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sábado, 26 de agosto de 2023

“Eles podem fazer isso?” - Gazeta do Povo

Luciano Trigo - VOZES

Uma análise cristalina do STF

“Provavelmente acabaram de aparecer no noticiário ou no feed das redes sociais que você costuma usar. Tomaram alguma decisão de grande impacto, suspendendo uma lei ou uma medida do governo; determinaram medidas coercitivas contra lideranças políticas relevantes e/ou se encontraram com estas para discutir reformas legislativas; falaram à imprensa sobre temas da conjuntura (...); ou, em suas redes sociais, usaram suas contas pessoais para dar declarações bombásticas ou falar de amenidades da cultura ou do esporte. Isso é normal em uma democracia?”

O leitor não deve ter dificuldade para identificar o sujeito oculto do texto acima, transcrito do recém-lançado livro O Supremo – Entre o Direito e a política (História Real, 2023), do pesquisador e professor de Direito Constitucional Diego Werneck Arguelhes: os ministros do STF. Nem para responder à pergunta no final do parágrafo: normal não deveria ser. Mas é o que acontece quase que diariamente na democracia relativa em que estamos nos acostumando a viver.

Arguelhes, professor associado do Insper São Paulo e pesquisador sênior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, faz uma análise sóbria e equilibrada da atuação do STF nos últimos anos. Sem estardalhaço, reflete sobre a instituição com base na exposição objetiva de episódios controversos da História recente nos quais o Supremo teve um comportamento atípico. Vou transcrever diversos trechos do livro ao longo deste artigo, tão cristalinos que dispensam comentários.

Segundo o autor, a posição de centralidade que o STF ocupa hoje na vida do país, a ampliação de seus poderes e o protagonismo crescente de seus ministros configuram uma situação inédita, que sequer poderia ser imaginada 20 anos atrás: “Acompanhar a política brasileira hoje é falar do Supremo e de seus ministros”, escreve.

Arguelhes chama a atenção para uma percepção generalizada: segundo afirma, a profusão de decisões monocráticas, o desrespeito às normas de funcionamento do próprio tribunal e o caráter cada vez mais político das manifestações de seus membros – dentro e fora dos autos – são alguns dos fatores que, aspas, “despertam cada vez mais suspeitas quanto à motivação de seus integrantes” e provocam a impressão de que “o que ocorre ali é política, não Direito”.

De fato, a impressão do cidadão comum é que o STF, que deveria ser um espaço no qual se aplica a Constituição sem interferência da política, se torna, nas palavras do autor, uma “arena política como qualquer outra, em que apenas se disputa e se exerce poder”.

O título do capítulo 1 sintetiza a reação e o sentimento de uma parcela significativa da sociedade diante de algumas atitudes do Supremo: “Eles podem fazer isso?”. O problema é que, no final das contas, são os próprios ministros do STF os únicos que podem responder à pergunta, e a resposta invariavelmente é: “Sim, podemos fazer isso”.

Ou seja, cabe exclusivamente ao Supremo decidir se o Supremo está passando dos limites – ou mesmo se o Supremo tem algum limite. É um fenômeno ilustrado exemplarmente pelo famoso “Inquérito das fake news”, que o autor resume assim:

“Em 2019, o então presidente , Dias Toffoli, anunciou uma nova e forçada interpretação do regimento interno do tribunal para dizer que, em crimes cometidos por meios virtuais contra a honra e a segurança dos próprios ministros do STF, poderia ser adotado um procedimento substantivamente diferente da praxe prevalente até então. Primeiro, o ministro presidente poderia iniciar um inquérito criminal por conta própria – sem pedido do Ministério Público ou da polícia. Segundo, esse inquérito começaria  acorrer diretamente no próprio STF, e não na primeira instância, como é a regra quando qualquer autoridade pública – até mesmo o presidente da República – é vítima de um crime. Terceiro, seria presidido por outro ministro escolhido pelo presidente, em vez de um relator aleatoriamente sorteado, como acontece, em geral, com processos novos no STF. No caso, Toffoli indiciou o colega Alexandre de Moraes para presidir o inquérito (...) Eles podiam ter feito isso?"

