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domingo, 2 de agosto de 2020

Desaforo contra cristãos? Chega

Madeleine Lacsko

Cristãos brasileiros não querem mais invisibilidade nem levar desaforo para casa

A patrulha progressista vai ter de calçar as sandálias da humildade e tratar evangélicos como seres humanos.

"Não me venha com isso de psicanálise que, para mim, é igreja de rico." A frase de Manoel Fernandes, dono da Bites, uma das mais respeitadas consultorias de Big Data do Brasil, arrancou risadas da platéia forrada de intelectuais em uma palestra na PUC. As pessoas talvez tenham gargalhado pelo inusitado, pelo saboroso sotaque nordestino do palestrante e pela reação debochada de Luiz Felipe Pondé à provocação. O fato é que na maioria dos ambientes intelectualizados do Brasil, você pode acreditar em psicanálise e até em astrologia, tarô, runas, ler borra de café na xícara mas, se for evangélico, é imbecil. (Diga-se de passagem, não no Labô da PUC, um dos poucos locais em que evangélicos têm sua intelectualidade respeitada na academia brasileira.)

O fenômeno de julgar inteligente ou mesmo aceitável a ideia de resumir a natureza humana à racionalidade é recente. A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, estabelece em seu artigo 18 que a religião é parte da dignidade humana. Proibir alguém de ter religião ou de manifestar sua religiosidade em privado ou em público é violação de Direitos Humanos. Essa proibição não é só colocar uma arma na cabeça, mas constranger, difamar, ridicularizar ou gerar consequências nefastas para quem o faz. Já experimentou entrar num Centro Acadêmico da USP ou mesmo num encontro de ativistas de Direitos Humanos e dizer que é crente? Boa sorte. "Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos", diz o artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

Vemos ateus reclamando, muitas vezes até com razão, da discriminação por não acreditarem em Deus - o que, afinal, é direito deles. Esquecem, no entanto, que batem como leões e apanham como gatinhos. A massa cristã brasileira sabe que precisa calar sobre sua religiosidade se quiser ter chances de ser levada a sério na universidade e na profissão. Entre os intelectuais existe a predominância do pensamento de que evangélicos são todos estúpidos. Não que esse pessoal conheça evangélicos, estude o assunto ou já tenha pisado numa igreja. Provavelmente eles viram alguns televangelistas e misturaram no poço de arrogância e preconceito que cultivam na alma.

Com a chegada de muitos evangélicos ao poder, a fé cristã passou a ser associada a uma vertente política, como se fosse possível submeter o mais sublime da alma humana - que é a experiência individual da fé - a qualquer coisa do mundo racional. Há muitos evangélicos na direita porque esta vertente política foi a que primeiro considerou a hipótese de evangélicos também serem humanos e abriu espaço para uma pauta de costumes em comum. E desse movimento vêm duas distorções. A primeira é a ideia de que cristianismo tem a ver com a direita. A segunda, bem mais divertida, é a "conversão" recente de vários ateus com sede de poder. Amo perguntar onde congregam e ouvir de volta: "como assim, congrega?". Gente que nunca pisou numa igreja agora se diz cristã para se aproximar de poderosos.

    Mas o fato é que a esmagadora maioria da população brasileira é cristã. [Informando o óbvio: a classificação "cristãos", inclui todos que acreditam em Jesus Cristo, no Cristianismo, na Doutrina Cristã, professam a Fé Cristã, o que inclui, sem limitar, católicos e evangélicos.] E, com o crescimento da população evangélica e a chegada de vários evangélicos a postos de poder, os cristãos já tem força para dizer que estão cansados de ouvir deboche e serem tratados como piada.

Há cristãos em todos os segmentos da sociedade brasileira, mas há respeito apenas em nichos muito específicos. O mais respeitado por intelectuais e progressistas é o dos não-praticantes que só não se dizem ateus por causa do preconceito da família. O outro bem aceito é o que frequenta a paróquia mais chique da cidade, no caso da minha São Paulo, a Nossa Senhora do Brasil. O cristão cujo líder religioso faz declarações políticas lacradoras também é respeitado na semana em que essa declaração é feita. Fora isso, todos imbecis, principalmente se for pobre, aí é necessariamente explorado, um coitado. Astrólogo, tarólogo, coach e terapeuta holístico não exploram ninguém, só pastor.

A forma como a ministra Damares Alves é tratada pela imprensa talvez seja o exemplo mais vivo desse preconceito religioso que, aliás, é crime pendurado na Lei do Racismo junto com a homofobia. Ninguém lê o que ela propõe, não se ouve o que ela fala, se confunde pregação antiga da igreja com política, experiências transcendentais de fé são ridicularizadas e está tudo bem. Isso é muito diferente de discordar. Tome-se por exemplo a questão da sexualidade na adolescência e o início da vida sexual. Quantos noticiaram o que está nos documentos e quantos noticiaram o que se imagina que pensem os crentes a respeito do assunto? [A Bíblia Sagrada é, de forma inequívoca, contra o homossexualismo, a sodomia e outras práticas.]

(...)

Ele já começa com uma estocada na turma que gosta de dizer que é do bem mas debocha de evangélico: a matemática. Mostra a conta em que 90% dos brasileiros se dizem cristãos e conclui que é uma sociedade cristã e, na linguagem da esquerda, toda uma "classe trabalhadora" cristã. Liberdade de expressão, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é a de "não ser inquietado" por suas opiniões. Assim funciona também para a religião. Se muita gente pisoteou evangélicos porque eles não tinham força de fazer cumprir seus direitos fundamentais, parece que esta era começa a terminar. Tomara.

Em Vozes - Gazeta do Povo - MATÉRIA COMPLETAMadeleine Lacsko

sábado, 25 de janeiro de 2020

Um governo flertando com o nazismo - IstoÉ - Brasil

Apesar da demissão de Roberto Alvim por causa da imitação de Joseph Goebbels, Jair Bolsonaro é tolerante com ideias de extrema-direita e estimula a guerra cultural

O discurso nazista do ex-secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, que serviu para tirá-lo do cargo na semana passada, mostrou, novamente, que as ideias de extrema-direita circulam com liberdade no governo, e reforçam, de tempos em tempos, suas intenções autoritárias. Parafrasear Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Adolf Hitler, foi só mais uma contribuição nefasta para o esforço doutrinador que o presidente Jair Bolsonaro está levando a cabo no seu mandato. Como sempre acontece em governos com tentação extremista, é pela área cultural e pela educação que se faz o jogo ideológico mais pesado.

 SEMELHANÇA A ordem e a disciplina impostas por Hitler para controlar os alemães sempre pareceram exemplares para Bolsonaro (Crédito: AFP/Hulton Deutsch)

[apontando o óbvio: um Governo conservador e de extrema-direita, por razões óbvias tem que possuir e defender ideias conservadores e de extrema-direita e ser visceralmente contra o maldito politicamente correto, ideias da extrema esquerda, o que inclui, sem limitar, o comunismo.

A cultura no Brasil está doente - uma cultura que tenta se afirmar com imundícies tipo 'queer museu', que entre outras bizarrices cultua a zoofilia,  inserir em revistas HQ INFANTO JUVENIL homens se beijando na boca, expelindo produções culturais ofendendo JESUS CRISTO, buscando destruir a FAMÍLIA, SÓ TEM UM DIAGNÓSTICO: está doente e só uma cirurgia profunda, removendo todos os tumores, é que poderá voltar a ser sadia.
Mais um exemplo: passo a passo, estão difundindo a necessidade de censurar WAGNER.]
Apesar de Bolsonaro ter decidido, afinal, demitir Alvim, ele não demonstrou, a princípio, uma rejeição contundente à sua fala e chegou a dizer para interlocutores mais próximos que todo o barulho criado em torno do assunto era “coisa da esquerda”. Só depois de perceber a reação de repulsa nas mídias sociais e, em especial, da comunidade judaica e de receber um telefonema do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que é judeu, ele tomou sua decisão. A verdade é que se as propostas apresentadas pelo ex-secretário, com fundo musical de Richard Wagner, tivessem sido transmitidas de forma mais palatável e sem a teatralização nazista, elas não estariam tão distantes do que o núcleo mais duro e sectário do Planalto pensa. A ordem e a disciplina impostas por Hitler para controlar a população alemã, com o apoio do trabalho de comunicação de Goebbels, sempre pareceram exemplares para Bolsonaro.

No seu afã de doutrinação ideológica, Bolsonaro chegou ao absurdo de dizer que o nazismo era um “movimento de esquerda”
A tese apresentada por Alvim de que a cultura brasileira está doente e precisa ser “purificada” de ideias libertárias e pluralistas faz eco com a obsessão de Hitler contra a “arte degenerada”, que, na mente do ditador, se confundia com a modernidade e com a invenção. O mesmo vale para a projeção do ex-secretário para a arte brasileira da próxima década, que será “heróica e nacional”. Para Bolsonaro e alguns de seus ministros, é isso, justamente, que a arte precisa ser para ajudar na criação de uma mentalidade conservadora ajustada aos novos tempos. 

O governo dá sucessivas demonstrações de que pretende fazer uma revolução cultural ao estilo da extrema-direita para impor um pensamento que se oponha ao multiculturalismo e ao politicamente correto. Os soldados do bolsonarismo, tendo à frente os filhos 02 e 03 do presidente, Carlos e Eduardo Bolsonaro (que defende, inclusive, a reedição do AI-5 e volta da ditadura), costumam chamar esse processo de “guerra cultural”. É dela que surgirá o “homem de bem” brasileiro, que emerge nas entranhas do sistema político para se tornar um protonazista empedernido, que recusa o pensamento crítico e despreza a criatividade e a inteligência, a não ser quando são usadas a favor do regime.

Doutrinação ideológica
 No afã de doutrinação ideológica direitista de Bolsonaro, se chegou ao absurdo de dizer que o nazismo era um “movimento de esquerda”. Foi isso, por exemplo, que declarou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em uma entrevista concedida, em março do ano passado, no canal do YouTube do grupo Brasil Paralelo, que promove o pensamento de Carvalho. Perguntado sobre a comparação entre o nacionalismo defendido por ele e o promovido no passado pelos regimes totalitários da Alemanha, da Itália e da Rússia, Araújo afirmou que “o sentimento nacional teria sido distorcido por grupos que o utilizaram para chegar ao poder”. “Uma coisa que eu falo muito é dessa tendência da esquerda de pegar uma coisa boa, sequestrar, perverter e transformar numa coisa ruim. É mais ou menos o que aconteceu sempre com esses regimes totalitários. Isso tem a ver com o que eu digo que fascismo e nazismo são fenômenos de esquerda”, disse. Alguns dias depois, em visita ao Centro Mundial de Memória do Holocausto, em Israel, Bolsonaro foi na mesma linha que seu ministro e afirmou “não ter dúvidas de que o nazismo era um regime de esquerda”. Foi desmentido no mesmo dia por representantes do Memorial do Holocausto. A tese, que procura livrar a extrema-direita de sua orientação criminosa, é considerada descabida e desonesta por acadêmicos e historiadores de todas as vertentes.

O combate implacável ao esquerdismo e ao socialismo é o ponto crucial da guinada extremista que o governo pretende dar. Fazendo a população crer que há uma ameaça comunista no Brasil, Bolsonaro procura se posicionar de maneira mais confortável no outro extremo do espectro político e justificar seu ideário radical. O problema (para ele) é que o ambiente cultural brasileiro é democrático e não há qualquer indício de que a produção artística tenha um apelo comunista ou esteja orientada para a conquista do poder. Por isso volta-se sempre à fantasia do chamado marxismo cultural, que o astrólogo Olavo de Carvalho, ideólogo do governo, inspirado pela extrema-direita americana, vê como uma grande conspiração para disseminar o socialismo pelo mundo. Carvalho, por sinal, abandonou o pupilo Alvim e declarou, num primeiro momento, no seu Twitter @OlavoOpressor, que ele “não parecia estar bem da cabeça”. 

Depois embalou numa interpretação conspiratória dos fatos para livrar o governo Bolsonaro e Alvim da pecha de nazista. “Chamar o Alvim de nazista é ser caixa de ressonância da esquerda mais canalha. O Alvim é trouxa — repito —, mas de nazista ele não tem nada. Se tivesse, estaria no PT, declarou no domingo 19. “Comunistas fazem truquinhos sujos para dar ao presidente Bolsonaro uma aparência de nazista, mas nazistas são eles. Até o Parlamento Europeu já se tocou. Enquanto isso, o lindinho Luciano Huck escolhe o homem do PC do B para seu vice. Isso já diz tudo”. Para Carvalho, “ou o Alvim pirou ou algum assessor petista enxertou a frase do Goebbels no discurso dele para assassinar sua reputação”.


(.....)

Máquina de guerra
A atriz Regina Duarte ainda não aceitou o convite do presidente Bolsonaro para substituir Roberto Alvim, dizendo que antes irá “fazer um teste” à frente da Secretaria Especial de Cultura, com um orçamento de R$ 2 bilhões em 2020. “Quero que seja uma gestão para pacificar a relação da classe com o governo”, afirmou. “Sou apoiadora deste governo desde sempre e pertenço à classe artística desde os 14 anos”. Porém, apesar do entusiasmo de Regina e de sua intenção conciliadora, seu nome não é bem visto pelo filho do presidente Carlos Bolsonaro e pelo astrólogo Olavo de Carvalho. Para eles, a secretaria exige uma ação de enfrentamento permanente e a atriz é considerada moderada demais para tocar a máquina de guerra cultural do governo. O presidente viajou quinta-feira 23 para a Índia e na volta deverá oficializar a nomeação da atriz para o cargo.

Em IstoÉ, MATÉRIA COMPLETA




segunda-feira, 13 de maio de 2019

Bolsonaro diante de um falso dilema


A primeira coisa a se reconhecer, portanto, é que a raiz da crise parece estar não em má-fé do presidente da República

Nos últimos dias, o país assistiu a uma escalada de tensões que vêm marcando o governo de Jair Bolsonaro (PSL) desde seu início: as críticas do escritor Olavo de Carvalho e de influenciadores digitais que compartilham de seu ponto de vista dirigidas aos militares, particularmente os que integram a administração pública, chegaram ao nível mais agudo nesses pouco mais de quatro meses. Embora haja sinais de trégua no horizonte, nada garante que a situação se sustente por muito tempo. Nesse quadro, duas inquietações com certeza surgem na cabeça de boa parte dos brasileiros atentos
qual a gravidade real desses agravos e desentendimentos? 
e como avaliar a conduta do presidente, conduta, aliás, que é a que realmente importa para o país? No fundo, é preciso distinguir bem o que está em jogo, seja para evitar julgamentos injustos, seja para não flertar com consequências indesejáveis.

De início, parece que Bolsonaro tem tentado se equilibrar entre os militares e o escritor, que tem influência intelectual sobre os próprios filhos mais próximos do presidente, Eduardo e Carlos, e sobre alas relevantes do governo. Mas causou especial surpresa que Bolsonaro tenha não só feito uma longa postagem elogiando o escritor como também o tenha condecorado com a Ordem do Rio Branco, na mesma ocasião em que a honraria foi concedida ao vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, a que Olavo já chamou de “traidor” e “adolescente desqualificado”. Nos últimos dias, ao se pronunciar em defesa do colega, o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, foi quem entrou na linha de tiro do escritor. [além do fato de seu passado militar - oficial do Exército Brasileiro, capitão - o presidente Bolsonaro é conforme mandamento constitucional o comandante supremo das Forças Armadas, o que lhe IMPÕE o DEVER de defender as FF AA que também foram vitimas dos latidos do aiatolá de Virginia.]
Três considerações parecem estar norteando a conduta do presidente e entrando em conflito entre si. Primeiro, Bolsonaro dá sinais de que age por amor aos filhos, a quem estima e cujos conselhos valoriza. Segundo, o presidente respeita e ouve aqueles que julga terem sido importantes para sua eleição – o próprio Olavo de Carvalho, que tem méritos inegáveis na articulação discursiva da direita no Brasil recente, e muitos apoiadores, como o hoje Assessor Especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, aluno do escritor. Em terceiro lugar, Bolsonaro age por lealdade ao time do governo como um todo, afinal, são oito os ministros militares no primeiro escalão e mais de uma centena na administração federal, reflexo da formação técnica desses quadros e também da afinidade ideológica com certas ideias do presidente. [não pode prosperar o raciocínio que o astrólogo 'teve méritos na articulação da direita do Brasil recente' -  importância que resultou na eleição do presidente da República.
Cabe lembrar que a grande maioria dos quase 60.000.000 de eleitores que votaram no presidente Bolsonaro, só passaram a ouvir falar no autoproclamado filósofo após a figura começar seus latidos atacando os militares, portanto, bem depois da eleição do presidente.
 
Fica dificil de entender que o silêncio do presidente, ignorando as ofensas dirigidas a integrantes do time do governo, possa ser interpretado como lealdade ao time como um todo.
Que lealdade é essa?  que manteve o presidente em silêncio - inclusive com ações que podem ser interpretadas como apoio aos  latidos do ofensor dos militares, ofensa que atingiu a toda a categoria, especialmente a forma covarde e abjeta que usou para agredir o general Villas Boas, liderança inconteste dos militares - diante dos fatos praticados por um indíviduo que sequer integra seu governo.
 
Condecorá-lo foi aviltar a condecoração e ofender os que a receberam.]

É inegavelmente positivo que as três motivações acima sejam deveres de boa índole
– ou seja, nenhuma consideração antirrepublicana ou interesse inconfessável por parte do presidente está na raiz dessa disputa. Mesmo assim, é preciso reconhecer que Bolsonaro está preso a um falso dilema. Amar os filhos não significa aceitar tudo que fazem; ao contrário, é saudável contrariar e admoestá-los amigavelmente, mesmo depois de adultos. Da mesma maneira, reconhecer os méritos das condutas passadas de aliados e admiradores não significa aprovar tudo que fazem no presente, e muito menos autoriza uma homenagem que poderia sinalizar aprovação – e, sem sombra de dúvidas, as condutas de Olavo de Carvalho passaram do razoável. O escritor chegou a acusar Santos Cruz de crime de tráfico de influência em um último vídeo, divulgado antes de Olavo prometer ficar “alguns dias em silêncio”. Por fim, o mesmo dever de lealdade ao time que está diante do presidente impõe que eventuais críticas a integrantes do governo devem ser feitas primeiro em particular; depois, se os problemas persistirem, mudanças graduais devem ser feitas; e só então é o quadro deve acabar desligado do governo. Em nenhum desses casos, é bom frisar, deve-se faltar com o respeito à honra de quem quer que seja.
A primeira coisa a se reconhecer, portanto, é que a raiz da crise parece estar não em má-fé do presidente da República, mas simplesmente na incapacidade de enxergar com clareza e distinção essas considerações, o que pode ser, em parte, fruto de uma carreira e de uma formação que nunca lhe exigiram isso. Mas qual a gravidade disso? Apesar de se reconhecer que a origem não seja a má-fé, é evidente que uma situação dessa natureza tem potencial para desencadear consequências bastante graves para a administração e para o Brasil, o que justifica toda a atenção que lhe tem sido dada. No Congresso, parlamentares já aproveitam o flanco aberto para fustigar o governo. A situação de embate não equacionado, e de exasperação dos ataques em público, também atrai o olhar externo e prejudica a confiança e a formação de expectativas, em um momento já delicado para a economia do país. Não menos importante, qualquer pessoa sensata se indignaria com os ataques aos militares – o que, aliás, já tem acontecido, mesmo entre apoiadores da eleição de Bolsonaro. A exasperação da disputa, ou mesmo a debandada geral dos quadros militares do governo, poderia desestabilizar definitivamente o governo, abrindo uma crise institucional grave. “Se uma casa se dividir contra si mesma, tal casa não pode subsistir”, já dizia o apóstolo.

