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terça-feira, 18 de julho de 2023

Álibi e Prova de Fato Negativo - Eduardo Luiz Santos Cabette

A chamada “Prova Diabólica” (“Probatio Diabolica” ou “Devil’s Proof”), fazendo-se referência a uma categoria de prova impossível ou descomedidamente difícil de ser levada a cabo, tem como exemplo maior a prova de fato negativo. [1]

O fato negativo é em geral impossível de ser provado. 
A ele se pode chegar, no máximo, por uma dedução lógica, mas é sabido que a lógica é apenas um grande esquema do pensamento humano e não prova coisa alguma. 
É possível elaborar um silogismo considerado logicamente “válido”, sendo suas premissas verdadeiras e sua conclusão falsa. 
Por isso uma das orientações básicas no estudo da lógica diz respeito à necessidade de saber distinguir entre “verdade e validade”.  
Enquanto “a verdade tem a ver com o assunto do silogismo”, seu conteúdo; “a validade tem a ver com a forma do silogismo”. Assim, um argumento pode ser válido e não ser verdadeiro, razão pela qual pela via estritamente lógica não se provam fatos, somente por meio da dialética e do conhecimento por presença ou experiência. [2]
Um exemplo simples:
Félix é capaz de falar.
Félix é um gato.
Portanto, gatos podem falar.

Em um raciocínio indutivo, poder-se-ia considerar o silogismo acima como válido, mas será que o poderíamos considerar como verdadeiro tão somente com base em sua validade lógico – formal? É evidente que não.

Dessa maneira se afirmo que nunca comi abóbora não posso propriamente provar isso diretamente
Mesmo que apresente milhares de testemunhas que nunca me viram comendo abóbora, mesmo que apresente minhas compras de mercado nas quais não exista o item em discussão. 
Faça o que fizer, pode até ser crível que não tenha comido abóbora nunca, se alguém confia em minha palavra, mas o fato negativo não está provado. Posso ter comido abóbora em uma circunstância não presenciada por ninguém e nem objeto de documentação alguma.

Ora, se a prova de “fato negativo” é inviável em algo tão simples, o que dizer das exigências para a aceitação da prova de um fato no âmbito jurídico?

Mas este texto tem sua motivação na possibilidade de que alguém aponte como exceção da impossibilidade de comprovação de fatos negativos o chamado “álibi”.

A palavra “álibi” tem origem etimológica latina com o significado de “em outro lugar”. No campo jurídico pode ser o “álibi” conceituado como um “argumento de defesa, pelo qual o acusado prova encontrar-se em lugar diverso daquele onde se deu o evento delituoso”. [3]

O álibi pode aparentar ser uma prova de fato negativo porque consiste em tornar certo que o suspeito não estava no local do crime quando do seu cometimento (“negativa loci”).

Acontece que, em primeiro lugar, o álibi não é capaz de afastar completamente a responsabilidade penal de alguém. 
Com ele somente se comprova que a pessoa não estava no local do crime quando da sua ocorrência, mas não que não tenha, de qualquer forma, contribuído para ele na condição de partícipe ou mesmo com o domínio do fato de forma indireta (v.g. o mandante de um homicídio que sai da cidade enquanto o executor, sob suas ordens, ceifa a vida da vítima; o mentor de um furto que não acompanha a execução da subtração, estando em outro lugar nesse momento).
 
Além dessa precariedade do álibi como prova de inocência, é preciso atentar que em verdade o que se prova é um “fato positivo”, qual seja, que a pessoa “estava” em outro lugar na hora do cometimento da infração investigada. É por meio dessa prova de “fato positivo” que se chega, por derivação lógica, à conclusão de que “não estava” o suspeito no local e hora do crime. Isso porque se estava num local em dado horário, não poderia estar em outro concomitantemente. 
Isso infringiria o “Princípio da Não – Contradição” que estatui que algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo. No caso não é possível estar num local e não estar nesse mesmo local no mesmo horário e dia, porque estava em outro. Sabe-se por experiência de intuição direta que fenômenos como a bilocação ou a onipresença são atributos de santos e de deuses. 
A prova que se produz é dofato positivo” (estar em dado lugar naquele horário e dia) e não do “fato negativo” (não estar em dado lugar naquele horário e dia), este segundo se deduz logicamente, mas não é objeto de prova. 
 
