Análise Política
Dias atrás o Departamento de Estado divulgou sua versão de
uma conversa entre o chefe americano das Relações Exteriores e o homólogo
brasileiro. O tema era a tensão entre Rússia e Ucrânia. Na versão de Washington,
o relato da troca de informações foi manifestamente anti-russo. Já o lado
brasileiro procurou ser comedido ao relatar e buscou certo equilíbrio.
Sendo otimista, talvez estejamos retomando um caminho virtuoso
episodicamente perseguido pela política externa brasileira: não nos meter de
graça nas brigas dos outros. [especialmente quando a briga é estúpida, tanto por ser resultado de uma baidada do democrata que preside os Estados Unidos (Nota da Redação do Blog Prontidão Total: o neologismo "baidada" acaba de ser criada pelo nosso departamento de pesquisa de definição de comportamentos estranhos, sendo a denominação de uma decisão meio 'mancada' tomada após uma 'cochilada' de quem decidiu.) quanto pelo fato, constatado no milênio passado de que o arsenal nuclear dos EUA possui capacidade para destruir o nosso planeta algumas vezes e o da Rússia outro tanto = considerando que a Terra só pode ser destruída uma vez é uma briga entre possuidores de armamento que só pode ser usado em conflitos localizados.
O uso de armas nucleares em um desentendimento entre EUA x Rússia é uma possibilidade tão absurda quanto a prática adotada por algumas autoridade de dar ordens cujo cumprimento não pode obrigar.] Nem sempre é possível, mas deveria ser buscado como
doutrina. E implica não somente deixar de apoiar projeções de poder militar de
aliados, mas rever outro tipo de ambição: a obsessão pelo nosso suposto soft
power. Uma certa leitura, nas relações internacionais, da teoria do
brasileiro cordial, movido pelas relações pessoais e pela emoção.
Uma rápida observação do cenário global já seria suficiente
para definir o melhor caminho para um país continental e de grande população,
mas ainda aprisionado pelo déficit de desenvolvimento e pelo desequilíbrio
entre agricultura e indústria, e ameaçado de ficar novamente inferiorizado na divisão
técnica internacional do trabalho.
Política externa não é, ou não deveria ser, no nosso caso,
voltada para conferir prestígio ao detentor do poder ou para promover
ideologias mundo afora. Deveríamos apropriar-nos de um lema do qual os nossos
amigos americanos estão abrindo mão, por medo de ficarem para trás na
globalização (que ironia!): “o negócio dos Estados Unidos são os negócios”.
O Brasil é um país que pode se dar ao luxo de concentrar-se
nos negócios, com quem quer que seja, sem querer dizer como o vizinho, próximo
ou distante, vai organizar sua casa. Não temos armas de destruição em massa nem
pendências fronteiriças, nem participamos de blocos políticos que se definam
pela oposição a alguém.
Um primeiro passo seria retomar o conceito de soberania. Se
não queremos que se metam na nossa vida, comecemos por não nos meter na vida
alheia. Se a pessoa gosta de comentar criticamente relações entre terceiros na
política internacional, ou a política interna de outros países, deveria
procurar trabalho em veículos da imprensa. Presidente brasileiro tem de cuidar
dos interesses do Brasil.
E os assuntos da esfera multilateral? Tratemos nas
instâncias multilaterais, sempre tomando o cuidado da razoabilidade. Temos
instrumentos para isso. Basta tirar a poeira de velhos conceitos como
“autodeterminação das nações” e “solução pacífica das diferenças”. E combater a
tentação de achar que vamos ser sócios do intervencionismo alheio.
Enquanto isso, concentremo-nos em buscar espaços econômicos.
Qual é nosso principal gargalo na economia? A taxa de investimento? O déficit
de infraestrutura? A desindustrialização? Então vamos atrás de parcerias que
possam nos trazer soluções. Podem ser americanos, chineses, russos, indianos,
europeus, tanto faz.
Num mundo crescentemente fraturado, será um privilégio de
poucos. Aproveitemos.
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Publicado na revista Veja de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2.774
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político