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quarta-feira, 23 de março de 2016

De Nixon@pol para Dilma@gov

Não se meta com a Polícia Federal, eu era o homem mais poderoso do mundo, e o FBI foi decisivo na minha fritura

Senhora,
Eu perdi a Presidência dos Estados Unidos em 1974 por causa da minha paranoia, de meia dúzia de áulicos que se julgavam deuses e da raça desprezível dos repórteres, mas quero lhe dizer que quem me fritou foi a Polícia Federal. É por isso que lhe escrevo: não se meta com ela.

Sei que naquele tempo a senhora estava no esplendor da juventude. Saída da cadeia, retomava sua vida torcendo pela minha desgraça. Vi quando a senhora, já sexagenária, tietou o general Giap durante sua visita ao Vietnã, em 2008. Aquele anãozinho era festejado como o gênio da guerra contra os Estados Unidos. Hoje, nossos investimentos no Vietnã já ultrapassaram os US$ 11 bilhões, e eles querem mais.

Eu me danei no escândalo conhecido como Watergate. Uns bestalhões ligados à Casa Branca quiseram grampear o escritório do Partido Democrata em Washington. Estavam atrás do caixa dois dos meus adversários e foram apanhados.  Criou-se a lenda de que foi a imprensa que me fritou. Isso é inexato. O tal “Garganta Profunda” que deu algumas pistas a um repórter era o segundo homem do Federal Bureau of Investigation. Muito antes dessa traição, o próprio diretor do FBI chamou um jornalista do “The New York Times” e contou-lhe que a Casa Branca estava metida no caso. Eu havia mandado o general Vernon Walters, vice-diretor da CIA, travar a investigação dos federais. Piorou. A senhora deve se lembrar do Walters. Em 1964, ele estava no Brasil e ajudou a livrar o país do comunismo.

Fiz muitas bobagens. Uma delas foi demitir o equivalente ao ministro da Justiça brasileiro. Como a senhora livrou-se do seu, estou preocupado. Alarmei-me ao saber que o novo ministro insinuou a possibilidade de trocar o chefe da Polícia Federal. Depois recuou, refletindo o grau de desorientação de seu palácio. O Walters não gosta da senhora, continua conversando com brasileiros e fala bastante com um levantino de bigodes que já dirigiu a Polícia Federal. Seu nome é Romeu, creio que o sobrenome é Tuma. Ele acha que o seu ministro foi ingênuo ao dizer que punirá sumariamente os agentes que estão em equipes de onde saem vazamentos. Essa arrogância revolta qualquer corporação. Não entendi direito uma história que o Walters me contou: “Todo governo acha que a polícia vaza informações contra ele. (Eu continuo achando.) As coisas são mais complexas, imagine um caso de um agente que vazou informações que beneficiavam uma grande empreiteira? E se nesse vazamento houve dinheiro? Mais: como crucificar o intermediário se tiver sido um advogado?” 

É óbvio que deveria haver punição, mas o vazamento interessava a gente do governo. Permita-me uma impropriedade, vazamento é como decote feminino. Pode ser indecência aos olhos do marido, mas na mulher dos outros é espetáculo. A senhora gostou do gesto do Garganta Profunda.  O grampo do Watergate era um crime menor, minhas mentiras não seriam suficientes para me tirar da Presidência. O que me destruiu foi o momento em que acreditei na possibilidade de obstruir as investigações. Eu e a senhora cometemos o mesmo erro inicial, sabíamos mais do que dizíamos e acreditávamos que o palácio prevaleceria. Eu cometi o engano seguinte, fatal. Não faça como Nixon.

Espero ter sido útil e despeço-me, mas não torço pela senhora.
Atenciosamente,
Richard Nixon.
Fonte: Elio Gaspari - jornalista, O Globo

domingo, 7 de junho de 2015

José Nêumanne: “Bola suja” poderá salvar Lava Jato?

 “Bola suja” poderá salvar Lava Jato?

Só quem não prestou atenção total ao debate sobre os escândalos de corrupção no Brasil pode ter-se surpreendido com a espetacular prisão pelo americano Federal Bureau of Investigation (FBI) de sete “cartolas” da Fifa, entre os quais o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, em Zurique, na Suíça. Afinal, um dos melhores e mais bem informados especialistas na área do Direito que lida com esse tipo de fraudes no Brasil, Modesto Carvalhosa, vem há algum tempo advertindo para a possibilidade de intervenções remotas da Justiça americana, no exterior. Em artigos nesta página e entrevistas à imprensa e às emissoras de rádio e televisão, ele tem advertido que, sendo o Brasil signatário de um pacto internacional anticorrupção, acusados de fraude que não tenham sido justiçados aqui poderão sê-lo em qualquer outro país lesado, entre eles os Estados Unidos.

As advertências feitas pelo advogado dizem respeito especificamente à roubalheira que atualmente mantém o monopólio das manchetes dos jornais e dos noticiários de rádio e televisão e das capas de revistas: em troca de garantia de ganhar licitações e de poder superfaturar obras da Petrobras, grandes empreiteiras pagaram propinas a gerentes e diretores da estatal e a políticos de partidos aliados do governo que os nomearam apenas para esse objetivo. Tramitam na Justiça americana ações movidas por investidores que acreditaram no perfil sério e competente de nossa petroleira e se sentiram logrados depois que tiveram notícia do mar de lama em que a companhia afundou, num caso de furtos sem paralelo na História da humanidade.

Petróleo, evidentemente, nada tem que ver com futebol. No entanto, ninguém precisa sequer acompanhar o noticiário esportivo para ficar sabendo que o esporte mais popular do mundo é administrado por uma federação cuja fama em matéria de malversação de recursos é enorme. Mas a Fifa passava incólume por processos judiciais, apesar de suspeitas, devassas e investigações.

Agora o que Carvalhosa diz, sem que ninguém dê atenção a seus avisos nem o governo, nem a oposição ou a cúpula dos Poderes Legislativo e Judiciário tiveram a sabedoria de lê-lo e ouvi-lo –, se confirmou na ação do FBI, com ajuda da polícia suíça, no suntuoso hotel Baur au Lac. A ação policial não alterou o resultado previsto do pleito de que de novo saiu vencedor o suíço Joseph Blatter. Mas, além da temporada dos finórios “cartolas” nas prisões helvéticas, a batata do chefão torrou e ele saltou fora. Após a reeleição, tinha acusado os americanos de estarem se vingando pela escolha do Catar para sediar a Copa de 2022 em vez do país deles. Como dizia vovó, “desculpa de cego é feira ruim e saco furado”.

A versão de Blatter mostra que ele aprendeu esse truque no Brasil, onde foi disputado o Mundial da Fifa no ano passado. Pois essa sua tentativa de ficar de fora do episódio é similar às acusações feitas por Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Fernando Collor e Antonio Anastasia contra o Ministério Público Federal (MPF), que investiga a eventual participação deles no esquema chamado de petrolão. A questão é que, tanto cá quanto lá, não importa a motivação, mas a consequência dos inquéritos. MPF aqui e FBI lá têm de provar a culpa dos acusados – alguns presos. Quem for inocente comemorará e quem não for purgará pena, como manda a lei.

O Brasil tem importância capital na ação judicial e na operação policial nos EUA. Um importante informante é o patrício José Hawilla, ex-repórter de campo, um dos nababos das negociações milionárias do futebol profissional, agora réu confesso em quatro crimes e delator premiado, que aceitou devolver parte do dinheiro devido ao fisco americano. A História registra que foi um Imposto de Renda mal declarado que levou o chefão mafioso de Chicago Al Capone à prisão. Impune pelos atos de violência, o chefão caiu por delito fiscal.

Por aqui a coisa é bem diferente. Em visita ao México, feita para incrementar relações bilaterais esfriadas pelo combate de seu antecessor à Alca, a presidente Dilma Rousseff disse que o futebol brasileiro “só se beneficiará dessa investigação”. Não contou como nem por quê. Além de ter omitido a obviedade de que nenhuma melhora na prática futebolística no País compensará a imagem negativa produzida para esta e para o Brasil pelo fato de ultimamente só ter merecido destaque no noticiário internacional a corrupção sem freios.

Antes de a chefona voltar, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pôs a máquina do marketing policial para funcionar anunciando investigações da Polícia Federal (PF), cuja reputação anda em alta por causa da Operação Lava Jato. Sua intenção óbvia é fingir que o governo manda numa instituição de Estado que não precisa de ordens do Executivo para atuar. Além da patacoada presidencial e da ordem cínica, o governo expôs à Nação uma das mais espetaculares provas de incompetência dadas por qualquer fisco: a Receita Federal anunciou que investiga fraudes no total de R$ 4 bilhões no futebol desde 2002. Dá para acreditar? Investigar por 13 anos fraudadores que o FBI levou meses para prender?

Romário de Souza Faria, o craque da Copa que o Brasil venceu nos EUA em 1994, conseguiu as assinaturas para abrir comissão parlamentar de inquérito (CPI) no Senado para investigar a CBF. Ótimo! A questão é: se a CPI da Petrobrás aguarda melancólico fim com cheiro de pizza depois de PF e MPF terem feito o trabalho pesado, o que esperar da repetição de uma CPI que já houve antes e teve fim igual?  Sem precisarem mais ler nem ouvir o aviso de Carvalhosa, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário podem aprender com a ação do FBI contra a “bola suja” e abortar, se é que estão mesmo tentando sabotar a Operação Lava Jato, outra, que é chamada, em concessão à escatologia em voga, de “bosta seca”. Tempo de fazer justiça aqui mesmo há.

Por:  José Nêumanne - Publicado no Estadão