Embora tenha esse potencial bastante perturbador, é verdade que a situação pode não ser na prática tão grave, a depender em grande medida da continuação desse quadro e do grau de tolerância que os militares terão a ele. Diante de tantos meses de seguidos ataques graves à sua honra, fica claro que os militares agredidos têm alta estima pelo presidente da República e senso de responsabilidade pelo sucesso do atual governo. Mas paciência tem limites: mesmo que entendam que a omissão de Bolsonaro é fruto não de malícia, mas de uma deficiência do presidente – uma deficiência entre qualidades que certamente enxergaram ao compartilhar com ele um projeto de Brasil –, não se deve esperar que tolerem esses ataques indefinidamente. Não é nem mesmo suficiente a atitude que Bolsonaro vem tendo, simplesmente minimizando o assunto aqui e ali.

Para evitar o agravamento da situação,
e pelo bem de sua própria integridade pessoal, está na hora de o presidente tomar consciência das dimensões do problema, amadurecer em sua posição e sinalizar com clareza que não concorda com os insultos e o clima de “revolução permanente” que certos setores propagam. Divergências são saudáveis para o governo e o país, mas devem ser manifestadas no limite que o dever de respeito à honra alheia impõe a todos – sem exceção.
 
 

 

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Polêmicas que emburrecem



O Brasil perde tempo com idiotices de um aloprado


O Brasil, tão atrasadinho, coitado, está retrocedendo ainda mais no no quesito inteligência, ao dar corda às polêmicas suscitadas por essa tremenda fraudechamada Olavo de Carvalho.

Esse astrólogo funciona mais ou menos assim: se a mídia toda está discutindo quem é o melhor jogador do mundo, se Messi ou Cristiano Ronaldo, ele entra com um palpite imbecil. Diz que o melhor é, na verdade, Deyverson, esse medíocre centroavante palmeirense.   O palpite é tão cretino e tão inusitado que, naturalmente, induz à polêmica, que é o esporte em que o astrólogo se sente à vontade. É claro que todas as pessoas que tenham ao menos meio neurônio não ligam a mínima para o que diz Carvalho.

Mas sempre há os de miolo mole que param para pensar se, de repente, o astrólogo não tem razão e se Deyverson não é de fato melhor que Messi e CR7. Também sempre há os que, incapazes de se destacar em seus ambientes a partir de uma argumentação racional, apegam-se às idiotices de Carvalho como forma de aparecer.  O que choca é que uma pessoa como Hamilton Mourão, que fez todos os cursos necessários para chegar ao generalato, entre na pilha do chamado bruxo de Virgínia e se deixe envolver nas polêmicas idiotas que ele promove.

Que os filhos do presidente se animem a servir de alto-falante para Carvalho até dá para entender.
Afinal, nenhum deles nem o pai são exatamente gênios da raça. Choca também que uma porção de gente, os jornalistas, inclusive, estamos sendo arrastados para essa besteirada toda. Temo que estejamos todos caindo em um esquema que um pilantra notório como o italiano Silvio Berlusconi adotou, conforme se pode ler em artigo para o jornal THe New York Times de Luigi Zingales (Universidade de Chicago):

Berlusconi “era tão fanaticamente obcecado com sua personalidade que qualquer debate substantivo desapareceu; o foco ficou apenas em ataques pessoais, e o efeito foi aumentar a popularidade de Berlusconi".  Vale para a Itália de Berlusconi, vale para o Brasil de Olavo de Carvalho. É o que percebeu, por exemplo, o leitor Gustavo Felício Moraes, do Rio, que escreveu no Painel do Leitor desta quarta-feira (24):

“As crises sucessivas e o desgaste provocado pelas diferentes alas do governo —a militar e a do Olavo— parecem fabricados com o objetivo de tirar o foco do principal: discutir e resolver os reais problemas da nação. Não existe um plano estratégico".

Pois é, Gustavo, um aloprado que só fanáticos levavam a sério agora frequenta dia sim, outro também, as primeiras páginas dos jornais.

É ou não é muita burrice?


