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segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Funcionária de supermercado abordada por João Alberto diz em depoimento que ele 'parecia estar furioso com alguma coisa'

G 1

Fantástico teve acesso exclusivo a relato de funcionária. Ela afirma que cidadão negro, morto brutalmente por seguranças, estava a 'encarando', que falou algo que ela não entendeu e fez gesto que a esposa dele diz ter sido brincadeira.

A funcionária abordada por João Alberto Silveira Freitas prestou depoimento como testemunha no inquérito que apura a morte do cidadão negro, espancado por dois seguranças brancos na quinta-feira (19), no estacionamento de uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre.  O Fantástico teve acesso com exclusividade ao depoimento, prestado no sábado (21). Ela disse à investigação que João "parecia estar furioso com alguma coisa".

A mulher relatou que estava em frente ao caixa, ao lado de um dos seguranças presos pelo crime, Magno Borges Braz, quando o cliente, na companhia da mulher, Milena, passou a encará-la. Disse que o cliente deixou a mulher no caixa, passando as compras, e veio em direção a ela, que se esquivou. A funcionária afirmou que o homem disse algo, que ela não entendeu devido ao barulho e ao fato de Beto estar usando máscara.

Segundo a testemunha, Beto se aproximou novamente e fez um gesto, que a mulher não soube descrever. Para a funcionária, Beto não aparentava estar fazendo uma brincadeira quando gesticulou em direção a ela, mas que "parecia estar furioso com alguma coisa".

A mulher de Beto, Milena Borges Alves, deu outra versão: ela disse à Polícia que o marido fez um "sinal com as mãos para uma moça magrinha de roupa preta, em forma de brincadeira". Depois do contato com a funcionária, Beto aparece voltando para o caixa e, na sequência, decide esperar pela mulher no corredor, perto de Magno. Ele faz outro sinal com a mão, e conversa com o segurança.

Depois, uma fiscal de branco se aproxima e fala com ele. É quando o segundo segurança preso pela morte de Beto, Giovane Gaspar da Silva, aparece e coloca a mão nas costas do homem. A um policial militar que atendeu a ocorrência, Giovane teria dito que "resolveu dar um apoio naquela situação, pois Magno estava sozinho, para conduzir a vítima até a saída do estabelecimento". 

Beto então caminha em direção à saída e é seguido de perto por Giovane, Magno e pela funcionária de branco. Milena segue pagando as compras. Já na porta da saída para a garagem, Beto dá um soco em Giovane. A partir daí, ele começa a ser agredido pelos dois seguranças. A fiscal passa a gravar a cena, com o celular. Assista vídeo.

De dentro do supermercado, assim que termina de pagar, Milena sai apressada. Dois funcionários passam correndo por ela, na rampa. A mulher da vítima aparece 30 segundos depois e tenta socorrer o marido, mas é impedida pelos seguranças. Em depoimento, ela contou que Beto dizia "Milena, me ajuda", e que quando ela tentou socorrê-lo, foi empurrada por um dos rapazes".

Depois disso, apesar dos apelos da mulher, Giovane, Magno e um funcionário de branco continuam em cima do homem. Segundo a polícia, os seguranças ficaram sobre Beto por cerca de 5 minutos.Uma gravação obtida pelo site GauchaZH mostra que um terceiro homem diz "Sem cena, tá? A gente te avisou da outra vez", enquanto João é imobilizado. Quase três minutos depois da chegada de Milena, Beto para de se mexer.

Motoboy presencia cena
A agressão de Beto foi testemunhada por um grupo de pessoas. Um motoboy, que presenciou a cena desde o início, prestou depoimento à polícia. "Eu já tava subindo na moto quando eu vi esse rapaz tentando se desvencilhar dos seguranças. A esposa do senhor que foi agredido, ela pedia, "gente, solta ele, deixa ele respirar, deixa ele respirar". O que eles disseram é que sabiam o que estavam fazendo, os dois", disse o motoboy, à reportagem.

Ele gravou a agressão na esperança de que os agressores parassem. "Vocês viram nas imagens, espancaram ele, espancaram. Não tentaram conter, eu questionei no meu vídeo ainda, eu disse 'gente, vocês não tão contendo, você estão batendo'", afirma. O motoboy contou que vem sendo questionado sobre porque não agiu para impedir a agressão. "O estado que eles aqueles dois estavam ali, se eu fosse ali eu ia apanhar ou sabe-se lá o quê", afirma.

O entregador chegou a ser ameaçado pela fiscal de camisa branca. "Aí eu fiquei filmando e aí ela me viu. Quando ela me viu ela disse "não, não faz isso, te liga, eu vou te queimar na loja'". O motoboy afirma que fazia entregas por aplicativos no supermercado. Não faz isso, não faz isso, que eu vou te queimar na loja.O laudo preliminar da necropsia constatou que as lesões no corpo da vítima eram superficiais, e a causa mortis provavelmente é asfixia.

Para a polícia o que aconteceu ali foi um homicídio triplamente qualificado. Motivo fútil, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e a causa da morte foi asfixia. Eles eram funcionários do Grupo Vector, uma empresa terceirizada que fazia a segurança do supermercado. Após o assassinato, o Carrefour rompeu contrato com a Vector.

Era o primeiro dia de Giovane, que também atuava como policial militar temporário, no supermercado. A empresa disse que rescindiu, por justa causa, os contratos de trabalho dos colaboradores envolvidos na ocorrência, e que está à disposição das autoridades para colaborar com as investigações. A delegada responsável pelo caso, Roberta Bertoldo, diz que a reação dos seguranças ao soco que João Alberto desferiu foi "desproporcional". "Esse fato foi de menor importância e jamais deveria ter uma resposta de tamanha violência que chegasse ao ponto então de causar a morte da vítima", disse.

Os investigadores seguem ouvindo várias testemunhas e analisando imagens de câmeras de segurança. Eles tentam descobrir se havia algum desentendimento anterior entre João Alberto e os seguranças ali do supermercado. As duas pessoas investigadas e que já foram inclusive ouvidas aqui pela delegacia, pelo nosso departamento de homicídios, são uma senhora que aparece de branco tentando evitar as imagens. E também outro senhor, que são funcionários então do próprio estabelecimento, que em algum momento aparece também imobilizando a vítima.

G 1 - MATÉRIA COMPLETA, inclusive vídeo

 

segunda-feira, 9 de março de 2020

Estranha democracia seria a nossa - Percival Puggina

 Estranha democracia seria a nossa se não pudéssemos expressar opinião no leito vulgar das ruas e no underground das redes sociais. Desqualificada seria nossa democracia se ministros do STF, congressistas, jornalistas e veículos de comunicação fossem imunes à crítica, como pretendem. E note-se: cobram essa imunidade, sem conceder reciprocidade, enquanto criticam todos, especialmente a sociedade e o presidente da República.

 A vitória de Bolsonaro aprofundou a cisão política entre os brasileiros. Gerou uma onda nacional e internacional de inconformidades e aplausos a que nem o papa ficou imune. Ainda que Bolsonaro fosse o príncipe perfeito, coisa que nunca foi, a onda se formaria. Valeriam contra ele (como escrevi outro dia) as razões expostas pelo lobo ao cordeiro, narradas por Esopo há 25 séculos. O fato quase milagroso de haver vencido a eleição presidencial nos dois turnos, sem dinheiro e sem tempo de TV, parece nada haver ensinado a olhos cegos e ouvidos surdos, sobre as razões dessa vitória.

Um dia será necessário fazer a necropsia da capacidade de análise que em 28 de outubro de 2018 morreu de morte súbita, sem flores nem amores. Houvesse sobrevivido, teria facilmente reconhecido o fato de que aquela data assinalou uma opção democrática do eleitorado por posição política em quase tudo divergente da que hegemonizara o país desde a Constituinte de 1988. Cinquenta e sete milhões de eleitores optaram por combate à impunidade e à criminalidade, por rigor da lei penal e pela celeridade dos processos penais, por educação sem partido, pela proteção da família e da inocência das crianças, pelo direito de defesa, contra a ditadura do politicamente correto e contra o socialismo que nos quebrou enquanto se instalava. Em consonância com a posição unânime da mídia, a maioria do eleitorado de 2018 quis expurgar de nossas práticas políticas a compra de votos para proporcionar ao governo apoio parlamentar.

Em vão! A maior parte do Congresso e do STF, ao longo de todo o ano de 2019, evidenciou querer outro presidente e outro programa. A “maioria de conveniência” do Supremo continuou em seu afã de amestrar a opinião pública. A maioria do Congresso emitiu todos os sinais de uma enferma nostalgia pelas anteriores práticas políticas, pelos cargos, pelas emendas, pelas oportunidades de negócio. Em sucessivos atos de vingança contra a Lava Jato, ampliaram de modo criativo e infatigável as notórias dificuldades da persecução penal. Legalmente inocente, imaculada como anjinhos de Rafael, a fina flor da corrupção corre mundo mentindo sobre o Brasil.

No dia 15 de março, as ruas expressarão seu repúdio a esse turismo despudorado, a essa ideologia que desejam impor sem voto. Maldiremos, também, a retórica espertalhona que tenta confundir o repúdio a certos membros das instituições com repúdio às próprias instituições. Paradoxalmente, querem que isso valha para si, mas não serve à instituição da presidência quando eles mesmos atacam o presidente. Dá-me a virtude da paciência, Senhor!  A prova dos nove do que aqui está dito seria juntada aos autos do processo histórico se o presidente repetisse as práticas anteriores e comprasse 300 unidades de voto parlamentar do blocão, ou do centrão. A bom preço, até os anjinhos de Rafael voltariam para a gaiola.


Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.