Fernando
Gabeira: Sábado na Boca Maldita
Alguns dias em Curitiba, onde visitei a Boca Maldita. É um lugar tradicional, um café com grupos de aposentados,
de modo geral, discutindo política. Um ônibus de turistas passa diante da
calçada, sinal de que a Boca é conhecida além-fronteiras. Eles falam sem
censura e ouvi muitas críticas ao Supremo Tribunal por ter libertado os
empreiteiros, impondo uma derrota à Operação Lava Jato, que também ocorre em
Curitiba.
Um dia depois de falar com eles,
leio que a Polícia Federal (PF) revelou
gravações que indicam um grau de amizade entre o ministro Dias Toffoli e empresário
da OAS chamado Leo Pinheiro. O resultado do
julgamento foi 3 a 2 e o voto de
Toffoli, portanto, decisivo.
É bom que a PF divulgue o que sabe. Mas essas coisas são um pouco como casamento, é preciso
anunciar antes que o padre declare os noivos marido e mulher. Se os vínculos
afetivos de Toffoli com o diretor da OAS tivessem sido revelados antes do
julgamento, ele sofreria pressão para se declarar impedido. Outro juiz poderia ter votado pela libertação. Mas aí é um
jogo limpo. Perder de 3 a 2 pelo voto
de um juiz amigo do preso é um perder com um gol roubado.
As revelações sucedem-se num ritmo
tão rápido que deixam pouco tempo para pensar na saída. Uma delas aponta uma triangulação BNDES, Lula e Odebrecht em projetos no
exterior. Lula prometia a obra, o BNDES financiava e
a Odebrecht realizava.
O tema deve ser discutido no
Congresso, onde se prepara uma CPI do BNDES.
Mas já repercutiu no exterior.
Lula sentiu o golpe com a divulgação do inquérito no
Ministério Público. Respondeu afirmando que os jornalistas
das duas revistas semanais não tinham, juntos,
10% de sua honestidade. Medir a
honestidade com porcentagens não é uma imagem feliz num momento em que elas invadem o noticiário do escândalo como indicativos
da corrupção: 3% para o PT, 1%
para o PP.
Como previ num artigo, ia sobrar até para o marqueteiro. E eis que João Santana terá de explicar o repatriamento de
US$ 16 milhões ganhos na campanha
eleitoral de Angola. Campanha cara.
A Operação Lava Jato
acionou uma série de outras inquietações,
uma delas com o próprio BNDES. Qual o papel que o banco teve no governo, que empresas fortaleceu com seus
empréstimos e que vínculos elas têm com o partido dominante? Essa
demanda de transparência às vezes é vista como hostilidade pelo PT, como se
fosse parte de uma campanha para liquidá-lo.
Outro dia, vi no Roda Viva Demétrio Magnoli lembrar que o PT faz parte da História
do Brasil e, portanto, não acabaria. Mas este pertencer à História do Brasil não dá
garantias de eternidade. O
Partido Comunista da Itália era um pedaço da História do país, era até
certo orgulho internacional por sua visão singular do comunismo. Acabou.
O que vai definir o futuro do PT não é apenas inserção na
História, mas resposta sincera a algumas
questões presentes. Se a administração petista na Petrobrás deu um prejuízo maior
do que o terremoto no Nepal, não é
possível ignorar esse feito histórico.
O que o escândalo da Petrobrás iluminou não foi apenas a
corrupção, mas a incompetência que dava à empresa um
prejuízo de R$ 726 mil por hora, segundo cálculo do repórter José Casado.
Durante seis anos e seis meses, uma perda de R$ 17,4 milhões por dia.
Tive a oportunidade de visitar Bolonha sob a administração
comunista. Era uma atração internacional. Os
comunistas fizeram-se confiáveis para governar. A experiência terminou em 1999,
mas deixou sementes, como o estímulo à pequena e à média empresas.
As duas acusações que pesam sobre o PT, corrupção
e incompetência, são difíceis de superar.
Reconhecê-las é uma tarefa que parece distante, a julgar pela maneira como o
partido se move na crise.
Inspirado pela Boca Maldita, penso que seria necessário um vínculo
melhor entre o movimento de rua e o Congresso. E seria preciso também que
alguns deputados independentes se unissem, buscassem o contato e tentassem
levar algumas ideias ao lado do impeachment. Uma delas poderia ser usada no
contexto do ajuste fiscal: a máquina do
governo o que é, o que gasta e onde se pode racionalizá-la? Os cargos de
confiança são 40 mil? Por que não reduzi-los por lei?
Vivemos duas agendas: uma é a da transparência, iniciada pela Operação Lava
Jato, mas que acaba jogando luz também em outras
caixas-pretas, como BNDES,
estatais, fundos de pensão, enfim, todo o universo econômico sob a influência
do PT. O desejo da sociedade é que a
apuração seja concluída e os culpados, punidos.
Mas isso leva tempo.
Estamos também no meio de uma crise
econômica, perdendo poder aquisitivo e empregos. A política de austeridade do
governo certamente é um desses pontos em que as crises se entrelaçam. Ela terá o esforço da sociedade, mas qual o
peso do governo?
Outro dia o Ministério da
Saúde publicou edital convocando Helder Barbalho porque não conseguia
encontrá-lo. Ele é ministro da Pesca e trabalha num prédio vizinho. O
Ministério da Saúde não sabia da existência de Barbalho. Poderia ter sido salvo pelo Google. Pelo menos lançou um pedido de socorro: salvem a gigantesca máquina da sua
irracionalidade! Em 2013 as pessoas
saíram às ruas porque estavam insatisfeitas com os serviços do governo. Em 2015 as manifestações focam em Dilma
Rousseff e no PT. Os serviços públicos não
melhoram, o PT e Dilma continuam agarrados ao poder.
O que fazer nesse período?
É necessário um pequeno roteiro aberto a alterações, produzidas pelo avanço da
transparência e pela possibilidade do impeachment.
Pelo que vi em Curitiba, com cem
feridos na praça, a política de
austeridade será um momento delicado: muitas variáveis em jogo. Mas é o
nosso cenário imediato. É nele que serão
plantadas as sementes do futuro.
Fonte: Fernando Gabeira – Estadão