O Globo
Com anos de atraso, as autoridades que cuidam dos órgãos de controle
como CGU, AGU, TCU estão negociando com o Supremo Tribunal Federal (STF)
uma legislação que permita sanear as empresas que fizerem acordos de
leniência e, ao mesmo tempo, as obrigue a pagar por seus desvios,
finalizando obras públicas paralisadas. Essa legislação deveria ter sido proposta há muito tempo, ou pelo
Legislativo ou pelo Executivo, como aconteceu com o Proer no governo
Fernando Henrique Cardoso. Foi o ministério da Fazenda que coordenou a
legislação que permitiu evitar uma crise do sistema bancário,
transferindo o controle de bancos falidos como o Nacional e o Econômico,
para outros saudáveis.
Os governos dos últimos cinco anos, período em que atua a Operação
Lava-Jato, não pensaram numa legislação semelhante porque estavam
envolvidos com as empresas punidas pela Lava-Jato, assim como o
Legislativo. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem levado a debate uma proposta do
ministro Bruno Dantas que permitiria o recebimento do prejuízo causado
pela corrupção junto com a reativação da empresa. A ideia é concluir
obras paralisadas relevantes - cerca de 14 mil pelo país - utilizando a
força de trabalho e a expertise de empresas que tenham firmado acordos
de leniência com o Estado e ainda estejam em dívida pelos danos causados
por meio de atos de corrupção. “Depois de perdoadas, essas empresas entram em recuperação judicial, sem
que nem as multas dos acordos tenham sido quitadas, e na lista dos
principais credores figuram exatamente as pessoas físicas responsáveis
por colocá-las, e o país, nessa situação”, ressalta Bruno Dantas.
Conceitualmente, a proposta é que o Estado e a população, os principais
prejudicados pela corrupção, possam obter alguma coisa desses acordos
também. Bruno Dantas diz que ela “se assemelha a uma pena de trabalhos
forçados, mas com a vantagem de ser consensual, visto que as empresas só
firmam acordos de leniência se quiserem”. Ele lembra que o país sofre uma grave crise fiscal, e não terá recursos
para finalizar diversas obras relevantes. “Colocando as empreiteiras
para pagar pela corrupção realizando as obras de infraestrutura que
estão paralisadas, como estradas, saneamento, creches, escolas,
poderíamos estar em situação bem melhor”.
De acordo com a Comissão Parlamentar de Obras Inacabadas da Câmara dos
Deputados, seria necessário algo em torno de R$ 40 bilhões para que as
obras paralisadas no país fossem concluídas. O ministro Bruno Dantas
admite que há questões jurídicas a serem superadas, e dilemas ainda não
resolvidos completamente, como a criação de mecanismo que evite que
sejam prejudicadas as empresas que não se corromperam. O Estado contrata por meio de licitações, e passar essas obras para um
grupo de empresas lenientes “é medida que demandará alterações
legislativas que criem exceções ao dever de licitar previsto
constitucionalmente. Ou, no mínimo, uma decisão judicial reconhecendo a
situação excepcionalíssima”.
A definição do preço a ser considerado em cada obra é um fator
relevante, e o Tribunal de Contas da União (TCU), já desenvolveu
metodologia para analisar o percentual de desconto médio das
contratações feitas pelas Petrobras em ambiente minimamente competitivo. “O resultado foi que, em ambiente de concorrência sadia, o preço
contratado se reduz em aproximadamente 17% em relação ao valor obtido
nas situações de conluio, quando o valor contratado não se descola da
estimativa feita pela própria Administração”.
Será preciso estabelecer requisitos e exigências para que essas empresas
– que firmaram acordos de leniência – possam se enquadrar nesse
“programa”, bem como uma estrutura de incentivos para que elas entreguem
as obras no prazo e com a qualidade exigida. “Não imagino, por exemplo,
que a empresa possa ser beneficiada dessa forma e continuar sob a
gestão das mesmas pessoas que foram responsáveis pelos ilícitos”,
comenta Dantas, que apresentou ao presidente da Câmara Rodrigo Maia
projeto de lei que permite o afastamento dos acionistas controladores,
mediante alienação compulsória do controle da empresa corruptora.
Merval Pereira, colunista - O Globo