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terça-feira, 24 de julho de 2018

Escapando do pior, até aqui



Num país com as finanças oficiais em mau estado, qualquer notícia positiva sobre as contas do governo é bem-vinda

Podia ser pior. Com o otimismo possível, isso qualifica a folga recém-descoberta de R$ 14 bilhões nas finanças públicas. Ou sobre o início da recuperação da economia depois do desastre de maio. A folga, se confirmada, permitirá fechar 2018 com um buraco pouco menor que o previsto no começo do ano para as contas do setor público. Nesse caso, o déficit primário diminuirá dos R$ 161,3 bilhões fixados como limite para R$ 147,3 bilhões. Isso ainda estará longe de um resultado razoável. E o quadro completo será muito mais feio. Ao déficit primário ainda será preciso juntar os juros vencidos e rolados, porque nem um centavo sobrará para cobrir o custo da enorme e crescente dívida pública. Quanto aos sinais de recuperação da atividade a partir de junho, depois de encerrado o bloqueio de estradas, falta ver o conjunto. Alguns números devem ter melhorado, mas as previsões de crescimento em 2018 permanecem abaixo de 2%.

Qualquer notícia positiva sobre as contas de governo é bem-vinda, num país com as finanças oficiais em muito mau estado, com gastos obrigatórios crescentes e uma dívida oficial muito mais pesada que a de todos, ou quase todos, os demais emergentes. É compreensível o tom otimista da secretária executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, ao mencionar “uma percepção de resultado fiscal sob controle e riscos fiscais bastante baixos”. Mas só se pode falar de riscos bastante baixos em relação a este ano.
Com apertos e algum aumento de receita será possível, talvez com alguma folga, respeitar a meta de déficit primário e o teto de gastos. Não se poderá sequer aproveitar toda a folga para maiores gastos, por causa do teto constitucional, e essa restrição é particularmente vantajosa, para o País, num ano de eleição presidencial.

A rigor, usar a palavra “folga” é quase uma licença de linguagem, porque as contas públicas – e isso vale principalmente para as do governo central – continuarão com déficit primário por muitos anos, provavelmente até 2022 ou 2023, de acordo com as projeções correntes. O primeiro ano do próximo governo será especialmente desafiador. Por isso, qualquer imprudência do novo presidente poderá levar o País a uma crise de longa duração.

Um crescimento econômico mais acelerado poderá tornar pouco menos difícil o trabalho do novo governo. Com receita maior será mais fácil conter o déficit primário e tornar menos demorado o ajuste das contas públicas, se o presidente resistir à tentação da gastança ou às pressões para abrir o cofre. Dificilmente um populista seguirá esse caminho. Se agir, como seria previsível, com irresponsabilidade, poderá promover uma festa de curta duração e de custo catastrófico.

De toda forma, as perspectivas de aumento do Produto Interno Bruto (PIB), neste e nos próximos anos, são muito modestas. Mencionando sinais de melhora depois do desastre de maio, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Fábio Kanczuk, falou de uma recuperação em “V”, isto é, muito rápidaPode ter ocorrido uma forte retomada em alguns setores, mas os efeitos da paralisação do transporte rodoviário em maio podem ser mais prolongados do que se tem previsto. O impasse na entrega de insumos para agricultura é um indício de problemas persistentes. Economistas do próprio governo mostraram-se pouco otimistas ao divulgar, juntamente com a revisão bimestral das contas públicas, uma projeção de aumento do PIB de apenas 1,5% em 2018. Essa é a mesma estimativa do mercado, incluída na última pesquisa Focus do Banco Central

As projeções para os próximos anos são melhores, mas ficam em 2,50% anuais entre 2019 e 2021. Os 2,50% equivalem aproximadamente ao potencial de expansão estimado se o investimento produtivo continuar baixo e pouco se fizer para tornar o País mais produtivo. Esse número ainda embute algum otimismo: mesmo um desempenho medíocre só será possível com algum controle das contas públicas e da dívida. Um governo populista poderá produzir algo pior que esse quadro de mediocridade.

Editorial - O Estado de S. Paulo