No álibi há prova de um “fato positivo” da qual apenas deriva, não uma prova, mas uma dedução lógica de um “fato negativo” contraposto pelo “Princípio da Não – Contradição”. 
Não há prova direta de “fato negativo” no álibi. 
 
Por isso, no emprego do álibi como estratégia defensiva não basta a mera alegação de que não estava no local, mas há necessidade de comprovar, não o “não estar”, mas o “estar em outro local”.  
Faria papel ridículo o defensor que arrolasse várias testemunhas para dizerem que não viram o acusado no local dos fatos, enquanto este é reconhecido pela vítima, outras testemunhas, coautores, fotos, filmagens etc. Prova-se o álibi, por exemplo, por meio de testemunhas que estavam com o suspeito em outro local, de filmagens que o mostram ali, de registros de ponto em local de trabalho, de passagens de transportes coletivos (avião, ônibus etc.), de tickets de pedágio, de comprovações de hospedagens, participação em eventos distantes etc. 
Nenhuma dessas provas é de “fato negativo” e sim “positivo”
O “fato negativo” somente surge de forma logicamente derivada, não propriamente provada.

É, portanto, lícito concluir que o álibi não é uma exceção à natureza impossível ou “diabólica” da prova de “fato negativo”. 

Jusbrasil

Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette

 

domingo, 2 de julho de 2017

Janot repetiria dose com Joesley e admite não ter prova contra Temer. E a pinga como metáfora

Procurador-geral vai a congresso de jornalistas, diz coisas assombrosas, e muitos dos presentes acharam graça. O Acusador Geral da República faz lambança com o conceito de “prova diabólica”. E o diabo da ignorância!

Rodrigo Janot é realmente uma figura singular da República. É capaz de dizer coisas assombrosas, que são tomadas, no entanto, como corriqueiras. Ele é responsável, claro!, por aquilo que pensa. Mas não pode ser responsabilizado pelo silêncio cúmplice dos que deveriam, ou por vergonha na cara ou por dever de ofício, ou ambos, reagir ao que diz.

Na sua mais recente e espetacular intervenção no debate, o doutor explica: o prêmio a um criminoso delator é proporcional ao seu delito. Ou por outra: o lugar de ladrão pé-de-chinelo é a cadeia, e o do ladrão de alto coturno, Nova York. Ou como já sintetizou certo orador: “O roubar com pouco poder faz os piratas; o roubar com muito, os Alexandres”.

Vamos lá.
Janot participou do 12º Congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Concedeu uma entrevista no painel “Desafios do Combate à Corrupção: Operação Lava Jato”. Recorreu a imagens como “cachacinha, torresminho, bombom Garoto, flecha, bambu”… Entendo. É mais fácil, sob muitos aspectos, conceder uma entrevista do que proferir uma palestra. Sempre sobra lugar para a cachacinha como metáfora, o que, numa fala mais formal, talvez parecesse fora de tom. E as pessoas riem, claro!

O homem também expeliu bobagens sobre a chamada “prova diabólica” — que chamou “satânica” para fazer embaixadinha pra galera. E os presentes riram de novo. O apelo à ignorância costuma descontrair o ambiente.  Janot falando a uma associação de jornalistas investigativos faz sentido. Especialmente quando se sabe que a investigação da imprensa, nesse caso, vamos convir, praticamente se resume aos vazamentos ilegais. Sem aquele procurador amigo ou delegado boa-praça, nada feito! Não se investiga coisa nenhuma!. O que se tem é vazamento do que está sob investigação — e vazamento seletivo, que atende aos interesses do… vazador.

Assim, na condição de chefe do MPF, cabe com propriedade a Janot o epíteto de “Vazador Geral da República”. E logo será preciso criar a Abrajova: Associação Brasileira dos Jornalistas Vazativos. Ora, até eu fui vítima da safadeza, como sabem, com a violação de um fundamento constitucional. O MPF se eximiu de responsabilidade. A PF também. Vai ver foi obra dos aprendizes de satanás…

Piratas e Alexandres
Vamos ao que disse o doutor de mais sério, de realmente impressionante. Ele defendeu o escandaloso acordo que celebrou com Joesley Batista. Gostou tanto que, segundo diz, faria tudo de novo. E resolveu ser didático a uma plateia muito amistosa. Segundo transcrevem a Folha e o UOL:
“Vocês estariam me perguntando assim: ‘Você é um louco… Como alguém chega, lhe apresenta altas autoridades da República praticando crime, e você não faz nada, não aceitou fazer acordo com essa pessoa? Você deixou que o crime continuasse a ser praticado. (…) Que escolha eu tinha? A de Sofia. Vou não fazer o acordo e fingir que não vi isso? (…) É fácil ser herói retroativo (…). Não adianta chegar para o colaborador e dizer: ‘Meu amigo Joesley, venha aqui. Vou te propor um acordo, beleza? Você gosta de pão de mel? Você não gosta de torresmo e uma cachacinha?”.

