Análise Política
Se os atos de rua no 1º de maio não chegaram a impressionar
pelos números, notou-se a direita mobilizando mais gente que a esquerda.
Tem sido recorrente, e a direita traz esse fato para lançar dúvidas
sobre as pesquisas de intenção de voto que mostram a esquerda liderando a
corrida pelo Palácio do Planalto. [entendemos que as pesquisas atuais não merecem credibilidade e são 'adequadas' aos interesses da esquerda - são tão absurdas, tão sem crédito, que sequer merecem perder tempo desacreditando-as.]Argumento relativo, pois quem vai
para a rua, nos dois lados do espectro político, é uma fração residual
do eleitorado.
Mas é inquestionável que, desde
meados da década passada, a direita vem superando a esquerda na
capacidade de mobilização. O traço novo da conjuntura brasileira no
período recente tem sido o surgimento de uma direita de massas. André
Singer, em artigo na revista do Centro de Estudos de Opinião Pública da
Unicamp, tratou da reativação desse fenômeno.
O passado
registrou ensaios (o Integralismo) e sístoles pontuais (Marcha da
Família com Deus pela Liberdade). Mas nada que se compare a agora.
Fica
para os especialistas explicar o porquê, e não custa especular sobre a
novidade. Ela deve ter raízes materiais, com destaque para a
transformação de boa parte da antiga classe operária em uma nova “classe
média”. Mas seria reducionista limitar a explicação às bases objetivas.
O
estudo do Brasil do século 20 mostra que os momentos mais férteis da
esquerda não foram impulsionados pela propaganda e agitação da luta de
classes. Eles vieram embalados em duas consignas herdadas da Revolução
Francesa, liberdade e igualdade, e outras duas nascidas de uma visão
anticolonial de mundo, soberania e desenvolvimento.
Ciro
Gomes (PDT) ainda procura fazer do desenvolvimento um ponto de apoio
para tentar mover o mundo da eleição, e no chamado campo progressista é
só. Num certo ponto da história por aqui, a luta contra o
subdesenvolvimento e pelo desenvolvimento adicionou, com razão, o
“sustentável”. Com o tempo, o lado desenvolvimentista foi desaparecendo.
Hoje reina, absoluta, a sustentabilidade. “Desenvolvimentista” virou
xingamento nos círculos ilustrados do progressismo.
Progressismo
que hoje se debate na armadilha de precisar explicar como vai combater a
pobreza sem colocar o desenvolvimento no centro das preocupações.
Desenvolvimento
não é tampouco expressão frequentadora das narrativas da direita. Feita
a ressalva, é obrigatório notar que esta agarrou, sem medo de ser
feliz, os outros três estandartes. A liberdade, com o “gancho” óbvio da
liberdade de expressão, a igualdade, em oposição ao culto das diferenças
como critério de empoderamento, e a defesa da soberania nacional,
contra o “globalismo”.
O surgimento de uma
direita de massas por aqui, e não só por aqui, coincide com o esforço
hercúleo da esquerda para se reinventar e remaquiar por critérios
socialmente aceitáveis pelo pensamento hegemônico neste início de século
21. E, na guerra pelos símbolos e valores, a direita vai pegando as
bandeiras que a esquerda deixa pelo chão. Será interessante acompanhar e
ver onde isso vai dar.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
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Publicado na revista Veja de 11 de maio de 2022, edição nº 2.788