Se até o vice é ‘vermelho’, a intenção é criar inimigos para viver guerreando nas redes
A melhor frase de todos os dias carnavalescos e de todas essas
inacreditáveis confusões que o governo cria contra ele mesmo partiu do
cada vez mais bem-humorado vice Hamilton Mourão: “O Olavo de Carvalho
agora acha que sou comunista. Paciência...”. O poder dos “olavetes” vem exatamente daí, da criação de inimigos
imaginários: comunistas, esquerdopatas, vermelhos, petistas e lulistas.
Quanto mais inimigos, mais eles justificam sua influência no governo de
Jair Bolsonaro e mais atiçam suas tropas nas redes sociais.
Assim, somos todos vermelhos, o vice-presidente, os oito ministros
militares, as TVs, os rádios, os jornais, as revistas e os jornalistas.
Não conseguimos sequer entender o governo cutucando a China para agradar
a Donald Trump e o chanceler Ernesto Araújo voltando no tempo para
atacar a “China Maoista” que ameaça o Ocidente. O mais incrível, porém, é como essa besteirada consome a energia e o
tempo do presidente da República, tendo de arbitrar ora em favor de
Olavo de Carvalho e seus seguidores, que vivem criando tumultos
desnecessários e falsas crises, ora em favor de Mourão e os ministros
militares, que não criam confusão e ainda têm de consertar o tempo todo
as confusões geradas pelos “olavetes” e pelo próprio Bolsonaro.
Muitos perguntam de onde vem todo esse poder de Olavo de Carvalho e o
que ele é de fato. Filósofo, astrólogo, agitador, mentor, líder ou guru?
Sabe-se lá, mas uma coisa é certa: ele manda muito no governo. Por quê?
Porque tem forte influência sobre os três filhos de Bolsonaro, o 01, o
02 e o 03. Graças a essa aproximação, foi Olavo de Carvalho quem, morando no
distante Estado da Virgínia, nos EUA, conseguiu alçar o embaixador
júnior Ernesto Araújo a chanceler e o teólogo Ricardo Vélez Rodríguez a
ministro da Educação. São duas áreas superestratégicas,
importantíssimas, e viraram foco de problemas, críticas e fofocas.Talvez por isso o “comunista” Hamilton Mourão tenha sido chamado para
escorar Araújo. Vai ver o vice está doido para trazer de volta o petista
Celso Amorim! Aliás, o vice e os ministros Augusto Heleno, Santos Cruz,
quem sabe o porta-voz, Otávio do Rêgo Barros? A turma vermelha...
Na Educação, a coisa está pegando fogo, depois que o Planalto mandou
rebaixar os “olavetes” para postos acessórios e o mentor, líder, guru ou
o que seja não gostou e mandou todo mundo cair fora. Em pleno domingo, o presidente chamou Vélez Rodríguez ao Palácio da
Alvorada e mandou exonerar o coronel da FAB Wagner Roquetti da Direção
de Programas da Secretaria Executiva do MEC. Soou assim: se afastaram os
outros, afaste-se também o opositor deles. Zero a zero. E a Educação?!
Pelo Twitter, vício do governo, Vélez agradeceu a Roquetti “pelo seu
desempenho” e pelo “decidido apoio à gestão e preservação da lisura na
administração dos recursos públicos”. Ficou a dúvida: se é assim tão
bom, por que então foi exonerado? Enquanto o pau quebra entre Olavo de Carvalho e Hamilton Mourão e entre
“olavetes” e militares, os filhos do presidente e o próprio presidente
continuam fingindo que não há nada errado no governo, guerreando pela
internet e atirando contra a mídia e os jornalistas.
O caso da colega Constança Rezende é exemplar: foi uma armação com
efeito bumerangue. Um “estudante” pede ajuda para um trabalho; um
“jornalista” publica o texto no exterior deturpando o que foi dito; um
site bolsonarista reproduz a versão farsesca no Brasil; o presidente
repercute pelas redes sociais. Presidente, seu problema não é a imprensa nem os jornalistas, que apenas
publicam os problemas que o senhor e seu entorno criam e amplificam. O
inimigo mora ao lado.
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo