Um cadáver no poder (I)
Por
que ainda há quem siga a Teologia da Libertação? Aparentemente nenhuma
pessoa razoável deveria fazer isso. Do ponto de vista teológico, a
doutrina que o peruano Gustavo Gutierrez e o brasileiro Leonardo Boff
espalharam pelo mundo já foi demolida em 1984 pelo então cardeal Joseph
Ratzinger (v.“Liberation Theology”, 1984, http://www.christendomawake. org/pages/ratzinger/ liberationtheol.htm dois anos depois de condenada pelo Papa João Paulo II (v. Quentin L. Quade, ed.,The Pope and Revolution: John Paul II Confronts Liberation Theology. Washington, D.C., Ethics and Public Policy Center, 1982). Em 1994 o teólogo Edward Lynch afirmava que ela já tinha se reduzido a uma mera curiosidade intelectual (v. “The retreat of Liberation Theology”, The Homiletic & Pastoral Review, 10024, 212-799-2600,https://www.ewtn. com/library/ISSUES/LIBERATE. TXT.
Em 1996 o historiador espanhol Ricardo de la Cierva, que ninguém diria mal informado, dava-a por morta e enterrada (v. La Hoz y la Cruz. Auge y Caída del Marxismo y la Teología de la Liberación, Toledo, Fénix, 1996.
Uma
década e meia depois, ela é praticamente doutrina oficial em doze
países da América Latina. Que foi que aconteceu? Tal é a pergunta que me
faz um grupo de eminentes católicos americanos e que, com certeza,
interessa também aos leitores brasileiros.
Para respondê-la é preciso analisar a questão sob três ângulos:
(1)
A TL é uma doutrina católica influenciada por idéias marxistas ou é
apenas um ardil comunista camuflado em linguagem católica?
(2) Como se articulam entre si a TL enquanto discurso teórico e a TL enquanto organização política militante?
(3) Respondidas essas duas perguntas pode-se então apreender a TL como fenômeno preciso e descrever a especial forma mentis dos seus teóricos por meio da análise estilística dos seus escritos.
À
primeira pergunta tanto o prof. Lynch quanto o cardeal Ratzinger, bem
como inumeráveis outros autores católicos (por exemplo, Hubert
Lepargneur, A Teologia da Libertação. Uma Avaliação, São Paulo, Convívio, 1979, ou Sobral Pinto,Teologia da Libertação. O Materialismo Marxista na Teologia Espiritualista,
Rio, Lidador, 1984), dão respostas notavelmente uniformes: partindo do
princípio de que a TL se apresenta como doutrina católica, passam a
examiná-la sob esse aspecto, louvando suas possíveis intenções
justiceiras e humanitárias mas concluindo que, em essência, ela é
incompatível com a doutrina tradicional da Igreja, e portanto herética
em sentido estrito. Acrescentam a isso a denúncia de algumas
contradições internas e a crítica das suas propostas sociais fundadas
numa arqui desmoralizada economia marxista.
Daí partem para decretar a sua morte, assegurando, nos termos do prof. Lynch, que
“Embora ainda seja atraente para muitos estudiosos americanos e europeus, ela falhou naquilo que os liberacionistas sempre disseram ser a sua missão principal, a completa renovação do catolicismo latino-americano”.
“Embora ainda seja atraente para muitos estudiosos americanos e europeus, ela falhou naquilo que os liberacionistas sempre disseram ser a sua missão principal, a completa renovação do catolicismo latino-americano”.
Todo
discurso ideológico revolucionário pode ser compreendido em pelo menos
três níveis de significado, que é preciso primeiro distinguir pela
análise e depois rearticular hierarquicamente conforme algum desses
níveis se revele o mais decisivo na situação política concreta,
subordinando os demais.
O
primeiro é o nível descritivo, no qual ele apresenta um diagnóstico,
descrição ou explicação da realidade ou uma interpretação de alguma
doutrina anterior. Neste nível o discurso pode ser julgado pela sua
veracidade, adequação ou fidelidade, seja aos fatos, seja ao estado dos
conhecimentos disponíveis, seja à doutrina considerada. Quando o
discurso traz uma proposta definida de ação, pode ser julgado pela
viabilidade ou conveniência dessa ação.
O
segundo é o da autodefinição ideológica, em que o teórico ou
doutrinador expressa os símbolos nos quais o grupo interessado se
reconhece e pelo qual ele distingue os de dentro e os de fora, os amigos
e os inimigos. Neste nível ele pode ser julgado pela sua eficácia
psicológica ou correspondência com as expectativas e anseios da platéia.
O
terceiro é o da desinformação estratégica, que fornece falsas pistas
para desorientar o adversário e desviar antecipadamente qualquer
tentativa de bloquear a ação proposta ou de neutralizar outros efeitos
visados pelo discurso.
No
primeiro nível, o discurso dirige-se idealmente ao observador neutro,
cuja adesão pretende ganhar pela persuasão. No segundo, ao adepto ou
militante atual ou virtual, para reforçar sua adesão ao grupo e obter
dele o máximo de colaboração possível. No terceiro, dirige-se ao
adversário, ou alvo da operação.