Transforme-se a historinha num conceito: um bandido, por mais facinoroso que seja, pouco importa quantos crimes tenha cometido, sairá impune se delatar “as mais altas autoridades da República”. Está em curso uma revolução no direito penal brasileiro. Segundo o “Beccaria da Cachacinha”, o que determina a sanção a um crime é a importância da pessoa delatada pelo bandido.

Notem: se Joesley fosse um coitadinho, poder-se-ia lhe oferecer um bombom. Sendo quem é, precisa de muito mais. Nestes tempos em que se alega estar em curso um combate sem igual da impunidade, registrem: é o delinquir muito que conduz ao perdão.
Terei de lembrar aqui um trecho do “Sermão do Bom Ladrão”, de Padre Vieira.
Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua presença um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim. “Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e outros definiu com o mesmo nome: Eodem loco pone latronem et piratam, quo regem animum latronis et piratae habentem. “Se o Rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata, o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar e merecem o mesmo nome”.

“Prova satânica”
Em sua fala, Janot defendeu a denúncia que apresentou contra Michel Temer e resolveu fazer uma gracinha. Segundo disse, seria preciso uma “prova satânica” para evidenciar a ligação entre o presidente e a mala com R$ 500 mil carregada por seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures.

Em suma: Janot admite que apresentou uma denúncia sem provas.
Mas atenção! Ele está fazendo um gracejo truculento e estuprando de novo o direito. O termo empregado nos meios jurídicos não é “prova satânica”, mas “prova diabólica”, que é aquela impossível ou quase impossível de ser produzida. Por que ele recorreu ao termo “satânica”? Ora, para se referir a boatos infundados, que correm nos esgotos das redes sociais, de que o presidente seria um satanista. Um dos presentes ao evento perguntou se a evidência seria satânica pela dificuldade de obtê-la ou pelo sujeito a que se refere. O procurador-geral, claro!, disse que falava da dificuldade. E riu. E todos riram de novo. Como é mesmo? O apelo à ignorância costuma descontrair o ambiente.

Observem: hoje em dia, o direito brasileiro consagra, em muitas áreas, o que é conhecido como “Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova”. O que quer dizer? A máxima de “cabe a quem acusa o ônus da prova” é substituída por outro conceito, consagrado no Artigo 373 do novo Código de Processo Civil. Está lá:
Art. 373.  O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

Vale dizer: o ônus da prova fica com quem tem melhor condições de suportá-lo. Ou por outra, em determinadas circunstâncias, o juiz pode considerar que ele fica com o acusado, sim.
Ocorre que
Ocorre que, no direito penal, a música é outra: o ônus da prova pertence exclusivamente à acusação e ainda bem que é assim! Logo, não cabe ao sr. procurador da “cachacinha como metáfora” vir com essa conversa de prova diabólica. Que tal atentar para o que escreveu o ministro Celso de Mello, um entusiasta quase fanático da Lava Jato, na ementa do Habeas Corpus 73338? A saber:
“Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência”.

Como se viu, João Vaccari Neto, condenado por Sérgio Moro, acabou absolvido pelo TRF4. Os procuradores que o acusaram devem ter pensado como Janot: “Ah, todo mundo sabe que é corrupto. Não temos como provar. Isso seria prova diabólica. Então vamos tentar a condenação sem provas mesmo”.  Como nada havia além as delações, o petista foi absolvido.

A síntese das sínteses: esse misto de arrogância, incompetência e heterodoxia do MPF, sob o comando de Janot, resulta em impunidade de petistas, Joesleys, cobras, lagartos e, acima de tudo, tubarões.
Mas Janot faria tudo outra vez! E diz que vai disparar flechas enquanto tiver bambu.
Pausa para o torresminho com cachaça.

 Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo