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sexta-feira, 28 de maio de 2021

UMA UTOPIA GENEROSA E PERIGOSA - Percival Puggina

Às vezes encontro pessoas cuja posição política conheço e me surpreendem repetindo o falatório da oposição, afirmando que o Bolsonaro isso, o Bolsonaro aquilo, apontando mancadas do presidente. Alguns ilustram o que dizem mencionando danos supostamente causados por ele à imagem do Brasil. Isso é referido como se tais danos não tivessem outras causas, ou como se o refinamento de Lula e a fulgor intelectual de Dilma tivessem sido ofuscados pelos modos toscos do atual chefe do poder executivo. Não raro, indicam como novidade, o racha da sociedade brasileira. “Vivemos um maniqueísmo”, exclamam.

Sei que esses interlocutores, tanto quanto eu, conhecem os males em médio prazo insanáveis que o falso progressismo causou ao Brasil. A obra de ocupação do território educacional e cultural já conta várias décadas e permanece abertamente operacional. Mais do que na degradação moral causada pela transformação do velho patrimonialismo em um conjunto de organizações criminosas, certamente é nesses dois setores conexos – educação e cultura – que se desenrola sua atividade mais perniciosa.

Sempre que denuncio o mal causado por Paulo Freire à juventude brasileira, esquerdistas me contestam mencionando as luzes que a ribalta companheira ou camarada ainda hoje acende para ele no cenário internacional. Falam da experiência alfabetizadora de Angicos e alegam que seu método nunca foi aplicado no Brasil. Também em Angicos, aliás, passados os 40 dias da aparatosa exibição, os alunos avaliados em alfabetização e politização saíram-se melhor nesta do que naquela. A política em primeiro lugar...

O estrago causado por Paulo Freire, sempre esteve em ter capturado para a pedagogia o que havia de mais destrutivo na filosofia, na sociologia e no pensamento político de seu tempo. Tanto foram e permanecem extensivos e dominantes esses paradigmas que a atrasada e decadente Educação em nosso país o tem por patrono! Como unir esforços com trabalhadores em educação?

O maniqueísmo que alguns almejam derrotar não é obra dos conservadores e liberais brasileiros, politicamente omissos até 2014. Com persistência que faz lembrar os construtores de grandes muralhas, os falsos progressistas foram dividindo a nação como obra das próprias mãos. Sem encontrar resistências! Estas só surgiram quando conservadores e liberais, olhando os escombros da sociedade, se perceberam maioria irresponsavelmente omissa, silenciosa e derrotada.

O enfrentamento hoje instalado no Brasil precisa se manter nos âmbitos devidos – da cultura, da educação e da política – para que maiores males sejam evitados. Portanto, atenção, leitor: entrar nesse contexto com apito na boca, com a neutralidade e o desinteresse dos árbitros em relação ao resultado da partida, ou querer encerrar o jogo para uma imaginária confraternização dos “atletas” é generosa, inútil e, como sempre, perigosa utopia. Deus abençoe e fortaleça os conservadores e liberais brasileiros.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


domingo, 17 de fevereiro de 2019

'Pragmatismo para crescer'

Jair Bolsonaro e seus ministros falam menos sobre modernização e dinamização da economia do que sobre questões ideológicas e de costumes. 

Eles deveriam ler com atenção a ata do Copom


Inflação controlada e juros baixos são condições para uma economia saudável, mas crescimento de longo prazo, com expansão segura dos negócios e do emprego, envolve muito mais que isso, como lembram os diretores do Banco Central (BC) na ata da última reunião de seu Comitê de Política Monetária (Copom). O lembrete é especialmente oportuno, porque pouco se têm mencionado metas mais ambiciosas que a arrumação do Orçamento e a reforma da Previdência. Estas são tarefas de enorme importância, sem dúvida, mas qualquer pauta econômica para o Brasil, neste momento, tem de ser muito mais ampla. O presidente Jair Bolsonaro e seus ministros continuam falando muito menos sobre modernização e dinamização da economia do que sobre questões ideológicas e de costumes.

Os desafios diante do governo são postos em adequada perspectiva na ata do Copom. As principais tarefas são tratadas em duas etapas, como deveriam ser num verdadeiro plano de governo. Primeiro ponto: a retomada econômica só ganhará maior velocidade se diminuírem as incertezas quanto aos ajustes e reformas, notadamente os de natureza fiscal. Quando houver maior segurança em relação ao conserto do Orçamento e à implementação da reforma previdenciária, os mercados proporcionarão maior impulso às atividades. Mas será preciso algo mais para o País ir além da recuperação. Isto leva ao segundo ponto: os membros do Copom destacaram também a importância de iniciativas para elevar a produtividade, proporcionar ganhos de eficiência, tornar a economia mais flexível e melhorar o ambiente de negócios. 

O presidente e sua equipe raramente se ocupam desses temas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, ocasionalmente se refere à simplificação de procedimentos, à redução de impostos e à melhora do ambiente de negócios, mas sem dar detalhes e sem explorar outros tópicos. Mesmo quando se refere a esses pontos, seu discurso é marcadamente ideológico. Numa entrevista ao jornal Financial Times, por exemplo, ele usou a palavra perestroika. Em seu discurso, a dinamização da economia brasileira parece depender de uma reestruturação semelhante à da Rússia quando se abandonou o regime soviético. A singeleza pode ser uma virtude, mas nesse caso é preocupante e um tanto assustadora. 

Não é preciso ter um doutorado em economia para perceber as enormes diferenças entre a Rússia soviética e o Brasil. Nunca houve na história da república brasileira, mesmo nas fases mais autoritárias, barbaridades comparáveis às da União Soviética. Mas também nunca houve produção científica e tecnológica nem educação fundamental semelhantes.  Educação e tecnologia são componentes fundamentais de qualquer pauta de modernização da economia brasileira, mas a relação entre escola e desenvolvimento parece continuar fora das preocupações do governo. O ministro da Educação continua aparentemente fascinado pela ideia de livrar a educação de um imaginário domínio marxista e, naturalmente, de uma perversa preocupação com questões de gênero. O ministro tem-se mostrado disposto, também, a corrigir os maus modos de uma antropofágica – em sua visão – juventude brasileira. 

A pauta indicada pelos membros do Copom tem um objetivo muito mais prosaico: elevar o potencial de crescimento da economia brasileira e aproximá-lo, portanto, dos padrões observados entre países emergentes mais dinâmicos. Isso envolve formação de capital humano, investimentos para ampliar e tornar mais eficiente a infraestrutura, incentivos à pesquisa, financiamento mais amplo e mais barato ao setor privado e integração nas cadeias globais de produção. Sem esse esforço, o Brasil estará condenado a crescer, como indicam as projeções correntes, míseros 2% ou 3% anuais. 

Ao insistir na realização de ajustes e reformas e na preservação da confiança do mercado, a equipe do Copom meramente aponta passos iniciais e indispensáveis à busca de quaisquer objetivos mais ambiciosos. O presidente e sua equipe deveriam ler com atenção a ata do Copom, um pequeno manual de pragmatismo.

Editorial - O Estado de S. Paulo