Quem me ferrou foram os cabeludos do Washington Post, mas o veneno veio do FBI, fique longe da Polícia Federal
Caro
colega,
Em 1974,
quando tive que renunciar à Presidência dos Estados Unidos, o senhor estava
concluindo seu doutorado e, pelo que sei, não se meteu naquele movimento
destrutivo dos anos 60.
O Roberto
Campos, um brasileiro de quem gosto muito desde o tempo em que estávamos aí, me
contou que há dias o senhor teve uma conversa com o chefe da Polícia Federal,
sem a presença do seu ministro da Justiça. Ele não gostou e pediu que lhe
escrevesse. Saiba,
doutor Temer, eu me ferrei no caso Watergate, quando uns doidos da Casa Branca
resolveram grampear o escritório do Partido Democrata para apanhá-los
arrecadando dinheiro para o que vocês chamam de caixa dois. Era uma mixórdia, e
o resto da história é conhecido. Pegaram-me tentando obstruir o trabalho da
Justiça, pois eu gravava minhas conversas no Salão Oval.
De fato,
eu tentei abafar a investigação do FBI, a nossa polícia federal. Teria
conseguido, se não fosse o tal “Garganta Profunda”, o misterioso informante de
um repórter do “Washington Post”. Na mitologia que a imprensa cria em seu
próprio benefício, ele só teria sido identificado em 2005, 11 anos depois da
minha morte. Besteira. Seis dias depois do início do Caso Watergate, quando eu
percebi que havia alguém orientando o repórter, suspeitei de Mark Felt, que
havia sido preterido na escolha para o lugar de chefe do Federal Bureau of
Investigation. Era ele. (O diretor do FBI era homem meu. Serviu para nada.)
Outro dia
eu fiz ginástica com o Ben Bradlee, que era o editor do “Washington Post” à
época.
Repassamos
alguns episódios, e ele me contou coisas muito interessantes, mas pediu-me
reserva. Para seu governo: o informante decisivo foi um dos jurados do
julgamento dos doidos presos quando punham os microfones na sede do Partido
Democrata. Conversar com jurado é crime. Talvez eu só possa revelar essa
história quando o repórter chegar aqui.
Doutor
Temer, blinde-se. Há dez dias a Polícia Federal mandou-lhe 50 perguntas
relacionadas com uma investigação de práticas corruptas no porto de Santos.
Disseram-me que algumas delas são substantivas, outras são vagas, e há também
uma meia dúzia simplesmente impróprias. Responda a todas, mas não trate
verbalmente do assunto com ninguém. O Trump encalacrou-se porque inventou uma
história de que a reunião de sua turma com os russos foi para tratar da adoção
de crianças.
A ideia
de conversar com o chefe da Polícia Federal numa audiência que não estava
prevista foi desastrosa. Sua assessoria diz que os senhores trataram de
assuntos de segurança pública. Permita-me lembrar que o senhor tem um ministro
da “Justiça e Segurança Pública”. Receber o chefe da Polícia Federal sem o
ministro só serve para alimentar insinuações relacionadas com sua segurança
política e mexericos de jornalistas.
Eles me odiavam e me acertaram. Arrisco
dizer-lhe que eles não lhe amam.Como diz
um diplomata brasileiro que está aqui, o senhor atravessou a rua para
escorregar numa casca de banana que estava na outra calçada. No
limite, até para dar boa tarde ao chefe da Polícia Federal, o senhor precisa de
uma testemunha. Com meus
votos para que o senhor passe por mais essa provação, este amigo do Brasil
despede-se.
Richard
Nixon.
Elio
Gaspari, jornalista - O Globo