A chamada “Prova Diabólica” (“Probatio Diabolica” ou “Devil’s
Proof”), fazendo-se referência a uma categoria de prova impossível ou
descomedidamente difícil de ser levada a cabo, tem como exemplo maior a
prova de fato negativo. [1]
O
fato negativo é em geral impossível de ser provado.
A ele se pode
chegar, no máximo, por uma dedução lógica, mas é sabido que a lógica é
apenas um grande esquema do pensamento humano e não prova coisa alguma.
É
possível elaborar um silogismo considerado logicamente “válido”, sendo
suas premissas verdadeiras e sua conclusão falsa.
Por isso uma das
orientações básicas no estudo da lógica diz respeito à necessidade de
saber distinguir entre “verdade e validade”.
Enquanto
“a verdade tem a ver com o assunto do silogismo”, seu conteúdo;
“a validade tem a ver com a forma do silogismo”. Assim,
um argumento pode ser válido e não ser verdadeiro,
r
azão pela qual pela via estritamente lógica não se provam fatos,
somente por meio da dialética e do conhecimento por presença ou
experiência.
[2] Um exemplo simples:
Félix é capaz de falar.
Félix é um gato.
Portanto, gatos podem falar.
Em um raciocínio indutivo, poder-se-ia considerar o silogismo acima como válido, mas será que o poderíamos considerar como verdadeiro tão somente com base em sua validade lógico – formal? É evidente que não.
Dessa
maneira se afirmo que nunca comi abóbora não posso propriamente provar
isso diretamente.
Mesmo que apresente milhares de testemunhas que nunca
me viram comendo abóbora, mesmo que apresente minhas compras de mercado
nas quais não exista o item em discussão.
Faça o que fizer, pode até ser
crível que não tenha comido abóbora nunca, se alguém confia em minha
palavra, mas o fato negativo não está provado. Posso ter comido abóbora
em uma circunstância não presenciada por ninguém e nem objeto de
documentação alguma.
Ora, se a prova de “fato negativo” é
inviável em algo tão simples, o que dizer das exigências para a
aceitação da prova de um fato no âmbito jurídico?
Mas este texto
tem sua motivação na possibilidade de que alguém aponte como exceção da
impossibilidade de comprovação de fatos negativos o chamado “álibi”.
A
palavra “álibi” tem origem etimológica latina com o significado de “em
outro lugar”. No campo jurídico pode ser o “álibi” conceituado como um
“argumento de defesa, pelo qual o acusado prova encontrar-se em lugar
diverso daquele onde se deu o evento delituoso”. [3]
O álibi pode aparentar ser uma prova de fato negativo porque consiste em tornar certo que o suspeito não estava no local do crime quando do seu cometimento (“negativa loci”).
Acontece
que, em primeiro lugar, o álibi não é capaz de afastar completamente a
responsabilidade penal de alguém.
Com ele somente se comprova que a
pessoa não estava no local do crime quando da sua ocorrência, mas não
que não tenha, de qualquer forma, contribuído para ele na condição de
partícipe ou mesmo com o domínio do fato de forma indireta (v.g. o
mandante de um homicídio que sai da cidade enquanto o executor, sob suas
ordens, ceifa a vida da vítima; o mentor de um furto que não acompanha a
execução da subtração, estando em outro lugar nesse momento).
Além
dessa precariedade do álibi como prova de inocência, é preciso atentar
que em verdade o que se prova é um “fato positivo”, qual seja, que a
pessoa “estava” em outro lugar na hora do cometimento da infração
investigada. É por meio dessa prova de “fato positivo” que se chega, por
derivação lógica, à conclusão de que “não estava” o suspeito no local e
hora do crime. Isso porque se estava num local em dado horário, não
poderia estar em outro concomitantemente.
Isso infringiria o “Princípio
da Não – Contradição” que estatui que algo não pode ser e não ser ao
mesmo tempo. No caso não é possível estar num local e não estar nesse
mesmo local no mesmo horário e dia, porque estava em outro. Sabe-se por
experiência de intuição direta que fenômenos como a bilocação ou a
onipresença são atributos de santos e de deuses.
A prova que se produz é
do “fato positivo” (estar em dado lugar naquele horário e dia) e não do
“fato negativo” (não estar em dado lugar naquele horário e dia), este
segundo se deduz logicamente, mas não é objeto de prova.
No álibi há prova de um “fato positivo” da qual apenas deriva,
não uma prova, mas uma dedução lógica de um “fato negativo” contraposto
pelo “Princípio da Não – Contradição”.
Não há prova direta de “fato
negativo” no álibi.
Por isso, no emprego do álibi como
estratégia defensiva não basta a mera alegação de que não estava no
local, mas há necessidade de comprovar, não o “não estar”, mas o “estar
em outro local”.
Faria papel ridículo o defensor que arrolasse várias
testemunhas para dizerem que não viram o acusado no local dos fatos,
enquanto este é reconhecido pela vítima, outras testemunhas, coautores,
fotos, filmagens etc. Prova-se o álibi, por exemplo, por meio de
testemunhas que estavam com o suspeito em outro local, de filmagens que o
mostram ali, de registros de ponto em local de trabalho, de passagens
de transportes coletivos (avião, ônibus etc.), de tickets de pedágio, de
comprovações de hospedagens, participação em eventos distantes etc.
Nenhuma dessas provas é de “fato negativo” e sim “positivo”.
O “fato
negativo” somente surge de forma logicamente derivada, não propriamente
provada.
É, portanto, lícito concluir que o álibi não é uma exceção à natureza impossível ou “diabólica” da prova de “fato negativo”.
Jusbrasil
Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette