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domingo, 18 de outubro de 2020

O Supremo não é legislador [Corte constitucional não redige lei].

O Estado de S. Paulo

Como guardião da Constituição, em vez de flexibilizar o disposto na Lei 13.964/2019, o STF deveria ter exigido o mais estrito cumprimento da lei

[O Supremo precisa ser moderado? ainda que só no tocante ao seu furor legiferante]

Com especial habilidade, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, soube desfazer o que poderia se tornar uma crise de maior vulto, no caso do habeas corpus em favor de André do Rap. A finalidade da Justiça é dar solução aos conflitos, e não aumentá-los ou perpetuá-los.

O mérito do ministro Luiz Fux foi possibilitar uma rápida resposta do colegiado, colocando sob escrutínio do plenário do Supremo sua decisão de suspender a liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio. Diante de um cenário no qual a Corte é diariamente questionada – e muitas vezes afrontada –, o fortalecimento institucional do STF inclui necessariamente o fortalecimento de sua colegialidade.

[com maestria incomparável, precisão, exatidão e forte componente didático, o jornal O Estado de S. Paulo mostra nesta matéria que o Brasil necessita realmente de um PODER MODERADOR.

Sem mencionar tal necessidade, leva os leitores ao entendimento,  à opinião, que se faz necessário um órgão com o poder final. 

Que sejam preservados os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, mas que se instale um QUARTO PODER que dê a palavra final, inclusive contendo o furor legiferante da Suprema Corte que a leva a desrespeitar o principio:  Corte constitucional não redige lei.

O fuzuê da semana passada com a fuga autorizada de um famoso traficante, motivou a Corte Suprema: 

"em duas inteiras e consecutivas sessões plenárias, decidiu, por nove votos contra um, que o líder de uma das duas maiores facções criminosas do país, condenado por tráfico internacional de cocaína, beneficiado por habeas corpus, deveria voltar para a cadeia... "

Após horas e horas de discussão a Corte decidiu por nove votos contra um confirmar a decisão do presidente da Corte mandando prender um condenado, duas condenações confirmadas em segunda instância, que outro ministro mandou soltar - decisão totalmente inócua, de valor zero, já que o criminoso fugiu e não voltará ao  Brasil, exceto se assim quiser.

Ao tempo que os votos que sustentaram a decisão acima, deixavam a impressão de fortalecimento do entendimento favorável à colegialidade - devendo assuntos sensíveis serem submetidos ao plenário - foi registrado nos votos que formaram o placar vencedor uma "lembrete'' ao presidente do STF no sentido de ter sempre em conta que o apoio maciço à decisão presidencial era em caráter excepcionalíssimo, por não ser a presidência do tribunal órgão revisor.

Para deixar mais claro ainda o caráter supremo das decisões monocráticas o ministro Barroso, horas depois, em decisão monocrática, suspendeu o mandato de um senador da República. Registre-se que posteriormente, após ampla divulgação da decisão solitária, decidiu submeter o tema ao plenário.

De tudo ficou claro que a decisão apoiando o presidente foi mera formalidade, na prática prevaleceu decisão monocrática contrária a da colegialidade; o entendimento solitário de um ministro é quem decide se atua de forma monocrática (ou autocrática?) ou submete o assunto ao exame do colegiado?

Submissão prévia, já que exame posterior pode apresentar resultado inútil.]

Por 9 votos a 1, o plenário do STF manteve a prisão preventiva de André do Rap, confirmando a decisão do ministro Luiz Fux. Os votos ressaltaram o caráter excepcionalíssimo da possibilidade de o presidente da Corte suspender ato jurisdicional de outro ministro do STF, como ocorreu no caso. A presidência do tribunal não é órgão revisor, e o que ocorreu neste caso não é a regra. As exceções devem continuar sendo exceções.

