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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

O ocaso de uma carreira que muitos consideraram brilhante



Pertence pede para Lula o que negava no STF



Ministro do Supremo Tribunal Federal entre 1989 e 2007, Sepúlveda Pertence ajudou a construir a súmula 691, que veda a concessão de habeas corpus cuja liminar já tenha sido negada anteriormente por outro tribunal superior. Hoje, na pele de advogado de Lula, Pertence pede à Suprema Corte que impeça a prisão do condenado petista, concedendo-lhe uma liminar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já indeferiu. Ou seja: o advogado Pertence defende algo que o ministro Pertence julgava indefensável.

Foi com base na súmula 691 que o ministro Edson Fachin negou a liminar (decisão provisória) que afastaria o risco de encarceramento de Lula, condenado pelo TRF-4 a 12 anos e 1 mês de cadeia no caso do tríplex do Guarujá. O ministro lembrou que a concessão de liminar só se justificaria em caso de constrangimento ilegal. O que não se verifica no processo de Lula. Fachin encaminhou o pedido para o plenário do Supremo, que dará a palavra final. Ainda não foi marcada a data da sessão.



 

As súmulas servem para tornar pacíficas no Supremo interpretações adotadas no julgamento de sucessivos casos análogos. Aprovada pelos ministros da Corte em 24 de setembro de 2003, ainda no primeiro ano do governo Lula, a súmula 691 reuniu dez casos envolvendo habeas corpus, todos indeferidos. Um dos processos que deram origem à súmula foi relatado pelo então ministro Sepúlveda Pertence. Leva o número 80550. Coisa de abril de 2001. A íntegra pode ser lida aqui.

Na sua decisão, Pertence negou habeas corpus a um réu de São Paulo que havia sido condenado por crime sexual. A sentença de primeira instância fora confirmada por um colegiado de segundo grau, o Tribunal de Justiça do Estado, que autorizou a expedição da ordem de prisão. O condenado protocolou habeas corpus no STJ. Ali, o então ministro Gilson Dipp, hoje aposentado, indeferiu um pedido de liminar. Recorreu-se, então, ao Supremo. E o processo aterrissou na mesa de Pertence.

Numa primeira análise, Pertence deferiu o pedido de liminar. Posteriormente, ao submeter o caso à apreciação da Primeira Turma do Supremo, que integrava na época, Pertence reconheceu que havia cometido um erro. “Ao deferir a liminar, equivoquei-me quanto ao objeto da impetração, supondo haver decisão definitiva de denegação da ordem no STJ, onde só existia o indeferimento da liminar pelo relator”, anotou ele em seu voto.
Pertence acrescentou: “Ora, está consolidado no Supremo Tribunal o descabimento de habeas corpus contra indeferimento liminar em tribunal superior.” Na sequência, citou meia dúzia de precedentes —o primeiro datado de novembro de 1993; o último, de março de 2000. Ou seja: mesmo antes da existência da súmula 691, pedidos de habeas corpus como o que Lula protocolou no Supremo, ainda pendentes de deliberação em outro tribunal superior, eram usualmente tratados no Supremo como descabidos.

Em agosto de 2005, o então ministro  Cezar Peluso, que também já se aposentou, propôs ao plenário do Supremo o cancelamento da súmula 691. Fez isso no âmbito de um caso em que o publicitário Roberto Luiz Justus, acusado de crime tributário, tentava obter um habeas corpus para trancar o processo. Por maioria de votos, os ministros aprovaram a manutenção dos termos da súmula. Ficaram vencidos apenas o relator Peluso e o ministro Marco Aurélio Mello.

Neste julgamento, cuja íntegra pode ser lida aqui, Pertence fez várias intervenções. Sempre para defender a manutenção da súmula que agora gostaria de ver flexibilizada em favor de Lula. A certa altura, o então magistrado Pertence afirmou no plenário do Supremo:
“…Está na nobre função dos advogados forçar as portas. E, então, hoje é rara a petição de habeas corpus —mesmo aquelas da nossa indiscutível competência— que não traga a tarja vermelha do pedido de liminar. Às vezes, são condenados a 50, 60, 70 anos de reclusão a alegar uma nulidade num processo de que teria decorrido uma parcela de 2 ou 3 anos desses 50 ou 60 anos. E, sobre isso, tem-se de proferir uma decisão de imediato.”
Pertence prosseguiu: “Os autos são remetidos à casa dos juízes a altas horas da noite. Mas não só pretensões grotescas como essa: é a tentativa de antecipar, a todo custo, a solução, quando não há a mais mínima probabilidade de uma violência real; mas há de incômodos, os quais não podem aguardar, não podem correr a hierarquia jurisdicional, sem nenhum risco de que eles se convertam em coação real à liberdade.”

Abra-se aqui um parêntese. No caso de Lula, ao negar a liminar pedida pela defesa, o ministro do STJ Humberto Martins anotou em seu despacho que a sentença do TRF-4 já havia deixado claro que o condenado petista não seria preso imediatamente. Antes, seriam julgados os chamados embargos declaratórios, recursos que os advogados de Lula têm o direito de apresentar no próprio TRF-4. Ou seja, não se observa aquilo que Pertence, ainda com a toga sobre os ombros, chamava de “coação real à liberdade.” Fecha parêntese.

No julgamento de agosto de 2005, aquele em que Cezar Peluso propunha a revogação da súmula 691, Pertence também declarou que o ideal seria que o Supremo pudesse se debruçar sobre todos os pedidos de habeas corpus, mesmo que tivesse que passar por cima de outros órgãos do Judiciário, suprimindo instâncias. Mas isso não seria viável, ele ponderou. Vale a pena ler o que disse o Sepúlveda de 2005: “Seria o ideal que assim pudesse ser. Que, verificando o Supremo Tribunal, que, em uma remota delegacia de polícia, se está abrindo um inquérito por fato que seja de patente atipicidade, seria o ideal que este tribunal pudesse, de imediato conceder habeas corpus —contra a denegação de liminar em habeas corpus impetrado a tribunal superior contra denegação de liminar em segundo grau; este, por sua vez, impetrado contra denegação da liminar em primeiro grau, e restabelecer o império da lei e poupar o cidadão de incômodos, ou quem sabe, daqui há alguns anos, da ameaça de uma condenação à privação da liberdade.”


Pertence pede para Lula o que negava no STF... - Veja mais em https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2018/02/14/pertence-pede-para-lula-o-que-negava-no-stf/?cmpid=copiaecola



Pertence arrematou seu raciocínio: “Mas a máquina judiciária tem limites. E este Tribunal —como todos os tribunais—, mas este, particularmente, com essa triste responsabilidade de dizer a última palavra, tem responsabilidade também com a viabilidade do funcionamento dessa máquina judiciária. E, depois de décadas de vivência diária nesta Casa, convenço-me, realmente, de que o exagero na ambição de a tudo prover imediatamente acaba, dados limites humanos e temporais de sua capacidade, por inibi-la de desempenhar o seu papel inafastável. Mantenho a Súmula.”

Há seis dias, já incorporado à equipe de defensores de Lula, Pertence visitou o ministro Edson Fachin no Supremo. Pediu pressa no julgamento do habeas corpus que tenta livrar seu cliente da cadeia antes da expedição da ordem de prisão. Na saída do prédio do tribunal, Pertence conversou com os repórteres. Lero vai, lero vem alguém recordou ao doutor que o STJ rejeitara o pedido de liminar. Mais: o mesmo STJ ainda não havia julgado o mérito do habeas corpus de Lula. E Pertence, dando de ombros para tudo o que dissera no passado sobre a súmula 691, declarou que o Supremo pode, sim, atropelar outro tribunal superior, debruçando-se sobre o pedido de habeas corpus.

O novo Sepúlveda Pertence escorou sua argumentação numa hipotética pressa do TRF-4, sediado em Porto Alegre. Ele afirmou: “É possível [o STF dar liminar antes de um julgamento final no STJ]. Foi negada a liminar [no STJ]. E a liminar, no caso, é importantíssima a rapidez dela, dada a velocidade porto-alegrense da Justiça. […] Nós fizemos um apelo, dada a velocidade do tribunal de Porto Alegre. Está aberto o prazo para os embargos de declaração, e, consequentemente, próximo à queda da suspensão da ordem de prisão.”

Relator da Lava Jato no Supremo, Fachin foi célere. Mas contrariou a defesa de Lula em dois pontos. No primeiro, indeferiu o pedido de liminar, em respeito à súmula que Pertence decidiu ignorar. No segundo ponto, Fachin se absteve de submeter sua decisão à Segunda Turma da Suprema Corte, como queriam os defensores de Lula. Fez isso porque sabe que está em minoria nesse colegiado. Preferiu lançar a batata quente diretamente sobre o plenário do Supremo, integrado por 11 ministros.

Deve-se torcer para que Sepúlveda Pertence seja escalado para fazer a defesa oral das pretensões de Lula no plenário do Supremo. Será divertido observar o contorcionismo retórico que o ex-ministro terá de exibir para se contrapor aos termos de uma súmula que ajudou a construir e que defendeu com tanta tenacidade. Em situações assim, é estreita, muito estreita, estreitíssima a fronteira que separa uma argumentação razoável de uma desmoralização incontornável.

Blog do Josias de Souza

 

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Lula: o nome da crise

A crise tem nome: Lula


Seu protagonismo impede uma solução para a crise. Ele aposta no impasse como único meio de sobrevivência política 

[A propósito: ele continua sendo chamado de corrupto, ladrão, chefe de gang  e ainda não processou ninguém.]


Lula voltou a ser o principal protagonista da cena política brasileira. No último mês, não teve um dia sequer em que não ocupasse as manchetes da imprensa. Viajou pelo Brasilsempre de jatinho particular, pago não se sabe por quem e falou, falou e falou. Impôs uma reforma ministerial à presidente, que obedeceu passivamente, como de hábito, ao seu criador. Colocou no centro do poder um homem seu, Jaques Wagner, para controlar a presidente, reestruturar o pacto lulista essencialmente antirrepublicano com o Congresso e o grande capital e, principalmente, para ser um escudo contra as graves acusações que pesam sobre ele, sua família e amigos.

Como de hábito, não teve nenhum compromisso com a verdade. Vociferou contra as investigações. Atacou a Polícia Federal, como se uma instituição de Estado não pudesse investigá-lo. Ou seja, ele estaria acima das leis, um cidadão sempre acima de qualquer suspeita, intocável. Apontou sua ira contra o ministro da Justiça e tentou retirá-lo do cargo — e vai conseguir, cedo ou tarde, pois sabe quão importante foi Márcio Thomaz Bastos em 2005, quando transformou o ministro em seu advogado de defesa.

O ex-presidente, em exercício informal e eventual da Presidência, declarou que o Brasil vive quase um Estado de exceção, simplesmente porque a imprensa divulgou documentos sobre seus ganhos milionários nas palestras e apresentou como dois filhos vivem em apartamentos em áreas nobres de São Paulo sem pagar aluguel uma espécie de Minha Casa Minha Vida platinum, reservado exclusivamente à família Lula da Silva — e teriam recebido quantias vultuosas sem a devida comprovação do serviço prestado. Não deve ser esquecido que o Coaf justificou a investigação da sua movimentação financeira como “incompatível com o patrimônio, a atividade econômica e a capacidade financeira do cliente.” [Lula é tão sem noção que ameaça processar quem o chamar de corrupto, de ladrão, de chefe do MENSALÃO-PT e do PETROLÃO-PT.
Finge não ter percebido - ou é estúpido o bastante para não perceber - que em 2005, no alvorecer do MENSALÃO-PT, a imprensa falava no poderoso chefão, sem dar o nome.
Agora todos falam que  Lula é o corrupto, Lula é o chefe da roubalheira, que os filhos dele, especialmente o Lulinha, que processava até quem pensava em dizer que ele era lobista, e o apedeuta apenas gane ameaçando processar.
Certamente, seus advogados já o alertaram que o processado pode se defender e na defesa fundamentas as acusações.
Lula, breve você estará preso, dividindo celas com criminosos comuns, iguais a você - sinceramente, desejamos que piores, assim 'cuidarão' de você.] 

Lula passou ao ataque. Falou em maré conservadora, que não admite ser chamado de corrupto e que — sinal dos tempos — não teme ser preso. A presidente da República, demonstrando subserviência, se deslocou em um dia útil de trabalho, de Brasília para São Paulo, simplesmente para participar da festa de aniversário do seu criador. Coisa típica de República bananeira. Ninguém perguntou sobre os gastos de viagem de uma atividade privada paga com dinheiro público. O país recebeu a notícia naturalmente. E alguns ingênuos ainda imaginam que a criatura possa romper com o criador, repetindo a ladainha de 2011.

Mesmo após as aterradoras revelações do petrolão, Lula finge que não tem qualquer relação com o escândalo e posa de perseguido, de injustiçado. Como se não fosse ele o presidente da República no momento da construção e operação do maior desvio de recursos públicos da história do mundo. Nas andanças pelo país, para evitar perguntas constrangedoras, escolhe auditórios amestrados. Mente, mente, sem nenhum pudor. Chegou a confessar cometeu estelionato eleitoral, em 2014, como se fosse algo banal.

O protagonismo de Lula impede uma solução para a crise. Ele aposta no impasse como único meio de sobrevivência, da sua sobrevivência política. Pouco importa que o Brasil viva o pior momento econômico dos últimos 25 anos e que a recessão vá se estender, no mínimo, até o ano que vem. Pouco importam os milhões de desempregados, a disparada da inflação, o desgoverno das contas públicas. Em 1980, o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo não pensou duas vezes em prorrogar a greve, mesmo levando-a à derrotae aos milhares de operários que tiveram os dias parados descontados nos salários —, simplesmente para reabilitar sua imagem frente à base sindical, isto porque, no ano anterior fechou acordo com a Fiesp sem que o mesmo fosse aprovado pela assembleia, daí que passou a ser chamado pelos operários de pelego e traidor.

Em setembro, Dilma chegou a balançar quando o PMDB insinuou que poderia apoiar o impeachment. Lula entrou em campo e, se não virou o jogo, conseguiu ao menos equilibrar a partida — isto na esfera da política, não da gestão econômica. Tanto que a possibilidade de a Câmara dos Deputados aprovar, neste ano, a abertura de um processo de impeachment é nula. Por outro lado, o Congresso Nacional não aprovou as medidas que o governo considera como essenciais para o ajuste fiscal. É um jogo cruel e que vai continuar até o agravamento da crise econômica a um ponto que as ruas voltarem a ser ocupadas pelos manifestantes.

As vitórias de Lula são pontuais, superficiais e com prazo de validade. As pesquisas mostram que ele, hoje, é uma liderança decadente e com alto grau de rejeição, assim como o PT. Mantém uma influência no centro de poder que é absolutamente desproporcional ao seu real peso político. Tem medo das consequências advindas das operações Lava-Jato e Zelotes. Mas no seu delírio quer arrastar o país à pior crise da história republicana. E está conseguindo. Tudo porque sabe que o impeachment de Dilma é o dobre de finados dele e do PT.

As ações de Lula desmoralizam o Estado Democrático de Direito. Ele despreza a democracia. Sempre desprezou. Entende o Estado como instrumento da sua vontade pessoal. Mas, para sorte do Brasil, caminha para o ocaso. Só não foi completamente derrotado porque ainda mantém apoio de boa parte da elite empresarial, que, por sua vez, exerce forte influência no Congresso e nas cortes superiores de Brasília. O grande capital não sabe o que virá depois do PT. Na dúvida, prefere manter apoio ao “seu” partido e ao “seu” homem de confiança, Lula.

Por: Marco Antonio Villa é historiador - O Globo