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sábado, 5 de janeiro de 2019

A disposição do presidente de se comunicar com o público é muito bem-vinda, mas é um ato funcional.

Deve ser destinado a explicar, jamais a confundir

Chacrinha, o velho guerreiro, pode ser um modelo para qualquer presidente da República, principalmente por sua competência, por sua imaginação e por seu empenho, nunca pelo mais notável de seus bordões: “Eu não vim para explicar, eu vim para confundir”. O presidente Jair Bolsonaro nunca deveria esquecer essa restrição. Se um governante é levado a sério, suas palavras têm peso e produzem consequências. Até seus gestos, expressões faciais e poses podem ser interpretados e convertidos em mensagens, voluntárias ou involuntárias. Pode alguém surpreender-se quando seus comentários sobre a reforma da Previdência, inesperados e mal explicados, geram confusão, dúvidas e inquietação no mercado financeiro, como ocorreu na manhã de sexta-feira? Modéstia pode ser uma virtude, mas qualquer figura de grande responsabilidade, especialmente num alto posto da República, tem de reconhecer o valor das próprias palavras. 

A confusão começou quando o presidente, numa entrevista ao SBT, defendeu idade mínima de 62 anos para homens e de 57 para mulheres como uma das condições para aposentadoria. No projeto em exame no Congresso as idades são 65 e 62, com longos períodos de transição. O governo, imaginava-se até aquele momento, aproveitaria o texto já em tramitação, com poucas alterações, para ganhar tempo. Não se esperavam novidades importantes no fim de semana. A proposta oficial seria conhecida em alguns dias, quando fosse encaminhada à Presidência pela equipe econômica. A entrevista ao canal de TV foi na quinta-feira à noite. Na manhã seguinte as palavras do presidente foram o grande assunto das primeiras páginas dos jornais mais importantes e de todos os noticiários de rádio e televisão. Horas antes da abertura do mercado já se especulava sobre como reagiriam os investidores.

Como o presidente havia falado sem esclarecer os detalhes, abriu-se espaço para comentários sombrios. Alguns exemplos:
1) a fala presidencial mostra descompasso com a equipe econômica. Qual será a influência real de um ministro da Economia assim desprestigiado?
2) o presidente resolveu propor mudanças mais brandas que as previstas no projeto em exame no Congresso (Essa interpretação foi reforçada por uma explicação apresentada por aliados: a ambição foi reduzida como estratégia, porque o ótimo é inimigo do bom);
3) um dos efeitos dessa atitude será a redução do poder de barganha do Executivo. Os negociadores entrarão em campo já em desvantagem;
4) o presidente está pouco interessado na reforma da Previdência, aceita resultados pobres e quer livrar-se rapidamente do assunto. 

Todos esses comentários foram lidos ou ouvidos na manhã de sexta-feira. A interpretação menos sombria, e aparentemente mais tranquila, surgiu num breve comentário do presidente da Câmara, Rodrigo Maia: se essa proposta de idade mínima for para valer, só terá sentido se for sem período de transição. Palavras do presidente Bolsonaro sobre os efeitos da reforma já em seu governo pareceram dar fundamento a essa interpretação. Ele voltou a falar sobre o assunto ontem, reiterando a proposta das idades mínimas de 62 e 57 anos, mas de novo sem esclarecer como o esquema seria implantado e como ficaria o conjunto da reforma.

A reforma da Previdência tem sido apontada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como o primeiro e mais importante desafio do novo governo. O presidente Jair Bolsonaro parecia, até a entrevista de quinta-feira, concordar com esse ponto de vista, partilhado por analistas nacionais e estrangeiros de alta de reputação profissional. Essa ainda é, espera-se, a sua posição. Nesse caso, falta apenas agir de acordo com a importância dessa reforma, essencial para o sucesso da nova administração. A disposição do presidente de se comunicar com o público é muito bem-vinda. Aqui vale a pena recordar outra lição de Chacrinha: quem não se comunica se trumbica. Mas a comunicação de um governante é um ato funcional. Deve ser destinado a explicar, jamais a confundir.

Editorial - O Estado de S. Paulo

 

terça-feira, 8 de agosto de 2017

É melhor não fatiar a reforma da Previdência

A situação precária e a tendência de expansão dos gastos com benefícios previdenciários não dão ao governo a alternativa de aprovar apenas parte do projeto

Superada pelo governo na Câmara a questão da licença para que o Supremo examinasse se processaria o presidente Michel Temer pela acusação de corrupção passiva, o Planalto retoma a agenda de reformas.  E recomeça mal, se mantida a posição defendida por Temer em entrevista a “O Estado de S.Paulo”, em que substituiu o termo reforma por “atualização”, restringindo-a à fixação das idades mínimas para efeito de requisição da aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 no caso dos homens.

O presidente incluiu, ainda, nesta minipauta, o fim das diferenças entre as regras para os benefícios dos trabalhadores na iniciativa privada e as normas, privilegiadas, do funcionalismo público.  Em posição oposta, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, deseja que a proposta de atualização do sistema previdenciário seja retomada de onde parou, após a aprovação em comissão especial, sem qualquer alteração para reduzi-la a poucos pontos. Maia tem razão.

Porque, entre outros motivos, a situação fiscal não dá margem ao governo para qualquer recuo. Precisa avançar, a fim de conseguir o mínimo de 308 votos necessários para aprovar o projeto, em dois turnos, e enviá-lo ao Senado.  Além de tudo, o estabelecimento do teto constitucional para limitar o crescimento das despesas não dá alternativa ao país. De um lado, o déficit previdenciário aumenta sem freios chega este ano a R$ 188 bilhões, tendo sido R$ 150 bilhões em 2016, e assim seguirá —; de outro, as receitas tributárias não se expandem como era esperado, devido aos passos lentos na recuperação da economia. Adicione-se ao cenário que aumentar impostos retardará a própria recuperação. Vai-se entrar num caminho em círculos: crescimento lento, baixa arrecadação, mais impostos, estagnação.

Muitos estudos apontaram para um ponto no futuro em que a Previdência funcionaria como um buraco negro sideral a tragar fatias crescentes da arrecadação de impostos. Parecia algo distante, mas não é mais.  Pelo teto constitucional, o total das despesas da União não pode crescer mais que 3,52% no ano que vem, ou R$ 44,1 bilhões. Mas só o aumento dos gastos com a Previdência será de R$ 50 bilhões. O futuro chegou.

Por isso é necessário aproveitar o momento para aprovar o projeto que passou pela comissão especial. Garantir agora a reforma melhorará as expectativas, porque não transferirá para as incertezas da eleição de 2018 o destino de um fator para as contas públicas já problemático hoje.  Que o governo reconstrua a base e aproveite a disposição de Rodrigo Maia de trabalhar nesta direção. Mesmo o tema da necessária equalização das regras de aposentadoria de trabalhadores no setor privado e servidores públicos requer um duro embate com grupos de pressão poderosos.

Mais um motivo para enfrentar todos os conflitos de uma vez. Mesmo se houvesse tempo para isso, fatiar a reforma significaria multiplicar chances de derrota.  Caso haja necessidade de ajustes futuros — e haverá —, já terá sido construída uma base com alguma solidez, sem a imperiosidade de nova reforma em 2019, a toque de caixa, em novo aperto fiscal.

 Fonte: Editorial - O Globo