Que a greve era também dos empresários ficou claro em um dos itens do acordo repetido pelo ministro Eliseu Padilha de não reonerar o setor. Quem paga o imposto sobre a folha é quem tem funcionário. Um autônomo, por definição, não tem. A propósito, greve de empresário, locaute, é proibido por lei. O governo sabe que eles estavam ferindo a lei, mas não teve forças para enfrentá-los. Preferiu tratar o espinhoso tema, diplomaticamente. O governo sabe que está fraco e que o risco que o país corria com essa chantagem era alta demais. O país viveu ontem um dia de Venezuela, com supermercados racionando a compra de produtos e mercadorias faltando, crianças sem aula, e avisos como a que fez a Cedae no Rio, de que poderia haver falta de água. Essa não foi a primeira greve do setor de transporte de carga no país, mas a economia mudou muito e os efeitos agora são mais imediatos. Durante o dia inteiro o governo negociou com os representantes dos caminhoneiros e da indústria de transporte de carga. Depois que o governo anunciou suas concessões, o Rio anunciou a queda do ICMS. O Rio é que tem a maior alíquota de ICMS sobre combustíveis e tem tido, por outro lado, um grande ganho com o aumento de 70% do pagamento de royalties e participação especial.
Há 19 anos, em 1999, o governo enfrentou uma greve muito parecida com a que está ocorrendo agora. Até o negociador era o mesmo: o ministro Eliseu Padilha. O governo chegou a ameaçar usar o Exército para desbloquear as estradas, mas no quarto dia cedeu e recuou dos reajustes de diesel e dos pedágios. É sempre no quarto dia.
A diferença entre as outras greves do setor e a atual é que a difusão da tecnologia permitiu que a economia aprofundasse o sistema just in time, ou seja, trabalha-se com pouco estoque e dependendo da entrega diária de produtos. Com isso, em pouco tempo a economia fica desorganizada. O just in time não é apenas na indústria, é em toda a economia. Outra mudança é que naquela época os caminhoneiros tinham uma liderança clara. Hoje há uma dispersão de líderes, e eles não necessariamente refletem as bases que se organiza por WhatsApp.
O que não mudou é que naquela época como agora o apoio das grandes empresas de transporte garantiu o sucesso da greve. Os caminhoneiros decretam a paralisação e realizam os bloqueios nas estradas, mas as empresas que os contratam dão seu aval. O produtor perde sua produção, o consumidor é explorado ao ter que pagar mais caro pelo que encontra, mas o transportador acaba lucrando com as concessões feitas pelo governo, como a que está sendo apresentada agora, de redução de impostos e preços fixos por um tempo. Há excesso de oferta de transporte de carga, o que deveria dar às grandes empresas do setor poder de barganha para parar o movimento grevista. O governo passado deu um enorme subsídio para a compra de caminhões, mas logo depois o país entrou em recessão e o setor ficou então com capacidade ociosa. Se a economia estivesse funcionando normalmente, seria difícil fazer greve.
Os efeitos se espalharam da feira do bairro às grandes negociações em bolsa. A Petrobras foi ontem a empresa que teve a maior queda de ação na bolsa americana, com uma perda de US$ 12 bilhões, segundo a Economática. O que a indústria de transporte quer, de fato, como resultado final da greve dos caminhoneiros, é a volta da política de preços que vigorou no governo Dilma, quando o governo controlava os preços de combustíveis, a Petrobras ficava com o prejuízo, os maiores beneficiários do subsídio ao diesel eram os donos das empresas de transporte. Ontem encontrou-se uma fórmula de controle disfarçado. O que acontece a partir de agora é que dinheiro diretamente do Orçamento vai subsidiar um combustível fóssil.
Coluna Miriam Leitão, com Alvaro Gribel - O Globo