Se é positivo o caráter colegial da resolução do caso – afinal, o STF é um órgão colegiado –, é certo também que o conteúdo da decisão merece ressalva. 
O entendimento fixado pela maioria dos ministros do Supremo não apenas acrescenta elementos inexistentes na lei, como acaba por excluir precisamente uma das principais inovações que o Poder Legislativo trouxe com a Lei 13.964/2019 – a ilegalidade de toda prisão preventiva que não é renovada periodicamente.
O Código de Processo Penal diz: “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal” (art. 316, § único). 
Já o Supremo disse: a inobservância da reavaliação no prazo de 90 dias não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.
Assim, pela decisão do Supremo e em sentido contrário ao que determinou o Congresso, a prisão preventiva que se estende no tempo sem ser renovada perde a conotação categórica de ilegalidade. 
Fosse de fato ilegal, como dispõe a Lei 13.964/2019, haveria de ser concedida a ordem de habeas corpus em favor de quem está preso preventivamente sem a devida reavaliação periódica dos fundamentos.

Na tentativa de justificar a decisão do Supremo, alegou-se que os ministros fizeram uma interpretação sistêmica [que se soma à conhecida interpretação criativa] do Código de Processo Penal, adequando a literalidade da lei ao ordenamento jurídico como um todo, em especial aos princípios constitucionais relativos à ordem pública. Chama a atenção, em primeiro lugar, a proximidade dessa tese com o ativismo judicial, postura habitualmente condenada por quem agora defende o dever do Supremo de matizar as consequências da Lei 13.964/2019.

O equívoco da decisão do STF não foi, no entanto, uma suposta aplicação sistêmica da lei. O problema foi precisamente ignorar o sentido do art. 316, § único do Código de Processo Penal, cujo objetivo não é “soltar bandido”, tampouco impedir o cumprimento de prisões preventivas fundamentadas. Ao fixar a ilegalidade das prisões preventivas que se estendem no tempo sem a devida renovação, a Lei 13.964/2019 veio exigir que os órgãos do sistema de Justiça funcionem adequadamente. Essa é a interpretação literal, teleológica e sistêmica da lei.

Consciente das resistências e dificuldades para implantar um sistema de Justiça que respeite de fato a liberdade, o legislador fez uma clara opção. Fixou de forma inequívoca a ilegalidade do que não é feito corretamente na tentativa de que tudo seja realizado em conformidade com a lei. Por isso, como guardião da Constituição, em vez de flexibilizar o disposto na Lei 13.964/2019, o Supremo deveria ter exigido o mais estrito cumprimento da lei em respeito ao Legislativo e em respeito à liberdade protegida pela lei. Corte constitucional não redige lei.

Opinião - O Estado de S. Paulo - 17 outubro 2020


segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Senado articula barrar Escola sem Partido e ‘agenda da bala’

Até parlamentares de PT e PSDB admitem se alinhar na votação dos projetos


Com a perspectiva de um novo governo patrocinando projetos polêmicoscomo a liberação do porte de armas, o enquadramento de movimentos sociais na Lei Antiterrorismo e o Escola sem Partido —, parlamentares de diferentes partidos se articulam para tentar fazer do Senado a “casa do equilíbrio” da República. Temendo a radicalização nessas pautas, até senadores de PT e PSDB admitem se alinhar na votação dos projetos. [os do PSDB, até pela paixão por muros que aquele partido tem, se entende que temam a radicalização; mas, os do PT estes querem o 'quanto pior, melhor' e neste objetivo a radicalização ajuda.
Tudo sobre a batuta do Eunício, . que perdeu, se acabou politicamente e agora quer que o Brasil pague pela surra que levou nas urnas.]-

As costuras passam pela escolha do presidente do Senado, no ano que vem. Diferentes lideranças defendem um senador de perfil moderado, sem alinhamento direto com o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), mas que não faça parte da oposição a ele. Por trás desse discurso, a articulação é para encontrar um nome com força para pôr freio a eventuais propostas na agenda do governo que provoquem tensão social.  — Há muitos senadores novos cuja opinião não conhecemos, mas o consenso entre os partidos é a favor de uma Casa moderada, que não faça oposição sistemática. O governo foi eleito e o Brasil tem de ir para frente. Tudo aquilo que for de interesse do país, vamos votar a favor. Mas, também agiremos para que questões mais radicais sejam contidas aqui e a gente mantenha o equilíbrio — diz o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Assessores dos partidos na Casa calculam que, entre os 81 senadores, Bolsonaro tem, por ora, uma bancada de cerca de 20 parlamentares de partidos como o PSL, PSC, PTB e Podemos alinhados a ele.  A tentativa da legenda do presidente eleito é aumentar esse número. A intenção das lideranças que defendem a necessidade deter um Senado capaz de barrar uma agenda muito conservadora é formar maioria junto com a “oposição ferrenha” a Bolsonaro, além dos senadores independentes, que admitem apoiar o presidente eleito em parte da agenda econômica, mas não nos projetos com maior apelo ideológico.

OPOSIÇÃO DIVIDIDA
Com pretensão de se diferenciar do PT, o bloco em gestação liderado pelo PDT, que reúne PPS, PSB e Rede, pretende fazer uma “oposição propositiva”.

— Vamos ter de aceitar a agenda do Executivo, porque ele foi referendado pelas urnas. Obviamente, não faremos uma aprovação automática. Vamos aprimorar, questionar pontos e, com certeza, evitar essas maluquices — diz o senador eleito Cid Gomes (PDT-CE).
O PSDB deve se reunir até o fim do ano para decidir sua posição sobre o governo. Independentemente disso, Tasso diz que senadores do partido admitem conversas até com o PT em pautas com radicalismos:
Com o PT, temos visões bastante diferentes na linha econômica. Mas, em matéria de comportamento, é bem possível e provável que haja alinhamento. Os petistas também estão abertos a esse diálogo. O senador Humberto Costa (PTPE) disse à revista ÉPOCA que “não vê problema de termos as mesmas posições (de senadores de partidos como PSDB e DEM) num enfrentamento a Bolsonaro”.

A tentativa de dar ao Senado a feição de “poder moderador” passa pelas articulações em torno do comando da Casa. A preferência é por um nome que chegue com o discurso de que não atrapalhará o governo em pautas importantes para o país, mas que dê aos senadores a segurança de que enfrentará o grupo de Bolsonaro quando necessário. Um dos nomes cotados por esses senadores contrários às pautas radicais é o de Renan Calheiros (MDB-AL).
Publicamente, ele já tenta se colocar como um agregador. Questionado pelo GLOBO sobre a agenda conservadora, ele desconversou, dizendo que “é preciso esperar os novos senadores” e que a Casa pode colaborar com as propostas que “façam mudanças que o Brasil quer”.
— O papel do novo governo é preponderante. O Parlamento deve fazer um planejamento das matérias que devem ser votadas. Isso amadurece o Parlamento. Quando necessário, é possível recorrer a referendos, como fiz (como presidente do Senado, em 2005) sobre a vendas de armas.

JUDICIÁRIO PREOCUPADO
Senadores relatam que, alarmados com essas propostas, representantes do Judiciário têm manifestado a eles a necessidade de que o Senado seja uma “casa de contenção”. O temor é de que o Judiciário se fragilize caso tenha de assumir o papel de derrubar projetos aprovados. [vale ter presente que o Judiciário só pode derrubar projetos aprovados pelo Congresso se houver amparo legal na intervenção da Corte Suprema nas atribuições do Parlamento - se espera que agora, nestes novos tempos, o STF contenha o furor legiferante, que o caracterizou nos últimos anos;

- os que pretendem atrapalhar o Governo Bolsonaro e contam com Renan Calheiros,  devem se perguntar se o senador alagoano não será preso.]  
Composto por políticos mais experientes do que os deputados, o Senado tradicionalmente atua como uma casa demais moderação. Sob a presidência do próprio Renan, entre 2013 e 2016, deixou na gaveta projetos polêmicos pautados pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), como a redução da maioridade penal e a terceirização irrestrita. O atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), manteve a mesma linha.


 Amanda Almeida, de  O Globo