Análise Política
Dias atrás o Departamento de Estado divulgou sua versão de uma conversa entre o chefe americano das Relações Exteriores e o homólogo brasileiro. O tema era a tensão entre Rússia e Ucrânia. Na versão de Washington, o relato da troca de informações foi manifestamente anti-russo. Já o lado brasileiro procurou ser comedido ao relatar e buscou certo equilíbrio.
Uma rápida observação do cenário global já seria suficiente para definir o melhor caminho para um país continental e de grande população, mas ainda aprisionado pelo déficit de desenvolvimento e pelo desequilíbrio entre agricultura e indústria, e ameaçado de ficar novamente inferiorizado na divisão técnica internacional do trabalho.
Política externa não é, ou não deveria ser, no nosso caso, voltada para conferir prestígio ao detentor do poder ou para promover ideologias mundo afora. Deveríamos apropriar-nos de um lema do qual os nossos amigos americanos estão abrindo mão, por medo de ficarem para trás na globalização (que ironia!): “o negócio dos Estados Unidos são os negócios”.
O Brasil é um país que pode se dar ao luxo de concentrar-se nos negócios, com quem quer que seja, sem querer dizer como o vizinho, próximo ou distante, vai organizar sua casa. Não temos armas de destruição em massa nem pendências fronteiriças, nem participamos de blocos políticos que se definam pela oposição a alguém.
Um primeiro passo seria retomar o conceito de soberania. Se não queremos que se metam na nossa vida, comecemos por não nos meter na vida alheia. Se a pessoa gosta de comentar criticamente relações entre terceiros na política internacional, ou a política interna de outros países, deveria procurar trabalho em veículos da imprensa. Presidente brasileiro tem de cuidar dos interesses do Brasil.
E os assuntos da esfera multilateral? Tratemos nas instâncias multilaterais, sempre tomando o cuidado da razoabilidade. Temos instrumentos para isso. Basta tirar a poeira de velhos conceitos como “autodeterminação das nações” e “solução pacífica das diferenças”. E combater a tentação de achar que vamos ser sócios do intervencionismo alheio.
Enquanto isso, concentremo-nos em buscar espaços econômicos. Qual é nosso principal gargalo na economia? A taxa de investimento? O déficit de infraestrutura? A desindustrialização? Então vamos atrás de parcerias que possam nos trazer soluções. Podem ser americanos, chineses, russos, indianos, europeus, tanto faz.
Num mundo crescentemente fraturado, será um privilégio de poucos. Aproveitemos.
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Publicado na revista Veja de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2.774
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político