Nos
últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) esteve envolvido em boa
parte das principais controvérsias debatidas no País.
Trata-se de um
cenário desafiador para um tribunal que, como todo órgão do Judiciário,
deve ser rigorosamente imparcial, política e ideologicamente.
Sua firme
atuação em defesa das instituições democráticas foi muitas vezes
entendida como ativismo judicial, o que explicita, entre outras causas,
uma grande incompreensão sobre o papel de uma Corte constitucional no
Estado Democrático de Direito. A missão do STF não é agradar à maioria,
mas fazer valer a força normativa da Constituição em sua plenitude. [opinião de leigo: o que implica, necessariamente, em respeitar as leis, especialmente a Lei Maior, preservando-as na totalidade, evitando interpretações que adaptem a interesses pessoais ou de grupos.]
Às
vezes, no entanto, o próprio Supremo parece não compreender
adequadamente seu papel constitucional, invadindo as atribuições do
Congresso. Isso se expressa, por exemplo, no recebimento de Ações
Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) manifestamente ineptas, como a
que questiona a Lei das Estatais, como já criticamos neste espaço (ver o
editorial Cabe ao STF rejeitar a judicialização da política, dia 20/2/2023).
O
grande problema, no entanto, é que a intromissão do Supremo no campo da
política tem sido mais do que um desvio esporádico.
Tornou-se frequente
e vem sendo considerada natural. Já não causa escândalo.
No mês
passado, por exemplo, o STF começou a julgar a Adin 5090, que discute a
constitucionalidade da aplicação da Taxa Referencial (TR) na correção
dos saldos das contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS).
Trata-se de um caso realmente desolador, em que o
Supremo corre o risco não apenas de atropelar a competência do
Legislativo, mas de menosprezar sua jurisprudência sobre a matéria.
O
julgamento da ação foi suspenso por pedido de vista do ministro Kassio
Nunes.
A Adin 5090
questiona um sistema vigente desde a Lei 8.177/1991, que definiu regras
para a desindexação da economia. O tema foi levado diversas vezes ao
Judiciário. Em 2014, o STF rejeitou apreciar a matéria. Em 2018, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que não competia ao
Judiciário substituir a TR por outro índice de correção monetária. Um
mínimo de estabilidade na jurisprudência é respeito não apenas à
segurança jurídica, mas ao próprio Judiciário.
Há
motivos razoáveis para criticar a sistemática atual e postular mudanças
no modo de correção do FGTS. O ponto é: esse debate deve ser feito no
Congresso, e não no STF. A escolha do índice a ser aplicado ao saldo das
contas é uma decisão política, com consequências sobre diversos temas
políticos, sociais e econômicos. Por exemplo, mudar a forma de correção
do FGTS afeta o financiamento imobiliário para a população de baixa
renda.
No momento
em que o STF toma para si esse tipo de decisão, a Corte passa, na
prática, a gerir uma série de questões que não lhe competem, reduzindo a
responsabilidade do Congresso sobre temas centrais da vida nacional.
Basta ver que, nos dias de hoje, boa parte da equação fiscal, a afetar
inúmeras políticas públicas, depende não dos parlamentares eleitos, mas
das escolhas que serão feitas pelos ministros do Supremo.
O
decurso do tempo não faz com que uma lei inconstitucional se torne
constitucional. Mas é preciso um pouco de realismo. No caso do FGTS, por
exemplo, são mais de três décadas de vigência de uma sistemática de
correção e, até o momento, a Corte não tinha notado nenhuma
inconstitucionalidade. Agora, num rompante de iluminação, o plenário do
STF vai descobrir que o índice de correção fere a Constituição?
Além
disso, em julgamentos assim, a discussão sobre o passado torna-se,
muitas vezes, mais importante do que sobre o futuro, dando aos ministros
um poder discricionário absolutamente irrazoável em relação à
retroatividade ou não dos efeitos de eventual declaração de
inconstitucionalidade.
Para
cumprir sua imprescindível missão em defesa da Constituição, o STF
precisa ter autoridade. Entre outros fatores, essa autoridade é
construída pelo respeito às competências institucionais. [no popular: como alguém pode defender o que não respeita?]
A Corte tem de
saber onde termina seu papel e onde começa o do Congresso.
Às vezes, no entanto, o próprio Supremo parece não compreender adequadamente seu papel constitucional, invadindo as atribuições do Congresso. Isso se expressa, por exemplo, no recebimento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) manifestamente ineptas, como a que questiona a Lei das Estatais, como já criticamos neste espaço (ver o editorial Cabe ao STF rejeitar a judicialização da política, dia 20/2/2023).
A Adin 5090 questiona um sistema vigente desde a Lei 8.177/1991, que definiu regras para a desindexação da economia. O tema foi levado diversas vezes ao Judiciário. Em 2014, o STF rejeitou apreciar a matéria. Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que não competia ao Judiciário substituir a TR por outro índice de correção monetária. Um mínimo de estabilidade na jurisprudência é respeito não apenas à segurança jurídica, mas ao próprio Judiciário.
Há motivos razoáveis para criticar a sistemática atual e postular mudanças no modo de correção do FGTS. O ponto é: esse debate deve ser feito no Congresso, e não no STF. A escolha do índice a ser aplicado ao saldo das contas é uma decisão política, com consequências sobre diversos temas políticos, sociais e econômicos. Por exemplo, mudar a forma de correção do FGTS afeta o financiamento imobiliário para a população de baixa renda.
No momento em que o STF toma para si esse tipo de decisão, a Corte passa, na prática, a gerir uma série de questões que não lhe competem, reduzindo a responsabilidade do Congresso sobre temas centrais da vida nacional. Basta ver que, nos dias de hoje, boa parte da equação fiscal, a afetar inúmeras políticas públicas, depende não dos parlamentares eleitos, mas das escolhas que serão feitas pelos ministros do Supremo.