Praticamente
todas as críticas de intelectuais católicos à Teologia da Libertação
limitaram-se a examiná-la no primeiro nível. Desmoralizaram-na
intelectualmente, provaram o seu caráter de heresia e assinalaram nela
os velhos vícios que tornam inviável e destrutiva toda proposta de
remodelagem socialista da sociedade.
Se
os mentores da TL fossem católicos sinceramente empenhados em “renovar o
catolicismo latino-americano”, ainda que por meios contaminados de
ideologia marxista, isso teria bastado para desativá-la por completo.
Uma vez que esse tipo de análise crítica saiu das meras discussões
intelectuais para tornar-se palavra oficial da Igreja, com o estudo do
Cardeal Ratzinger em 1984, a TL podia considerar-se, sob esse ângulo,
extinta e superada.
Leiam agora este depoimento
do general Ion Mihai Pacepa, o oficial de mais alta patente da KGB que
já desertou para o Ocidente, e começarão a entender por que a
desmoralização intelectual e teológica não foi suficiente para dar cabo
da TL (v. “Kremlin’s religious Crusade”, em Frontpage Magazine, junho de 2009, http://archive.frontpagemag. com/readArticle.aspx?ARTID= 35388 Em 1959, como chefe da espionagem
romena na Alemanha Ocidental, o general Pacepa ouviu da própria boca de
Nikita Kruschev: “Usaremos Cuba como trampolim para lançar uma religião
concebida pela KGB na América Latina.”
O depoimento prossegue:“Khrushchev
nomeou ‘Teologia da Libertação’ a nova religião criada pela KGB. A
inclinação dela para a ‘libertação’ foi herdada da KGB, que mais tarde
criou a Organização para a ‘Libertação’ da Palestina (OLP), o Exército
de ‘Libertação’ Nacional da Colômbia (ELN), e o Exército de ‘Libertação’
Nacional da Bolívia. A Romênia era um país latino, e Khrushchev queria
nossa “visão latina” sobre sua nova guerra de “libertação” religiosa.
Ele também nos queria para enviar alguns padres que eram cooptadores ou
agentes disfarçados para a América Latina – queria ver como “nós”
poderíamos tornar palatável para aquela parte do mundo a sua nova
Teologia da Libertação.
“Naquele momento a KGB estava construindo uma nova organização religiosa internacional em Praga, chamada “Christian Peace Conference” (CPC), cujo objetivo seria espalhar a Teologia da Libertação pela América Latina.
“Em 1968, o CPC – criado pela KGB – foi capaz de dirigir um grupo de bispos esquerdistas sul-americanos na realização de uma Conferência de Bispos Latino-americanos em Medellín, na Colômbia. O propósito oficial da Conferência era superar a pobreza. O objetivo não declarado foi reconhecer um novo movimento religioso, que encorajasse o pobre a se rebelar contra a ‘violência da pobreza institucionalizada’, e recomendá-lo ao Conselho Mundial de Igrejas para aprovação oficial. A Conferência de Medellín fez as duas coisas. Também engoliu o nome de batismo dado pela KGB: ‘Teologia da Libertação.’”
“Naquele momento a KGB estava construindo uma nova organização religiosa internacional em Praga, chamada “Christian Peace Conference” (CPC), cujo objetivo seria espalhar a Teologia da Libertação pela América Latina.
“Em 1968, o CPC – criado pela KGB – foi capaz de dirigir um grupo de bispos esquerdistas sul-americanos na realização de uma Conferência de Bispos Latino-americanos em Medellín, na Colômbia. O propósito oficial da Conferência era superar a pobreza. O objetivo não declarado foi reconhecer um novo movimento religioso, que encorajasse o pobre a se rebelar contra a ‘violência da pobreza institucionalizada’, e recomendá-lo ao Conselho Mundial de Igrejas para aprovação oficial. A Conferência de Medellín fez as duas coisas. Também engoliu o nome de batismo dado pela KGB: ‘Teologia da Libertação.’”
Ou seja, em suas linhas essenciais, a idéia da TL veio pronta de Moscou três anos antes de que o jesuíta peruano Gustavo Gutierrez, com o livro Teología de la Liberación(Lima, Centro de Estudios y Publicaciones, 1971), se apresentasse como seu inventor original, decerto com a aprovação de seus verdadeiros criadores, que não tinham o menor interesse num reconhecimento público de paternidade. O tutor da criança, Leonardo Boff, entraria em cena ainda mais tarde, não antes de 1977. Até hoje as fontes populares, como por exemplo a Wikipedia, repetem como papagaios adestrados que o Pe. Gutierrez foi mesmo o gerador da coisa e o sr. Boff seu segundo pai.
Escrito por Olavo de Carvalho e publicado no Diário do Comércio.
http://olavodecarvalho.org
http://olavodecarvalho.org