Por uma ironia da História, o refrão ‘esperar não é saber’ pode mudar de mãos
Momentos decisivos na história são raros e o Brasil acabou de entrar num
deles. A eleição de Bolsonaro foi só a preparação para o que vem agora: um País que, se quiser sair da mediocridade e estagnação, terá de
confrontar a si mesmo. O novo presidente prometeu libertar o Brasil de amarras que levaram
gerações para serem confeccionadas. E que podem ser resumidas numa
constatação preocupante: a sociedade brasileira falhou na tentativa de
construir um Estado de bem-estar social nos moldes de países europeus.
Nossa geração de riquezas não comporta um Estado de bem-estar social com
o qual sonhamos.
Criamos um marco regulatório e legal que é um verdadeiro compêndio de
aspirações sociais, e que atribui ao Estado distribuir e garantir essas
benesses e direitos codificados em leis. Esse papel garantiu a explosão
de custos do setor público que financiamos através de aumentos de
impostos nos últimos 30 anos (agora no nível do insuportável) e
endividamento (beirando também o insuportável). Tudo junto mais a baixa
produtividade são o famoso “custo Brasil”, que torna o País pouco
competitivo.
O principal desafio de curto prazo é conhecido: lidar com as contas
públicas, o que significa reformar a Previdência. Os principais
obstáculos políticos são bem conhecidos também. Bolsonaro tomou posse
graças a uma onda transformadora de amplo alcance e raízes profundas
(ainda que em parte disfarçadas pelo repúdio ao petismo). O “mandato”
conferido por esse fenômeno político para “defender a liberdade”,
“acabar com corrupção e privilégios” e “fazer o Brasil crescer” é amplo
para funcionar como inspiração, mas precisa ganhar contornos práticos e
diretos imediatamente. A combinação dos dois discursos de Bolsonaro no dia da posse é
elucidativa. Ele reconhece que precisa do Congresso para governar e
preferiu não esbravejar com o Legislativo – ao contrário, confia em
velhas mãos (leia-se Rodrigo Maia como presidente da Câmara). Mas
continua tratando de galvanizar o eleitorado como forma de manter a
“temperatura” política necessária para, eventualmente, lidar numa
posição de força com os senhores legisladores. Não parece que haverá em
breve qualquer grande separação entre “palanque” e “governo”.
Ocorre que há sempre um limite para o nível de ebulição e efervescência
políticas e o capital acumulado em termos de votos na recente eleição é
erodido pelo tempo, que não é o cronológico. É o tempo da consagrada
expressão alemã do “momentum”, a rápida conjunção de fatores estruturais
e circunstanciais que abrem às vezes oportunidades únicas para alcançar
objetivos amplos e difíceis. Claro, seria muito mais elegante e refinado reescrever a Constituição
(quem sabe tornando-a liberal) ou realizar uma ampla reforma política (a
mãe de todas as reformas), mas isso significaria perder o ritmo e se
deixar sufocar pelo peso monstruoso da crise fiscal, que já está
paralisando serviços essenciais de saúde e segurança em vários Estados.
O Brasil não é um país com mentalidade predominantemente liberal. Ao contrário: aqui a burocracia é encarada por muitos como proteção e não como obstáculo. O lucro é visto como pecado, e se alguém ficou rico é porque alguém ficou pobre. O “ponto de equilíbrio” entre mudança e “status quo” no qual nos encontramos é o da instabilidade política, insegurança jurídica, estagnação econômica e mediocridade generalizada. Momento decisivo é empurrar o País para fora disso aí. Oportunidades desse tipo não se apresentam muitas vezes. E que ironia da História: cabe agora a um outro conjunto de forças políticas entoar o velho refrão – “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
William Waack - O Estado de S. Paulo
O Brasil não é um país com mentalidade predominantemente liberal. Ao contrário: aqui a burocracia é encarada por muitos como proteção e não como obstáculo. O lucro é visto como pecado, e se alguém ficou rico é porque alguém ficou pobre. O “ponto de equilíbrio” entre mudança e “status quo” no qual nos encontramos é o da instabilidade política, insegurança jurídica, estagnação econômica e mediocridade generalizada. Momento decisivo é empurrar o País para fora disso aí. Oportunidades desse tipo não se apresentam muitas vezes. E que ironia da História: cabe agora a um outro conjunto de forças políticas entoar o velho refrão – “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
William Waack - O Estado de S. Paulo
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