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domingo, 17 de fevereiro de 2019

A rebelião do andar de cima

Desde sua eleição, o governo foi confrontado por três movimentos corporativos. Cedeu em dois e é provável que a Procuradoria-Geral da República cederá no terceiro  

Bolsonaro não gosta de 'ativismo', mas recuou quando foi confrontado por servidores

Quem se encantou pela franquia Bolsonaro achando que se livraria das
bandeiras do corporativismo petista,   não sabia o tamanho do ativismo do andar de cima. O presidente anunciou que "vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil". Todos, não.  Desde sua eleição, o governo foi confrontado por três movimentos corporativos. Cedeu em dois e é provável que a Procuradoria-Geral da República cederá no terceiro. Em todos os casos mobilizaram-se servidores do andar de cima, gente com salários mensais que vão de R$ 20 mil a sabe-se lá quanto.

A primeira rebelião veio dos procuradores da Fazenda Nacional. Paulo Guedes queria colocar um diretor do BNDES na cadeira de procurador-geral. A corporação rebelou-se, avisando que centenas de procuradores abandonariam seus cargos em comissão, pois o procurador-geral deveria ser escolhido no quadro da instituição. Ganharam.

O segundo confronto deu-se com os auditores da Receita Federal. A Agência Nacional de Aviação queria que eles cumprissem a norma da revista ao entrarem em áreas restritas dos aeroportos. Os descontentes mostraram seu desagrado apurrinhando a vida de milhares de passageiros, obrigando-os a esperas de até quatro horas nas filas das alfândegas. Resolveram inspecionar todas as malas desses supostos contrabandistas. No dia seguinte, três ministérios foram acionados e o governo cedeu.

A terceira rebelião veio dos procuradores da República. Até a última terça-feira, 192 doutores devolveram 325 funções não remuneradas. Eles apresentam reivindicações técnicas, nas quais está embutida uma questão salarial, escondida nos penduricalhos de uma categoria que ganha, no barato, R$ 25 mil líquidos. Por trás dessa rebelião está o painel da sucessão da procuradora-geral, Raquel Dodge. A batalha ainda não terminou. Até hoje, magistrados e procuradores ganharam todas.
Ativismo do andar de cima é outra coisa.

Nos EUA mexe-se na 'Bosta Seca'
Oito em cada dez magistrados brasileiros querem importar o instituto saxônico do "plea bargain" sem que exista sequer tradução consolidada dessas palavras para o português. O ministro Sergio Moro fala em "solução negociada". Trata-se de aceitar que um réu reconheça sua culpa, negocie um acordo com o Ministério Público e obtenha alguma leniência do juiz.

Muito bonito na teoria, mas a prática será outra. O Brasil importou o mecanismo da delação premiada e criou o monstrinho da doutrina da "Bosta Seca". Em 2015, quando o doleiro Alberto Youssef disse numa audiência em Curitiba que um outro réu mentira em sua delação e ofereceu-se para uma acareação, um procurador disse que "esse é o tipo de coisa que quanto mais mexe, pior fica". Em seguida, ouviu-se: "É igual a bosta seca: mexeu, fede".

(...)

A privacidade de Moro
Em Brasília, o ministro Sergio Moro foi do noviciado ao folclore em menos de dois meses.
Quando lhe perguntaram se, dias antes da edição do decreto que facilitou a posse de armas, encontrou-se com hierarcas da indústria Taurus, deu a seguinte resposta:
"O direito à privacidade, no sentido estrito, conduz à pretensão do indivíduo de não ser foco de observação de terceiros, de não ter os seus assuntos, informações pessoais e características expostas a terceiros ou ao público em geral."

Madame Natasha intrigou-se com a vontade de Moro de ficar fora das vistas do "público em geral". Mandava melhor Armando Falcão, seu antecessor de 1974 a 1979, com o famoso bordão "nada a declarar".
Faltou sorte a Moro. Na mesma semana a Alta Corte do Reino Unido julgou o caso dos endinheirados proprietários de um prédio vizinho ao museu Tate, que reclamavam porque binóculos colocados no terraço devassavam suas casas. O juiz Anthony Mann mandou-os passear e sugeriu que fechassem as cortinas ou baixassem as persianas.

O limite de Guedes
Guedes pode muito, mas não deve mexer com o agronegócio sem combinar com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
A lealdade do pessoal que sustenta a doutora tem uma solidez que não existe na turma do papelório.

Lula em casa
Cresceu a ala de comissários petistas interessados em sondar magistrados para saber como seria recebido um pedido da defesa para que ele fosse transferido para o regime de prisão domiciliar.

Elio Gaspari, jornalista - O Povo