“Sem essa dupla barreira – o legislador não pode ser juiz e o juiz não pode ser legislador – a própria ideia de Estado de Direito deixa de fazer sentido. Viveríamos em um mundo no qual o que conta é a pura vontade de quem está no poder”

“Nesse e em outros inquéritos relacionados, Moraes tirou do ar o site de um veículo jornalístico, suspendeu perfis de pessoas em redes sociais, determinou que o Executivo não poderia alterar a composição de certas equipes da Polícia Federal, suspendeu políticos de seus cargos, autorizou operações policiais sem ouvir previamente o Ministério Público e determinou a abertura de novos inquéritos mesmo quando o Ministério Público pedia o arquivamento. (...) No pequeno conjunto de vezes em que houve apreciação coletiva das medidas individuais de Moraes, a resposta do Supremo foi: ‘Sim, ele podia ter feito isso’”.

O autor vai além:

“...é também necessário que o juiz não possa decidir como se fosse legislador, simplesmente imaginando que soluções criaria se tivesse o poder para resolver como bem quisesse, a despeito das leis existentes, as questões que tem diante de si. Sem essa dupla barreira – o legislador não pode ser juiz e o juiz não pode ser legislador – a própria ideia de Estado de Direito deixa de fazer sentido. Viveríamos em um mundo no qual o que conta é a pura vontade de quem está no poder – seja um legislador-juiz, seja um juiz-legislador.”

Por fim, Arguelhes enfatiza que o Supremo desempenha, obviamente, um papel importante na democracia, mas... “com disfunções de desenho e de comportamento de seus integrantes que vêm erodindo aos poucos sua legitimidade enquanto tribunal". E conclui: "Seria um equívoco grave imaginar que uma instituição que, em boa parte, se justifica por sua função de frear abusos cometidos por outros poderes, não deveria ser constantemente monitorada e aperfeiçoada para evitar abusos cometidos por ela própria”.

sábado, 8 de maio de 2021

Covid-19: como as duas maiores cidades sem mortes enfrentaram a doença

Em Bonito de Minas, maior município sem óbitos, estratégia inclui testagem de quem teve contato com infectado, ação contra fake news e até 'fiscal de fila'

Em todo o país, menos de cem municípios seguem sem óbitos pelo novo coronavírus a imensa maioria com menos de 4.000 habitantes. VEJA fez um cruzamento entre os dados mantidos pela plataforma Brasil.io, que consolida os números dos boletins epidemiológicos emitidos pelos estados, dados divulgados pelas prefeituras e do IBGE e confirmou que todas as cidades brasileiras com mais de 10 mil habitantes já tiveram ao menos uma morte por Covid-19.

Há apenas uma exceção: Bonito de Minas, pacata cidade no norte mineiro, encravada na divisa com a Bahia, a 210 km de Montes Claros. É verdade que o fato de ao menos 70% da população de pouco mais de 11.000 pessoas ser rural atenua a propagação do vírus, mas a lição de casa foi feita desde o início. Até hoje, não houve casos graves e nenhum paciente precisou ser internado. Tudo isso só foi possível porque a administração local conseguiu envolver os cidadãos e fez ouvidos moucos a qualquer tipo de negacionismo.

As estratégias são diversas e não envolvem apenas profissionais da saúde. No coração de todo o plano, está um comitê interdisciplinar que discute medidas de prevenção quase diariamente. A cidade é dividida por cinco zonas e tem equipes de profissionais de saúde que fazem visitas aos domicílios. Aproveitam o ensejo e conscientizam as famílias.

Como contenção, assim que um caso é confirmado, todas as pessoas que tiveram contato com o infectado são isoladas, testadas e monitoradas com lupa. A cidade tem três Unidades Básicas de Saúde — na sede e duas na zona rural. Mas todos os casos de síndromes virais vão para um único comitê habilitado a agir nos casos de Covid-19. Bonito de Minas registrou 47 casos desde o início da pandemia e já vacinou 1.915 habitantes com a primeira dose e 634 com as duas doses.

'Fiscal de fila’

Se houver alta no contágio, Bonito de Minas fecha o comércio. Nos primeiros dias do mês, quando é comum a população rural ir à sede do município e os bancos ficam mais cheios, uma espécie de “fiscal de fila” acompanha o movimento e se certifica de que o distanciamento é seguido à risca. São quatorze deles, que também percorrem os estabelecimentos – mais com o objetivo de conscientizar do que de punir. Aos poucos, a população identificou esses cuidados e incorporou-os à sua própria 
dinâmica. “Aqui a gente está conseguindo envolver a sociedade e isso é um diferencial”, afirmou a prefeita Vânia Carneiro (Avante).


Outro plano envolve o âmbito da comunicação, com o uso das redes sociais, principalmente o Instagram, e um feed com linguagem despachada, com direito a expressões bem mineiras: “Inventa moda, não. Fique em casa”, “Não aglomera não, trem” e “Uai sô, fica em casa”. Tudo isso tem um objetivo específico. “A população idosa daqui já tem o hábito de ficar mais em casa. Então, a gente precisava conscientizar os jovens. O importante era mobilizar mais o neto do que o avô”, conta Gabriella Viana, de 17 anos, que integra o grupo de três pessoas que cuida do marketing.

A equipe “se infiltrou” em g rupos de moradores no WhatsApp — comum em cidades do interior, o município também tem o grupo “Carona Bonito de Minas”, de igrejas, etc. Lá, colocam boletins e desfazem fake news. A prefeitura também criou um WhatsApp para receber denúncias de aglomerações e conta com o apoio da Polícia Militar para checá-las e contê-las se for, eventualmente, o caso. “A população está vigiando a população”, diz a secretária de Saúde, Lilian Xavier. 

Massapê do Piauí

Distante 320 km da capital Teresina, Massapê do Piauí tem pouco mais de 6.000 habitantes e faz parte da seleta lista de menos de 100 municípios brasileiros sem registro de mortes por Covid-19. Até o momento, 218 casos da doença foram confirmados. O  novo coronavírus mal havia sido registrado no país e a cidade já adotou medidas de proteção. As autoridades foram à rádio local alertar a população de que não havia motivos para pânico, mas que cuidados precisariam ser tomados daquele fatídico mês de março em diante. Houve a suspensão das atividades comerciais não essenciais, a proibição da entrada de veículos de transporte coletivo intermunicipal de passageiros e a realização de eventos e de reuniões de qualquer natureza. Quem viesse de fora, mesmo não apresentando sintomas, deveria permanecer em quarentena por sete dias.

Atendimentos que não eram de urgência também foram paralisados inicialmente. Os decretos foram reeditados a cada vez que a situação perigava degringolar. A Polícia Militar participou de uma mobilização preventiva, percorrendo a cidade e as comunidades rurais, orientando a população a se dispersarem. Até carro de som foi usado para falar sobre as medidas de prevenção, e máscaras também foram distribuídas para a população.

Assim como ocorreu Brasil afora, Massapê do Piauí viu as ocorrências de Covid-19 aumentarem em março deste ano. Depois de chegar a zerar os casos ativos, 19 pessoas foram infectadas. Diante desse cenário, a prefeitura proibiu até mesmo o acesso aos rios, lagoas e barragens situadas no município. Quando um caso é detectado em um povoado, por exemplo, é realizada uma ação de busca ativa, com a testagem das pessoas que tiveram contato com quem foi infectado.

Radar - VEJA  - Brasil