Num país com as finanças oficiais em mau estado, qualquer notícia positiva sobre as contas do governo é bem-vinda
Podia ser
pior. Com o otimismo possível, isso qualifica a folga recém-descoberta de R$ 14
bilhões nas finanças públicas. Ou sobre o início da recuperação da economia
depois do desastre de maio. A folga, se confirmada, permitirá fechar 2018 com
um buraco pouco menor que o previsto no começo do ano para as contas do setor
público. Nesse caso, o déficit primário diminuirá dos R$ 161,3 bilhões fixados
como limite para R$ 147,3 bilhões. Isso ainda estará longe de um resultado
razoável. E o quadro completo será muito mais feio. Ao déficit primário ainda
será preciso juntar os juros vencidos e rolados, porque nem um centavo sobrará
para cobrir o custo da enorme e crescente dívida pública. Quanto aos sinais de
recuperação da atividade a partir de junho, depois de encerrado o bloqueio de
estradas, falta ver o conjunto. Alguns números devem ter melhorado, mas as
previsões de crescimento em 2018 permanecem abaixo de 2%.
Qualquer
notícia positiva sobre as contas de governo é bem-vinda, num país com as
finanças oficiais em muito mau estado, com gastos obrigatórios crescentes e uma
dívida oficial muito mais pesada que a de todos, ou quase todos, os demais
emergentes. É compreensível o tom otimista da secretária executiva do
Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, ao mencionar “uma percepção de
resultado fiscal sob controle e riscos fiscais bastante baixos”. Mas só se pode
falar de riscos bastante baixos em relação a este ano.
Com
apertos e algum aumento de receita será possível, talvez com alguma folga,
respeitar a meta de déficit primário e o teto de gastos. Não se poderá sequer
aproveitar toda a folga para maiores gastos, por causa do teto constitucional,
e essa restrição é particularmente vantajosa, para o País, num ano de eleição
presidencial.
A rigor,
usar a palavra “folga” é quase uma licença de linguagem, porque as contas
públicas – e isso vale principalmente para as do governo central – continuarão
com déficit primário por muitos anos, provavelmente até 2022 ou 2023, de acordo
com as projeções correntes. O primeiro ano do próximo governo será
especialmente desafiador. Por isso, qualquer imprudência do novo presidente
poderá levar o País a uma crise de longa duração.
Um
crescimento econômico mais acelerado poderá tornar pouco menos difícil o
trabalho do novo governo. Com receita maior será mais fácil conter o déficit
primário e tornar menos demorado o ajuste das contas públicas, se o presidente
resistir à tentação da gastança ou às pressões para abrir o cofre. Dificilmente
um populista seguirá esse caminho. Se agir, como seria previsível, com
irresponsabilidade, poderá promover uma festa de curta duração e de custo
catastrófico.
De toda
forma, as perspectivas de aumento do Produto Interno Bruto (PIB), neste e nos
próximos anos, são muito modestas. Mencionando sinais de melhora depois do
desastre de maio, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda,
Fábio Kanczuk, falou de uma recuperação em “V”, isto é, muito rápida. Pode ter
ocorrido uma forte retomada em alguns setores, mas os efeitos da paralisação do
transporte rodoviário em maio podem ser mais prolongados do que se tem
previsto. O impasse na entrega de insumos para agricultura é um indício de
problemas persistentes. Economistas do próprio governo mostraram-se pouco
otimistas ao divulgar, juntamente com a revisão bimestral das contas públicas,
uma projeção de aumento do PIB de apenas 1,5% em 2018. Essa é a mesma
estimativa do mercado, incluída na última pesquisa Focus do Banco Central.
As
projeções para os próximos anos são melhores, mas ficam em 2,50% anuais entre
2019 e 2021. Os 2,50%
equivalem aproximadamente ao potencial de expansão estimado se o investimento
produtivo continuar baixo e pouco se fizer para tornar o País mais produtivo.
Esse número ainda embute algum otimismo: mesmo um desempenho medíocre só será
possível com algum controle das contas públicas e da dívida. Um governo populista
poderá produzir algo pior que esse quadro de mediocridade.
Editorial - O Estado de S. Paulo
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