— Ainda não.
— Mas não perdeu a esperança, pelo visto.
— De jeito nenhum. Eu chego lá.
— Lá, aonde?
— Na felicidade.
— É isso aí. Tem que manter o pensamento positivo.
— Não é pensamento positivo. É estratégia.
— Ah, é? Qual?
— Agenda 2030.
— Como assim?
— É um projeto muito bacana. Estou nele.
— Mas 2030 não tá um pouco longe?
— Tá, mas vale a pena.
— E como é esse projeto?
— Não sei direito. Só sei que é muito bom.
— Sei… E o que ele tem de bom?
— Bom, não. Muito bom.
— Certo. O que ele tem de muito bom?
— A ideia geral. Me identifiquei totalmente.
— Qual seria essa ideia?
— É uma ideia muito simples e muito inteligente.
— Juntar simplicidade com inteligência costuma dar boa coisa mesmo.
— Muito boa. Estou animado.
— E qual seria esse plano 2030?
— Seria, não. Será.
— Vejo que você está confiante.
— Totalmente.
— Estou precisando confiar em alguma coisa também.
— Então vem comigo.
— Pra onde?
— Pra agenda 2030.
— O que eu tenho que fazer pra embarcar nessa?
— Nada. Só embarcar. Eles cuidam do resto.
— Legal. Parece prático.
Vou repetir: em 2030 vamos ser felizes.
— Muito prático. Simplicidade e inteligência, como te falei.
— Bem lembrado. E qual seria a ideia geral mesmo?
— Seria, não. É.
— Opa, desculpe. Ainda me falta confiança.
— Normal. Você chega lá.
— Tomara. Então qual é mesmo a ideia geral?
— Sinto que você está um pouco ansioso.
— Talvez.
— Também fiquei assim no começo. É a vontade que 2030 chegue logo.
— Deve ser. E por que mesmo a gente quer que 2030 chegue logo?
— A sua memória não tá legal mesmo, hein? Não retém nada do que eu falo.
— Desculpe.
— Tudo bem. Vou repetir: em 2030 vamos ser felizes.
— Ah, é! Poxa, como pude me esquecer de uma coisa tão boa?
— Acontece. Pode ser medo de ser feliz.
— Já ouvi falar.
— Muito comum. Mas você vai superar.
— Obrigado.
— De nada. No que você embarcar na agenda 2030 já vai se sentir outra pessoa.
— Será?
— Experimenta.
— Tá bom. Embarquei.
— Parabéns! E aí, já tá sentindo a mudança?
— Não sei, acho que sim…
— Não se reprime. Deixa a felicidade começar a se espalhar pelas suas células. Sem medo.
— Ok. Estou tentando.
— Ótimo.
— Estranho é que mesmo aqui dentro da agenda 2030 ainda não estou conseguindo ver a ideia geral do projeto.
— Não se preocupa. Você ainda está com seu olhar para o mundo defasado. Daqui a pouco sua visão se abre.
— É bom sentir a sua confiança.
— Aprendi com a agenda 2030.
— Incrível. Será que enquanto a minha visão não se abre você pode me dar uma ideia sobre a ideia da coisa.
— A ideia da ideia… Viu como você já tá pensando com mais clareza?
— Você acha?
— Acho, não. Tá na cara!
— Que bom. Então, a ideia da ideia seria…
— Seria, não. É! Repete comigo: a ideia É!
— A ideia é.
— Perfeito. Sua confiança já está visivelmente maior.
— Opa, legal. Então vou aproveitar que estou confiante e perguntar sem meias palavras, ok?
— Pode perguntar o que quiser. Não existe segredo na agenda 2030.
— Obrigado. Lá vai: qual é a ideia geral do projeto?
— Percebo que a sua confiança aumentou, mas a sua ansiedade ainda não diminuiu.
— Isso é normal?
— Absolutamente normal. Afinal, todos queremos que 2030 chegue logo.
— Fico mais tranquilo. E enquanto ele não chega você poderia me dar uma ideia da ideia geral da coisa?
— Claro. Não vou te torturar com isso.
— Te agradeço. Então, qual é?
— É uma ideia muito inteligente e muito simples.
— Essa parte já entendi.
— Ótimo. Você está pegando rápido.
— Obrigado. E qual é mesmo a ideia?
— A ideia é a seguinte: “Em 2030 você não vai ter nada e vai ser feliz”.
— …
— Ficou até sem fala, né? Também fiquei no começo. É porque parece bom demais pra ser verdade.
— Quem criou esse plano?
— Uns bilionários reunidos na Suíça.
— Eles também não vão ter nada em 2030?
— Essa parte não foi detalhada no plano.
— E por que você confia tanto nesse plano?
— Porque já vi que ele funciona.
— Como?
— Com os trancamentos do lockdown — outra ideia simples e genial da mesma turma que fez a agenda 2030 — eu fui à falência.
— Você acha isso bom?
— Claro! O plano é “você não vai ter nada e vai ser feliz”. A primeira metade dele já se concretizou pra mim.
— Isso é verdade. Só falta a felicidade, né?
— Calma. Uma coisa de cada vez.
Leia também “Democracia na marca do pênalti”
Guilherme Fiuza, colunista - Revista Oeste