que certamente engordaria a pontuação do SBT no Ibope: apresentar um Show do Milhão com a participação exclusiva de políticos conhecidos nacionalmente. Reuniu a equipe responsável pela produção do programa e ordenou que fossem convidadas apenas figuras com fama de sabido, pose de primeiro da classe ou memória de elefante-africano. O senador piauiense Hugo Napoleão, por exemplo, sabia identificar de bate-pronto as bandeiras de todos os Estados brasileiros. Não podia ficar fora. O governador fluminense Anthony Garotinho sabia cantorias religiosas ignoradas por 99 em cada 100 devotos da igreja que frequentava. Outra presença obrigatória. E o internacional Paulo Maluf sabia o nome completo de todos os ibns e sauds da família real saudita. Com gente desse calibre, estava assegurado o sucesso do especial exibido na noite de 30 de dezembro.

“Espero que os telespectadores compreendam que eles são célebres, famosos, mas não são obrigados a saber tudo”, preveniu Silvio Santos antes de apresentar, uma a uma, as 12 sumidades em conhecimentos gerais que sorriam para o Brasil. Mas excluiu Maluf da advertência com a ressalva superlativa: “O doutor Paulo tem uma cabeça brilhante”. Desconfiou que havia exagerado quando o craque fugiu da primeira pergunta. “Na linguagem tupi, abaçaí é o mesmo que a) amigo do peito, b) abraço apertado, c) espírito maléfico ou d) fruta saborosa?” A opção certa era a C. Maluf caprichou no sorriso superior enquanto contornava a pedra no caminho.

Olha, eu confesso que a língua tupi não é bem o meu forte”, desconversou a estrela de um dos quatro grupos formados pelos candidatos. “E eu não posso prejudicar meus companheiros.” Foi socorrido pelo lembrete do apresentador — “Você pode pular” —, que o livrou da enrascada. “Vou pular, não quero prejudicar”, escapuliu Maluf. “Vai pular?”, estranhou Silvio Santos. “Vou pular”, confirmou o gênio de araque. “Próxima pergunta, valendo 20 mil reais”, foi em frente o apresentador. “Quem escreve a respeito da vida dos santos é conhecido como  
a) sacrário, b) hierônimo, c) santório ou d) hagiólogo?”.

A profecia de Nelson Rodrigues se cumpriu: os idiotas estavam por toda parte

Os telespectadores ficaram espantados: se aquele bando de marmanjos não precisava saber tudo, também não precisava saber tão pouco. Os convidados ficaram inquietos: se o naufrágio numa prova de conhecimentos elementares influenciasse a decisão do eleitorado, nenhum deles arranjaria emprego nas urnas de 2002. 

Fiquei impressionado com as cenas de imbecilidade explícita, mas consolei-me com a ostensiva decepção do público. Pelo visto, ainda aparecia mal no retrato gente que não soubesse o que sabe um aluno do jardim de infância com mais de dez neurônios. Não demoraria a descobrir que naquele Brasil redesenhado pela ascensão das cavalgaduras a ignorância deixara de ser defeito. Já começara a virar virtude, anunciou a chegada à Presidência da República de um analfabeto funcional que não aprendeu a escrever direito e nunca leu um livro da primeira linha ao ponto-final. Não por falta de chances, mas pela preguiça que sempre sobrou. Passados 13 anos, a profecia de Nelson Rodrigues se cumpriu: os idiotas estavam por toda parte.

Estudar e aprender tornaram-se verbos conjugados pela elite golpista, gente de olhos azuis irremediavelmente racista, misógina e homofóbica.  
Falar a linguagem culta é coisa de reacionário pedante. 
Para quem efetivamente ama os desvalidos, é pura música ouvi-los dizer “Nós pega os peixe”. Os democratas de abaixo-assinado controlam o orgasmo quando um favelado murmura “menas”.  
Num país desgovernado por cinco anos e meio pela nulidade que nunca disse coisa com coisa, nada tem de surpreendente a quarentena criminosa das escolas e universidades. Estudantes e mestres fariam um papelão num Show do Milhão, o Retorno. Isso se incontáveis professores se livrassem de uma doença rara: a exaustão provocada por excesso de descanso. Mas certos defeitos de fabricação não têm conserto. E não existe vacina para o vírus da vadiagem.

Leia também o artigo “O culto à ignorância”, de Selma Santa Cruz
 
 Revista Oeste - MATÉRIA COMPLETA
 
 
 

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Reflexões sobre o desemprego - Almir Pazzianotto Pinto

O Estado de S.Paulo

Real, cruel e diário, esse pesadelo exige providências enérgicas, objetivas, imediatas

Domenico de Masi, sociólogo italiano, teria adotado como leme de vida a frase “o homem que trabalha perde tempo precioso” (O Ócio Criativo, Ed. Sextante, RJ, 2000). Trabalhar seria apenas “um vício recente”, escreveu em O Futuro do Trabalho (Ed. UnB, Brasília, DF, 1999). Temos, portanto, quase 13 milhões de viciados na ociosidade e à procura de inexistente emprego. Computados diaristas, ambulantes, desalentados e desocupados o número dos sem emprego atinge algo em torno de 25 milhões.

Diferente do que apregoa Domenico de Masi, trabalhar é essencial para o ser humano. Não é vício, mas virtude. É com o trabalho diário e o suor do rosto que homens e mulheres adquirem dignidade, conquistam respeito, conseguem meios lícitos de subsistência e dão conta das obrigações com a sociedade. Trata-se de dever social. A laborfobia, ou vadiagem, é contravenção penal e moléstia contagiosa, caracterizada pela dedicação ao ócio, condenando o doente ao desprezo das pessoas de bem. Quais as razões do desemprego? Sem diagnóstico correto é impossível prescrever a boa medicação. Nas décadas de 1940 e 1950 o mercado interno se expandiu, acelerado por elevadas taxas anuais de crescimento econômico. A implantação da indústria automobilística, nos anos de 1960, libertou-o de quase completa dependência da agricultura, do setor de fiação e tecelagem e da construção civil. 

Tornou-se intensa a procura por torneiros mecânicos, funileiros, ferramenteiros, ajustadores, desenhistas industriais, eletricistas, pedreiros, auxiliares de serviços gerais, afiadores de ferramentas, soldadores, projetistas, pintores, inspetores de esmaltação. A revista Veja, em reportagem publicada na edição de 19/12/1973, sob o título Onde está a mão-de-obra?, alude “à discreta guerra entre empregadores com o objetivo de preencher cargos vagos”. “Em matéria de emprego, a situação está boa para o trabalhador”, declarava Rubens Teodoro de Arruda, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, responsável pela “bolsa de emprego”.

Com o mercado em expansão, aumentava o poder aquisitivo das classes trabalhadoras. Vendas a prestações e reajustamentos salariais que acompanhavam os índices de aumento do custo de vida estimulavam o crescimento de próspero comércio varejista. São Paulo tornou-se a cidade que não parava de crescer. Novos polos industriais surgiam em localidades como Campinas, Jundiaí, Guarulhos, Osasco, Limeira, Diadema. O dinheiro girava em alta velocidade e uma nova classe média ambicionava adquirir casa ou apartamento, geladeira, fogão a gás, máquina de lavar roupa, automóvel. O período de euforia começou a dar demonstração de desaquecimento nos primeiros anos da década de 1980. A derrubada das grades do Palácio dos Bandeirantes, em abril de 1983, foi obra de milhares de desempregados da zona sul de São Paulo que exigiam do governador Franco Montoro a criação de empregos inexistentes.

A globalização, definida pelo professor Ernesto Lozardo como “a oferta global de bens, serviços e capital financeiro e a demanda social global ao acesso a essa oferta existente” (Globalização, Ed. do Autor, 2007, pág. 37), chegou e nos invadiu sem pedir permissão. Trouxe consigo a informatização, a robotização e automação e penetrou na economia com resultados devastadores para o mercado de trabalho. São fenômenos que independem da nossa vontade e fora do nosso controle. Indústrias ineficientes, deficitárias, e ultrapassados ofícios e profissões desapareceram, comprovando a ineficácia da Constituição, da legislação trabalhista, da jurisprudência tutelar como ferramentas de proteção contra o desemprego. Impotentes diante de fatores externos, as esperanças repousam na capacidade de tomar medidas internas capazes de atraírem investimentos para setores de intensa utilização de mão de obra.

Ninguém arrisca dinheiro senão com o objetivo de realizar lucro. Se for bem-sucedido, o emprego provavelmente virá, mas como efeito colateral. Para havê-los em número suficiente, além da estabilidade do tripé econômico, composto por inflação controlada, superávit primário e taxa de câmbio flexível, é fundamental que se estabeleça um clima de segurança jurídica nas relações entre patrões e empregados. As cláusulas do contrato de trabalho, celebrado na forma da lei por pessoas capazes, com objeto lícito, devem ser sagradas para ambas as partes.

A contínua judicialização das relações de emprego impulsiona a substituição de mulheres e homens por ferramentas inteligentes. “O progresso de um país, seja ele pobre ou rico, não se constrói numa ilha de fantasias idealizada por economistas e filósofos”, escreveu Ernesto Lozardo. O Estado de bem-estar social, projetado pela Constituição, integra o espaço da fantasia. O desemprego, porém, é real, cruel e diário. Está presente, como pesadelo, na consciência do desempregado. Humilhado pela incapacidade de encontrar trabalho remunerador, o homem honrado transmite a frustração, o sofrimento e o desespero à família desamparada.

Desemprego rejeita medidas de longo prazo. Exige providências enérgicas, objetivas, imediatas. A reforma trabalhista não surtiu os efeitos previstos. Ficou na promessa. A reforma da Previdência cumprirá longa etapa de maturação até trazer os primeiros resultados. A anunciada reforma tributária, como de hábito, aumentará a carga que sobrecarrega o lombo do contribuinte. O capitão Jair Bolsonaro foi eleito como garantia de mudanças. Prometeu ser diferente dos governos anteriores. Não haveria fisiologia, nepotismo, o “toma lá dá cá”. Gastos sete meses de mandato, nuvens carregadas surgem no horizonte. Impossível prever se trarão chuvas criadeiras ou se anunciam funestos temporais.

  Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi  ministro do Trabalho e presidente do TST - O Estado de S. Paulo