Políticos mentem o tempo todo
Dilma
Rousseff não apenas faz o contrário do que pregou como faz aquilo que disse que
nunca iria fazer
Se Aécio Neves tivesse vencido a eleição, a política econômica seria
praticamente a mesma aplicada neste momento. Joaquim Levy muito provavelmente estaria no governo
tucano, em alguma posição de destaque. O eleitor não estranharia nada. Tudo normal: o
PSDB passara a campanha toda dizendo que o modelo Dilma fracassara e que seria
preciso fazer um severo ajuste. Normal também, o PT estaria fazendo
barulhenta e dura oposição, mobilizando os movimentos sociais e centrais
sindicais para atacar o ajuste “nas costas do povo”
e a supressão de direitos do trabalhador.
Resulta numa grande avacalhação. Numa pesquisa recente na Inglaterra, 65% dos eleitores disseram acreditar que “os políticos mentem o tempo todo”. Não se trata apenas daquele tipo de mentira para livrar a cara quando se é apanhado em alguma falcatrua. “Nunca fiz isso. Onde estão as provas?”
Trata-se de mentira política, quando o governante administra fazendo diferente do que pregou na campanha. Dizem também que campanha é poesia e governo é prosa. Vá lá que existam nuanças, ênfases mais suaves na propaganda. Não precisa dizer, por exemplo, que o ajuste vai gerar um baita desemprego, mas é preciso informar o eleitor que virão tempos difíceis. O desempenho de Dilma vai muito além disso. Ela não apenas faz o contrário do que pregou como faz aquilo que disse que nunca iria fazer. Mentira política.
A oposição está cometendo a mesma mentira, com o sinal trocado. Viram a última propaganda do Democratas? Só faltou chamar o MST para invadir a fazenda da ministra Katia Abreu. O PSDB ainda tem um certo pudor em atacar Joaquim Levy — que estava ao lado até pouco tempo — mas vota contra e atrapalha o programa do ministro, que é claramente tipo tucano.
Só falta se opor ao programa de privatização de infraestrutura que Levy pretende desfechar. Ou seja, se fizerem a mesma pesquisa aqui no Brasil, deve dar mais de 65% dos eleitores dizendo que os políticos mentem o todo. Deve ser por isso que as manifestações contra o governo Dilma e o PT parecem não ter sequência política. A oposição, que claramente tem a simpatia dos manifestantes, não consegue empolgar o momento e apontar para uma saída viável, seja ou não a proposta de impeachment.
Nada demais
E
por falar em tudo normal, a presidente
Dilma assumiu uma tarefa impossível: mostrar que a atual política econômica é
uma sequência normal da anterior. A anterior, diz a propaganda oficial e repete Dilma, era
aquela beleza: emprego, renda, programas sociais generosos. A atual gera desemprego,
perda de poder aquisitivo e restringe direitos sociais, como o
seguro-desemprego, abono salarial e pensões.
Uma
o contrário da outra, certo?Errado, indica a presidente. Tudo o que se faz agora, garante, é para preservar as benesses que o PSDB queria abolir. Donde se conclui: desemprega para gerar emprego; reduz salário para aumentar a renda; corta benefícios para garantir os mesmos benefícios; faz uma recessão para... crescer.
Qual o
problema?
Pela lógica, se diria: a política
anterior estava assentada em bases inviáveis, a tal nova matriz, de aumento do gasto público, do crédito e do
consumo. Quando as bases falharam, chegou o preço, na forma de recessão, desemprego e perda de
renda.
Pela lógica da
presidente, está tudo na sequência. É mais ou menos como dizer: você pode encher a cara, comer até estourar, abusar das
drogas, que não tem nada demais. Depois é só fazer um ajuste e mandar
bala de novo.Por: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista, coluna em O Globo