J. R. Guzzo
O STF já resolveu há muito tempo que a lei brasileira não se aplica a Bolsonaro e aos seus aliados
A anulação do indulto que o ex-presidente Jair Bolsonaro concedeu ao ex-deputado Daniel Silveira é um ato de vingança do Supremo Tribunal Federal;
não tem nada a ver com a lei.
São atos de vingança as apreensões do seu
celular e do seu passaporte. É um ato de vingança a prisão do oficial
do Exército que foi ajudante de ordens do ex-presidente, e que, pelo
Estatuto dos Militares, só poderia ter sido preso em flagrante.
É um ato
de vingança continuado a prisão do ex-secretário de Segurança de
Brasília, por suspeita de omissão nos ataques aos palácios dos três
Poderes no dia 8 de janeiro.
É um ato de vingança a decisão do STF de
criar no Brasil a sua própria lei de censura para a internet; já que a
Câmara dos Deputados não aprovou o projeto de censura que o governo Lula
quis impor ao País, em seu maior fiasco político até agora, o
“cala-boca” oficial, como costuma dizer uma das ministras, virá por
ordem direta do tribunal supremo.
Como achar que um país onde o poder público governa pela desforra e uma polícia cada vez mais parecida com a KGB, em vez de obedecer à Constituição e às leis, é uma democracia? Não é.
O
caso do indulto anulado não faz nenhum nexo, nem do ponto de vista
jurídico nem do ponto de vista da lógica comum.
A anulação foi decidida
pelo ministro Alexandre de Moraes; quase todos os outros ministros, como
se fossem um partido político que vota igual ao chefe numa “questão
fechada” (e tudo o que Moraes decide é questão fechada), concordaram com
ele.
Mas o indulto era perfeitamente legal; não podia ser julgado, nem
eliminado. Ninguém aqui é “jurista” para ficar dizendo isso; o ministro,
aliás, deixou claro no julgamento que cidadãos “não juristas” não têm
direito de tocar no assunto.
Mas quem disse que o perdão presidencial é
legítimo foi o próprio Alexandre de Moraes. “O ato de clemência é
privativo do presidente da República”, afirmou ele em plenário, anos
atrás. “Podemos gostar ou não gostar, mas o ato não desrespeita a
separação de Poderes. Não é uma ingerência ilícita na política
criminal.”
Em suma, segundo o ministro: o perdão, de qualquer tipo, é uma prerrogativa legal do presidente. Por que deixou de ser?
Deixou
de ser porque o presidente em questão é Bolsonaro, e o STF já resolveu
há muito tempo que a lei brasileira não se aplica a ele e aos seus
aliados.
A Constituição obriga a aplicar – mas o ex-presidente é de
“direita”, e a extinção da “direita” se tornou uma questão de “interesse
nacional”, que se coloca acima de qualquer preceito legal. Em seu nome,
ficam valendo a censura, a supressão de direitos e a transformação do
Brasil num estado policial.
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo