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sexta-feira, 16 de junho de 2023

O ministro sem dúvidas e o país das incertezas - Augusto Nunes

Revista Oeste

Alexandre de Moraes mantém o recorde mundial de inquéritos secretos e prisões sem julgamento

 

Alexandre de Moraes, ministro do STF | Foto: Montagem Revista Oeste/Marcelo Camargo/Joedson Alves/Agência Brasil

  “Com um ano e meio de Supremo, o meu gabinete já era o melhor”, louvou-se Moraes nesta terça-feira, 13, ao conversar em Brasília com dois jornalistas da revista Piauí. 
A maior celebridade do Poder Judiciário é avessa a entrevistas. 
Mas o diálogo com Carol Pires e Felipe Recondo evocou a precisa imagem do cantor Jamelão: Moraes estava feliz como pinto no lixo.  
Faz sentido. Como os juízes do Supremo, jornalistas e funcionários da revista financiada por João Moreira Salles têm emprego vitalício, sejam quais forem o número de exemplares vendidos e o volume de anúncios. 
O fundo criado por Salles com o embolso antecipado da parte da herança que lhe cabia é suficiente para que os salários, mesmo que a publicação desapareça, sejam pagos em dia até o fim dos tempos.  
Mais: a cada edição, Piauí reafirma que o regime democrático só escapou do enterro em cova rasa porque Moraes compreendeu que o Estado de Direito está acima de tudo — acima até da Constituição. E, para preservar a liberdade, instituiu o que chama de “liberdade com responsabilidade”. (A expressão foi usada pela primeira vez em 13 de dezembro de 1968. Nesse mesmo dia nasceram Alexandre de Moraes e o Ato Institucional nº 5.)
 
Tais afinidades facilitaram a conversa sobre o que entrevistadores e entrevistados qualificam de “atos golpistas de 8 de janeiro”.  
O próprio Moraes colocou em pauta perguntas essenciais. 
Quando será definido o destino da multidão formada por uns poucos culpados e incontáveis inocentes presos sem julgamento, homens e mulheres desprovidos de advogados, sem acesso às acusações sigilosas? 
Quando serão devolvidas à plena liberdade centenas de brasileiros torturados pelo uso diuturno de tornozeleiras? 
E então começou o espancamento simultâneo da Constituição, dos códigos legais e da língua portuguesa: “Espero que em até seis meses todos os processos estarão acabados. O prazo pode passar porque ainda não conseguimos terminar o finalzinho do recebimento das denúncias porque alguns foram trocando de advogados”, desandou Moraes no dilmês rústico. “Mas pelo menos aproximadamente 250, que são os crimes mais graves e estão presos, esses em seis meses com certeza o Supremo vai encerrar.”

Caiu em desuso, portanto, o princípio jurídico segundo o qual o ônus da prova cabe à acusação. Agora cabe ao inocente provar com vídeos e fotos que a acusação é falsa

Segundo o ministro, a aceleração do ritmo de julgamento só se tornou possível porque a Procuradoria-Geral da República engoliu sem engasgos outra inovação: as denúncias serão feitas em bloco — 30 por vez. 
Se não houver a individualização de condutas, murmurou o entrevistador, os advogados dos réus poderão dizer que o direito de defesa foi prejudicado. “Quem afirma isso não entende nada de Direito Penal”, impacientou-se o entrevistado. “Se agora começar uma rixa, um batendo no outro, quem estava lá participou. São condutas múltiplas. Não preciso dizer que fulano quebrou a cadeira A ou riscou o carpete B. Estar lá já é crime.” Ou seja: se fosse juiz de futebol, Moraes só precisaria do cartão vermelho para enquadrar os envolvidos numa briga generalizada: expulsaria os agressores, os agredidos, os que tentaram apartar, os que se mantiveram neutros e também os gandulas que torceram por um dos bandos. 
Terá alguma chance de absolvição apenas quem provar que nada fez, amparado em imagens que documentem as depredações ocorridas no dia 8. “Nesse caso, alguns crimes caem”, confirmou o entrevistado. Caiu em desuso, portanto, o princípio jurídico segundo o qual o ônus da prova cabe à acusação. Agora cabe ao inocente provar com vídeos e fotos que a acusação é falsa.

 

 

 Foto: Reprodução

Fake news, prefere o ministro que, apesar da trabalheira que lhe dá o desmonte do único golpe de Estado da história tramado por civis desarmados e sem líderes, encontra tempo para presidir o Tribunal Superior Eleitoral, prender senadores avulsos, lutar contra as big techs, obstruir o avanço das redes sociais, demarcar as fronteiras que separam a mentira e a verdade, confiscar os direitos políticos de Bolsonaro, bloquear uma floresta de contas bancárias, dissolver gabinetes do ódio e tocar meia dúzia de inquéritos sem os quais o Brasil que elegeu Lula não se livrará do pesadelo incomparável: dormir numa democracia e acordar sob o jugo de uma ditadura de extrema-direita. 
 Na entrevista, o ministro fez questão de dividir o acervo de proezas com os parceiros do Timão da Toga: “Eu entendo que a mídia precisa sempre de um personagem, mas tudo o que foi feito foi referendado pelo plenário do TSE”. (Como disse o próprio Moraes, “tem muita gente pra prendê, muita multa pra aplicá”. Qualquer ajuda é bem-vinda.) 
Mas fez questão de reivindicar a paternidade da grande descoberta: o Brasil está infestado de extremistas de direita, que detestam gente de pele escura e odeiam mulheres.  
Para ser traduzido, o cortejo de vogais e consoantes que denunciou o real problema do país, reproduzido abaixo sem correções nem retoques, exigirá a mobilização de sumidades da linguística e ex-intérpretes de Dilma Rousseff. Confiram: “O grande salto da extrema-direita nas redes sociais foi conseguir pegar no fundo das pessoas aquilo que estava adormecido. Tenho certeza que todos aqui nunca pensaram que tivessem tão próximas pessoas fascistas, racistas e misóginas, numa convivência de anos, e que guardavam isso. Às vezes até soltava uma piadinha besta, mas segurava. A extrema-direita conseguiu fazer não só com que essas pessoas se liberassem, mas tivessem orgulho de posições que antes eram tidas como erradas, mas que foram normalizadas. Essa normalização foi o grande êxito da extrema-direita contra a democracia.”


Ministro Alexandre de Moraes participou do Encontros Piauí (13/6/2023) | Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE
Quando fala de improviso, o ministro é tão incompreensível quanto as decisões que toma de dez em dez minutos e anuncia por escrito com a convicção de um Moisés transcrevendo o primeiro dos Dez Mandamentos. 
Para piorar as coisas, muda de direção sempre que lhe convém e passa a defender o avesso do que pregava com o mesmo olhar de quem chega de outro encontro com a Verdade e a Luz. 
Ainda distante da aposentadoria, Alexandre de Moraes inaugurou uma das mais intrigantes ramificações da espécie humana: o homem sem dúvidas que funciona em tempo integral como usina de incertezas.


Leia também “A suprema conversão” 

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste