Corporação prepara ‘Dia D’ para esta quinta-feira e pressiona governo Lula a cumprir reestruturação salarial proposta pelo próprio Ministério da Justiça
A pressão da Polícia Federal sobre o governo Lula por uma reestruturação salarial está afetando o andamento de investigações sensíveis na corporação. O impasse das negociações com a União desencadeou uma espécie de “greve branca” que já desacelerou inquéritos que envolvem Jair Bolsonaro.
Desde o governo Bolsonaro, os policiais federais vêm pleiteando reajustes salariais. Depois da posse de Lula, a cúpula da PF costurou um acordo, chancelado pelo Ministério da Justiça, que prevê aumentos de 37% a 79%, conforme a função. Mas o projeto está parado no Ministério da Gestão, de Esther Dweck.
Para protestar contra o atraso, os policiais federais farão uma manifestação na porta de todas as superintendências da corporação nesta quinta-feira e no próximo dia 16 na Esplanada dos Ministérios.
Mas a mobilização que mais afeta o trabalho da PF está se dando nos bastidores. Chefes de inquéritos sensíveis relataram à equipe da coluna que gestores estão demorando a indicar agentes para as equipes de perícia e análise que estão atrasando, por exemplo, a checagem da delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, e a perícia nos celulares do ex-presidente que faz parte do inquérito que apura a fraude nos cartões de vacinação do ex-presidente e aliados.
Interlocutores com atuação nos sindicatos confirmaram à equipe do blog que a orientação das lideranças é diminuir o ritmo dos trabalhos para demonstrar a insatisfação com o que consideram ser um descaso do governo com a tramitação da reestruturação.
O clima interno na polícia é o pior desde a posse de Lula, segundo apurou a equipe do blog. O estopim para o desconforto foi o cancelamento de uma reunião da mesa de negociação formada pelo governo que deveria ter acontecido por telefone no último dia 17. A categoria teme que a demora deixe a reestruturação salarial de fora da previsão orçamentária de 2024.
A PF já teve desgaste semelhante no governo Bolsonaro, quando as entidades sindicais começaram a pedir o reajuste. O presidente chegou a firmar um compromisso com a corporação, mas o descumpriu. Na época, a Associação de Delegados da Polícia Federal (ADPF) acusou o então presidente de “descaso, desprestígio e desvalorização” da categoria.
“Dessa vez o cenário é completamente diferente", disse um sindicalista que participa das negociações, pedindo reserva. "Não foi uma proposta sindical encaminhada ao governo, e sim uma proposta do Ministério da Justiça, gestada própria Polícia Federal com a anuência das entidades representativas”. “Desmarcar essa reunião sem o indicativo de um segundo encontro foi, inclusive, uma descortesia com o Ministério da Justiça”, completou a fonte.
Uma das entidades a convocar os atos desta quinta-feira, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) afirmou, em nota, que a defasagem salarial nos últimos anos chega a 51%, sem contabilizar o reajuste [???] de 9% concedido por Lula a todos os servidores federais neste ano. Nos cálculos da entidade, o aumento do funcionalismo recompôs apenas o aumento da alíquota previdenciária imposto pela reforma da previdência, de 5%.
Além do desgaste junto à PF, o impasse nas negociações também reflete a dificuldade do governo Lula para viabilizar a meta do déficit zero encampada pelo Ministério da Fazenda e equilibrar as demandas de diferentes setores.
A indefinição quanto ao orçamento de 2024 é um dos principais motivos do atraso na tramitação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que deveria ter sido aprovada até julho, e, por consequência, da LOA.
Malu Gaspar, colunista - Blog em O Globo