Por
vezes, o turbilhão dos fatos dificulta a percepção da lógica dos
acontecimentos. Tenho 77 anos e desde os seis, por motivos que não vale a
pena mencionar, acompanho a política brasileira. Assisti a golpes e
tentativas de golpes, a governos estáveis e não estáveis, presenciei
muitas manifestações populares e é destas que quero tratar.
Na minha
observação, povo na rua tem sido um instrumento da oposição ao governo,
seja ele qual for. No entanto, desde 2019 convivemos com um fenômeno
originalíssimo: povo na rua, aos milhões, dando cobertura ao governo e
os eleitores da oposição impassíveis, em casa, sem picanha nem
cervejinha, assistindo pela Globo.
A massa
eleitoral da esquerda, reformista ou revolucionária, parecia haver
perdido o gosto pela política.
Nada tinha a reivindicar ou a combater
mediante mobilização popular.
A velha mídia do consórcio, a turma que
assinaria a carta da USP às vésperas da eleição, o agregado dos
operadores da Cultura, etc., falavam por todos. Povo na rua, contudo,
não. Quando o ensaiaram deu fiasco.
Qual o motivo
de tão prolongado tempo sabático? O que pôs em silêncio os ruidosos e
contrariados de sempre, que nem no Congresso (exceção feita ao cirquinho
dos três patetas) parecia ter o que fazer? Ora, amados leitores, a
oposição tinha a lustrosa cereja do bolo – a consistente, operosa,
sôfrega, metediça e eficaz maioria petista no STF e, no devido tempo,
também no TSE.
E a cobertura do bolo era proporcionada pelas redações da
velha mídia do consórcio.
Impossível
assim proceder e ser ovacionado pelo universo. Talvez fosse a essa
expectativa que a infeliz combinação de orgulho, vaidade e falta de bom
senso os levasse. A relação, porém, seguiu o caminho da desconfiança e
da indignação, respondidas por quem usa toga: furiosas ameaças,
bloqueios de páginas e perfis, desmonetizações, censuras, inquéritos finis mundi, prisões, sequestros de bens privados, violações de prerrogativas constitucionais.
Tivessem
ouvido o povo nas praças, não estaríamos vivendo este momento! Agora,
colhem o fruto da perda da confiança, pela qual não souberam zelar e do
medo que se dedicaram a semear.
Ele é azedo e danoso à saúde social. É o
que diz o povo, novamente na rua, num movimento em que a coragem vence o
constrangimento e o medo. Ele refuga o jugo e exige esclarecimentos.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.