Elites adoram quando mais pessoas voam e entram na universidade porque são donas de faculdades e de companhias aéreas
Lula repetiu
em seu último discurso: estava sendo preso porque promove os pobres
contra os ricos, já que estes, das elites, odeiam quando os pobres
melhoram de vida.
Demagógico e falso. Falso porque os ricos adoram quando mais pessoas, pobres ou não,
entram nas faculdades, especialmente as particulares, e viajam de avião.
Isso mesmo, adoram, porque as elites são donas das escolas, cujas ações
subiram às nuvens com os programas de financiamento e bolsas pagas pelo
governo. Assim como são donas das companhias aéreas - e dos hotéis e
das lojas - cuja demanda disparou nos anos de ouro dos países
emergentes.
Verdade que a vida dos pobres melhorou nos anos do governo
Lula. Mas melhorou em todo o mundo emergente, dando origem a nova
classe média. Isso resultou de uma feliz combinação de crescimento
global, que puxou a demanda e os preços das commodities, com políticas
econômicas que preservaram a estabilidade da moeda e das contas
públicas. Ou seja, não é que o Brasil de Lula cresceu porque ele
aplicou políticas a favor dos mais pobres. Foi um puro ciclo de expansão
capitalista, baseada na renda das comodities (soja, minério de ferro,
carnes) e na ampliação do consumo, via renda e crédito. Isso aconteceu
no Brasil, na Índia, no Chile, na Tailândia, no Peru e por todos os
países parecidos.
Os capitalistas adoraram. O agronegócio decolou, a
indústria automobilística dobrou sua capacidade, os shoppings se
multiplicaram, as vendas no varejo esquentaram. A diferença entre os governos do PT, Lula e Dilma, foi
para pior. Reparem: na época de ouro, primeira década dos anos 2000,
todos os emergentes cresceram forte. Depois da crise financeira global, o
Brasil teve uma breve recuperação e depois afundou numa crise de
recessão e inflação alta. Isto, sim, foi inédito. Tirante os
bolivarianos Venezuela e Argentina, isso não aconteceu em nenhum outro
emergente importante. Todos mantiveram um nível de crescimento, ainda
que menor, e mantiveram a estabilidade da moeda e equilíbrio das contas
públicas, com juros baixos, muito baixos.
Como os governos petistas conseguiram estragar tudo? Porque o dinheiro público acabou e a renda externa das comodities
caiu. Lula do segundo mandato, Dilma, seus economistas e estrategistas
continuaram acreditando que ampliar o número de beneficiados do Bolsa
Família e elevar o salário mínimo, mandando os bancos públicos conceder
crédito a torto e a direito - isso seria a mágica do eterno bem estar. Quando as famílias, endividadas e vítimas dos juros
altíssimos, para combater uma inflação crescente, pararam de consumir,
Lula colocou a culpa no ódio dos ricos. Ora, os ricos estavam bravos era com a recessão. Quiseram
se livrar do governo Dilma porque a gestão petista estava tirando os
pobres das faculdades, dos aviões e das lojas.
Não foi porque Lula atacou os capitalistas. Mas porque
estabeleceu uma relação espúria com boa parte do capital. Foi a perversa
combinação de capitalismo de estado com capitalismo de amigos, cujo
resultado é corrupção e ineficiência. Isso não foi novo. Está nos
livros. Acontece assim: o governo amplia seu controle na economia,
via estatais, aumento do gasto público direto e regulações, que dirigem
crédito favorecido e isenção de impostos para setores selecionados. O
governo entrega obras, compra serviços e mercadorias - de remédios e
pontos de exploração de petróleo - das empresas amigas. Estas cobram
preço superfaturado e devolvem parte de seus ganhos para os que
controlam o governo. O governo petista não foi o governo dos ricos. Foi o
governo de parte dos ricos, os seus amigos. Quem mais se beneficiou não
foi o pobre do Nordeste, mas a maior empresa nacional, a Odebrecht,
levada por Lula (e pelo BNDES) a se tornar uma multinacional de obras e
de corrupção.
O pobre do Nordeste ganhou mais Bolsa Família, mas não foi
isso que o levou para a classe D. Foi a expansão das comodities, o
crescimento e a consequente geração de empregos. Essas pessoas voltaram à pobreza com a recessão e inflação
- e, sobretudo, com a destruição de estatais como a Petrobras e
Eletrobras. Estas foram levadas a gastar recursos de que não dispunham e
obrigadas a entrar no maior esquema de corrupção do mundo emergente, um
verdadeiro produto brasileiro de exportação. A corrupção também foi global, mas pelo menos os governos de outros países mantiveram uma estabilidade macroeconômica.
Por aqui, ainda bem que surgiu a Lava Jato. Ao contrário
do que diz Lula, não se trata da reação dos ricos contra os pobres. A
Lava Jato só pega ricos - e de todos os lados da política. E o povo não foi às ruas para defender Lula. De algum
modo, entendeu que salvar Lula nesse processo é como salvar Odebrecht,
Temer, Renan, Aécio e por aí vai.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista