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quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

William Waack: Quem sabe faz a hora

Por uma ironia da História, o refrão ‘esperar não é saber’ pode mudar de mãos

Momentos decisivos na história são raros e o Brasil acabou de entrar num deles. A eleição de Bolsonaro foi só a preparação para o que vem agora: um País que, se quiser sair da mediocridade e estagnação, terá de confrontar a si mesmo. O novo presidente prometeu libertar o Brasil de amarras que levaram gerações para serem confeccionadas. E que podem ser resumidas numa constatação preocupante: a sociedade brasileira falhou na tentativa de construir um Estado de bem-estar social nos moldes de países europeus. Nossa geração de riquezas não comporta um Estado de bem-estar social com o qual sonhamos.
Criamos um marco regulatório e legal que é um verdadeiro compêndio de aspirações sociais, e que atribui ao Estado distribuir e garantir essas benesses e direitos codificados em leis. Esse papel garantiu a explosão de custos do setor público que financiamos através de aumentos de impostos nos últimos 30 anos (agora no nível do insuportável) e endividamento (beirando também o insuportável). Tudo junto mais a baixa produtividade são o famoso “custo Brasil”, que torna o País pouco competitivo.
O principal desafio de curto prazo é conhecido: lidar com as contas públicas, o que significa reformar a Previdência. Os principais obstáculos políticos são bem conhecidos também. Bolsonaro tomou posse graças a uma onda transformadora de amplo alcance e raízes profundas (ainda que em parte disfarçadas pelo repúdio ao petismo). O “mandato” conferido por esse fenômeno político para “defender a liberdade”, “acabar com corrupção e privilégios” e “fazer o Brasil crescer” é amplo para funcionar como inspiração, mas precisa ganhar contornos práticos e diretos imediatamente. A combinação dos dois discursos de Bolsonaro no dia da posse é elucidativa. Ele reconhece que precisa do Congresso para governar e preferiu não esbravejar com o Legislativo – ao contrário, confia em velhas mãos (leia-se Rodrigo Maia como presidente da Câmara). Mas continua tratando de galvanizar o eleitorado como forma de manter a “temperatura” política necessária para, eventualmente, lidar numa posição de força com os senhores legisladores. Não parece que haverá em breve qualquer grande separação entre “palanque” e “governo”.

Ocorre que há sempre um limite para o nível de ebulição e efervescência políticas e o capital acumulado em termos de votos na recente eleição é erodido pelo tempo, que não é o cronológico. É o tempo da consagrada expressão alemã do “momentum”, a rápida conjunção de fatores estruturais e circunstanciais que abrem às vezes oportunidades únicas para alcançar objetivos amplos e difíceis. Claro, seria muito mais elegante e refinado reescrever a Constituição (quem sabe tornando-a liberal) ou realizar uma ampla reforma política (a mãe de todas as reformas), mas isso significaria perder o ritmo e se deixar sufocar pelo peso monstruoso da crise fiscal, que já está paralisando serviços essenciais de saúde e segurança em vários Estados.

O Brasil não é um país com mentalidade predominantemente liberal. Ao contrário: aqui a burocracia é encarada por muitos como proteção e não como obstáculo. O lucro é visto como pecado, e se alguém ficou rico é porque alguém ficou pobre. O “ponto de equilíbrio” entre mudança e “status quo” no qual nos encontramos é o da instabilidade política, insegurança jurídica, estagnação econômica e mediocridade generalizada. Momento decisivo é empurrar o País para fora disso aí. Oportunidades desse tipo não se apresentam muitas vezes. E que ironia da História: cabe agora a um outro conjunto de forças políticas entoar o velho refrão – “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

William Waack - O Estado de  S. Paulo



segunda-feira, 30 de julho de 2018

Agosto, mês de desgosto para Lula




Para ministros do Supremo, situação de Lula não mudará até as eleições


Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) volta a funcionar depois de um mês de recesso. A esperança dos advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que o plenário liberte o petista e autorize sua candidatura. O tribunal deve julgar o pedido, feito ao apagar das luzes de junho. Mas, na avaliação de ministros do Tribunal, não deve haver votos suficientes para alterar a condição atual do petista. Também não haveria muita chance de vingar o pedido de prisão domiciliar ao ex-presidente.


Para ministros do STF, a situação do ex-presidente permanecerá a mesma até o desfecho das eleições porque a Corte não quer ser um fator de instabilidade política nem ser acusada de interferir no processo eleitoral. Soltar Lula em agosto, a dois meses do pleito, seria uma forma de provocar reviravolta no quadro político brasileiro, avaliam os magistrados.


As brigas internas na defesa de Lula também influenciaram negativamente a avaliação dos ministros da Corte sobre o ex-presidente. O escritório de Cristiano Zanin, contratado pelo petista desde o início do processo penal, e o escritório do ex-ministro do Supremo Sepúlveda Pertence, que chegou ao caso depois, entraram em conflito. Pertence pediu ao STF a prisão domiciliar de Lula, mas o escritório de Zanin não tinha sido consultado sobre esse assunto e discordou da medida publicamente. Pertence se irritou e chegou a anunciar a saída da defesa de Lula, o que ainda não ocorreu.


Para os magistrados, o episódio deixou no ar um clima de que o pedido de liberdade não tinha legitimidade, uma vez que os próprios advogados discordavam entre si. Pertence foi ministro do STF e tem bom trânsito entre os atuais integrantes da Corte. Quando atuava no caso, conversava com frequência com o relator do processo, o ministro Edson Fachin.  Prestes a assumir a presidência do STF, em meados de setembro, o ministro Dias Toffoli também não tem intenção de pautar novo julgamento sobre o início da execução da pena para condenados em segunda instância. O temor na Corte é o mesmo: contaminar o processo eleitoral. Afinal, falar do tema às vésperas da eleição é falar de Lula.


Outra possibilidade de Lula ser libertado é por uma liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Lá, o relator da Lava-Jato é o ministro Felix Fischer – que, até agora, tem negado todas as apelações da defesa do petista. Se nada de novo acontecer, ele deve continuar agindo da mesma forma. Portanto, o placar 6 a 5 contra Lula cravado no julgamento de outro habeas corpus em abril tem tudo para se repetir no plenário do STF em agosto.  Ministros do STF não descartam, porém, que o processo sobre prisão de condenados em segunda instância e novo pedido de liberdade de Lula seja julgado novamente depois de outubro. Sem a pressão do processo eleitoral, a Corte ficaria mais à vontade de tratar do assunto, sem chamar tanto a atenção para si.