Clóvis Rossi

 

terça-feira, 12 de março de 2019

O inimigo mora ao lado

Se até o vice é ‘vermelho’, a intenção é criar inimigos para viver guerreando nas redes

A melhor frase de todos os dias carnavalescos e de todas essas inacreditáveis confusões que o governo cria contra ele mesmo partiu do cada vez mais bem-humorado vice Hamilton Mourão: “O Olavo de Carvalho agora acha que sou comunista. Paciência...”. O poder dos “olavetes” vem exatamente daí, da criação de inimigos imaginários: comunistas, esquerdopatas, vermelhos, petistas e lulistas. Quanto mais inimigos, mais eles justificam sua influência no governo de Jair Bolsonaro e mais atiçam suas tropas nas redes sociais.
Assim, somos todos vermelhos, o vice-presidente, os oito ministros militares, as TVs, os rádios, os jornais, as revistas e os jornalistas. Não conseguimos sequer entender o governo cutucando a China para agradar a Donald Trump e o chanceler Ernesto Araújo voltando no tempo para atacar a “China Maoista” que ameaça o Ocidente. O mais incrível, porém, é como essa besteirada consome a energia e o tempo do presidente da República, tendo de arbitrar ora em favor de Olavo de Carvalho e seus seguidores, que vivem criando tumultos desnecessários e falsas crises, ora em favor de Mourão e os ministros militares, que não criam confusão e ainda têm de consertar o tempo todo as confusões geradas pelos “olavetes” e pelo próprio Bolsonaro.

Muitos perguntam de onde vem todo esse poder de Olavo de Carvalho e o que ele é de fato. Filósofo, astrólogo, agitador, mentor, líder ou guru? Sabe-se lá, mas uma coisa é certa: ele manda muito no governo. Por quê? Porque tem forte influência sobre os três filhos de Bolsonaro, o 01, o 02 e o 03. Graças a essa aproximação, foi Olavo de Carvalho quem, morando no distante Estado da Virgínia, nos EUA, conseguiu alçar o embaixador júnior Ernesto Araújo a chanceler e o teólogo Ricardo Vélez Rodríguez a ministro da Educação. São duas áreas superestratégicas, importantíssimas, e viraram foco de problemas, críticas e fofocas.Talvez por isso o “comunista” Hamilton Mourão tenha sido chamado para escorar Araújo. Vai ver o vice está doido para trazer de volta o petista Celso Amorim! Aliás, o vice e os ministros Augusto Heleno, Santos Cruz, quem sabe o porta-voz, Otávio do Rêgo Barros? A turma vermelha...
Na Educação, a coisa está pegando fogo, depois que o Planalto mandou rebaixar os “olavetes” para postos acessórios e o mentor, líder, guru ou o que seja não gostou e mandou todo mundo cair fora. Em pleno domingo, o presidente chamou Vélez Rodríguez ao Palácio da Alvorada e mandou exonerar o coronel da FAB Wagner Roquetti da Direção de Programas da Secretaria Executiva do MEC. Soou assim: se afastaram os outros, afaste-se também o opositor deles. Zero a zero. E a Educação?!
Pelo Twitter, vício do governo, Vélez agradeceu a Roquetti “pelo seu desempenho” e pelo “decidido apoio à gestão e preservação da lisura na administração dos recursos públicos”. Ficou a dúvida: se é assim tão bom, por que então foi exonerado? Enquanto o pau quebra entre Olavo de Carvalho e Hamilton Mourão e entre “olavetes” e militares, os filhos do presidente e o próprio presidente continuam fingindo que não há nada errado no governo, guerreando pela internet e atirando contra a mídia e os jornalistas.
O caso da colega Constança Rezende é exemplar: foi uma armação com efeito bumerangue. Um “estudante” pede ajuda para um trabalho; um “jornalista” publica o texto no exterior deturpando o que foi dito; um site bolsonarista reproduz a versão farsesca no Brasil; o presidente repercute pelas redes sociais. Presidente, seu problema não é a imprensa nem os jornalistas, que apenas publicam os problemas que o senhor e seu entorno criam e amplificam. O inimigo mora ao lado.
 
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo