Ideias - Gabriel de Arruda Castro
Não
é de hoje que o Primeiro Comando da Capital (PCC) utiliza o serviço de
advogados para cometer crimes.
Mas a principal organização criminosa no
Brasil também trabalha para formar os próprios juízes e promotores.
Autoridades
têm detectado uma movimentação da facção criminosa para ingressar em
tribunais de justiça e no Ministério Público por meio de concursos
públicos.
Até onde se sabe, não há fraude envolvida no processo de
seleção: tudo seria feito dentro das regras como parte de uma estratégia
de longo prazo, que inclui o financiamento das mensalidades de Direito a
jovens que, no futuro, possam ser aprovados nos concursos públicos e
passem a atuar como agentes do crime organizado dentro da máquina
estatal.
As
tentativas de infiltração se tornaram mais frequentes nos últimos anos e
chamaram a atenção do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Na última semana, o
órgão
determinou na que a
Polícia Federal investigue
a tentativa do PCC influenciar o Judiciário por dentro. O corregedor do CNJ,
Luis Felipe Salomão, assinou a ordem.
O
avanço do PCC nesse campo é mais um passo na estratégia do grupo, cuja atuação
vem se tornando mais sofisticada, e se assemelha ao comportamento de grupos
criminosos de outros países — como a máfia de Chicago, chefiada por Al Capone
nos anos 30, e a organização liderada pelo traficante colombiano Pablo Escobar.
Tecnologia para barrar a infiltraçãoEmbora mantenha discrição sobre o tema, o Ministério Público do Estado de São Paulo confirma que o PCC vem tentando se infiltrar no poder público.
O
subprocurador-geral José Carlos Cosenzo afirma que o fato já é conhecido há
alguns anos. “Nós já detectamos, alguns concursos atrás, da mesma forma que a
magistratura detectou”, diz. Ele acrescenta que a facção criminosa tem bancado
as mensalidades do curso de Direito para futuros advogados e agentes públicos.
“Eles patrocinam o curso de Direito na universidade para depois a pessoa
advogar para eles e tentar ingressar nas carreiras jurídicas. Eles tentam
colocar gente no Ministério Público e no Judiciário”, explica.
O
método “tradicional” do PCC para influenciar a atuação da Justiça e dos órgãos
de segurança pública envolve dois caminhos: a violência direta e a corrupção.
No primeiro caso, as consequências costumam ser pesadas. No segundo, a
tentativa de cooptação pode ter o efeito contrário do desejado. A formação dos
próprios quadros para influenciar a atuação da Justiça é, de certa forma, uma
tentativa de evitar esses riscos. Ao comprar a lealdade do futuro bacharel de
Direito, o PCC passa a ser credor de uma dívida sem prazo de validade. “Para
eles, é melhor colocar uma pessoa que eles já conhecem desde muito antes”,
analisa Cosenzo. [nos parece que a violência direta como forma de intimidação e a corrupção como forma de cooptação, nos parecem mais eficientes - sempre tem os que se deixam intimidar e passam a ser, no mínimo, omissos e espaço para a corrupção sempre existe em qualquer instituição pública.
Já quanto a formação de 'quadros', desde o ingresso nas faculdades até se tornar um promotor, magistrado ou um ministro de tribunal superior, é um caminho, porém, entendemos ser extremamente demorado e incerto, o que não combina com a urgência que sempre prevalece na maioria das ocasiões dentro das organizações criminosas.]
Não
necessariamente os integrantes do PCC prestam concurso para os cargos
mais altos, como o de promotor e juiz. Outras funções, como oficial de
promotoria e analista, também são procuradas pelos criminosos. “É mais
fácil se infiltrar em cargos menores onde você tem acesso aos processos
do que num cargo maior em que você é vigiado por todos”, afirma o
subprocurador. [nos tempos atuais o acesso de servidores é sempre restrito e o poder de decisão praticamente nenhum - alguma valia só é encontrada se o processo de infiltração, demorado e complicado, ocorrer na condição de MEMBRO do MP ou do Poder Judiciário.
Ter acesso a processos, o que é fácil para alguns servidores, é de pouca valia, especialmente nos tempos atuais, em que tudo é digitalizado - o que facilita havendo destruição, imediata restauração.]
Cosenzo explica que o Ministério
Público tem aprimorado a investigação sobre os inscritos nos concursos.
Além do cruzamento de dados com outras unidades da federação, o processo
inclui entrevistas com pessoas próximas do candidato e, mais
recentemente, ferramentas digitais que ajudam a detectar qualquer
suspeita no passado do candidato. O trabalho tem o apoio do Cyber Gaeco,
unidade criada em 2018 como um braço do Grupo de Atuação Especial de
Combate ao Crime Organizado.
Depois
de tomarem posse, os aprovados no concurso também passam por dois anos de
acompanhamento rigoroso durante o estágio probatório. "No tempo em que ele
está no estágio probatório, nós continuamos fazendo o levantamento dos antecedentes
e do histórico social. Se tiver algum problema de qualquer ordem que possa
prejudicar a atuação do membro como integrante do MP, ele é dispensado”,
explica Cosenzo.
O subprocurador diz que não pode
detalhar os números, mas afirma que o número de candidatos ligados ao
PCC vinha crescendo na última década, até que houve uma queda
considerável no último concurso. Ele atribui a diminuição aos esforços
adotados para barrar candidatos ligados à organização criminosa.
O
Ministério Público do Estado de São Paulo realiza concursos, em média, a cada
dois anos. Atualmente, o órgão tem um processo de seleção em andamento.
"Sintonia dos Gravatas"As evidências da infiltração do PCC em órgãos estatais existem pelo menos desde a década passada.
Em
maio de 2015, agentes da penitenciária de Presidente Venceslau encontraram uma
carta em que os criminosos tratam de uma mesada de R$ 5.000 paga a Luiz Carlos
dos Santos, [peixe pequeno, até o valor da propina é desmoralizante, indicio seguro da pouca importância do corrupto (nos lembra aquela namorada do atual presidente, Rose Noronha, que era subornada com gorjetas, pequenos agrados) = o valor do suborno é diretamente proporcional à importância do subornado.] então integrante do CONDEPE (Conselho Estadual e Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana de São Paulo). Os intermediários do acerto eram dois
advogados: David Gonçalves e Vanila Gonçalves.
A
carta dizia: “O Luiz Carlos do CONDEPE, ele esta trabalhando com’ nóis’, já foi
autorizado a inclusão do nome dele na folha de pagamento no quadro dos
gravatas”, dizia o texto, assinado por “Sintonia Final” — a cúpula do PCC. Na
carta, a operação era tratada como prioridade. “Não será economizado moedas
para essa situação, tudo que for necessário de dinheiro pode ser usado, sem
miséria, o quadro de gravatas também já foi avisado da prioridade deste
projeto.”
Durante as investigações, os promotores
descobriram que Vanila e Davi tentaram se tornar conselheiros do
CONDEPE, mas fracassaram. O pagamento de propina a Santos era o plano B.
O órgão é composto por 18 integrantes, indicados por diferentes setores
da sociedade. Santos era vice-presidente do colegiado.
O
juiz do caso, Gabriel Medeiros, afirma nos autos que os criminosos do
“passaram a interferir em órgãos públicos e autoridades do Estado, como
Delegados de Polícia, Juízes, Promotores, etc.” — graças à influência
exercida pelo conselheiro cooptado. Um dos objetivos era forjar
denúncias irreais sobre as condições dos presos para fundamentar futuras
denúncias a órgãos internacionais.
Santos
ganhava bônus para cumprir algumas missões, como realizar audiências públicas
chamando atenção para as supostas condições precárias dos presídios.Os
advogados recebiam um pagamento mensal do PCC. Na
sentença de condenação de Abel Pacheco de Andrade, um dos líderes do
PCC, o juiz Gabriel Medeiros escreveu que os criminosos “estenderam
tentáculos para o seio do poder público.”
A
investigação também trouxe à luz o papel dos advogados dentro do PCC. O
núcleo jurídico da facção (chamado de “Sintonia dos Gravatas”) foi
estruturado em 2016. Na época, havia 40 advogados atuando como agentes
da organização criminosa. Esses intermediários são peças-chaves na
engrenagem do PCC por poderem se comunicar de forma sigilosa com os
chefes do grupo e receber grandes somas de dinheiro disfarçados como
honorários.
A
partir da estruturação da “Sintonia dos Gravatas”, eles passaram a prestar
assistência aos familiares, bancando despesas médicas e os custos de funerais e
outras tarefas, mais nebulosas, como a cooptação de agentes do Estado para
favorecer o PCC. “Os advogados integrantes do corpo jurídico do PCC raramente
realizavam serviços de índole jurídica aos líderes, pois essa tarefa ficava a
cargo de outros advogados contratados para esse fim específico”, afirma o juiz
na sentença.
Servidor da Justiça cooptado
No ano passado, o Ministério Público do Mato Grosso do Sul encontrou outras provas da infiltração do PCC no Judiciário
. Advogados (inclusive um defensor público) atuavam em conluio com o então chefe do cartório da 1ª Vara de Execução Penal do Tribunal de Justiça do Estado.
Rodrigo Pereira da Silva Corrêa usava o acesso privilegiado aos sistemas internos para fornecer informações aos membros do PCC. Em troca, recebia propina — intermediada por advogados da facção.
[vale destacar que todos os exemplos foram resultado da cooptação, via corrupção, nenhum de 'quadro' formado para a tarefa.] As informações
vazadas incluíam dados sobre futuras remoções de detentos ligados à
organização criminosa, e motivaram o planejamento de atentados
(abortados) contra autoridades do Judiciário. Em 2021, já sob suspeita
de ligação com o PCC, Rodrigo havia sido removido do cargo no tribunal.
Estratégia previsívelPromotor de Justiça no Rio Grande do Sul e autor de livros sobre criminalidade, como
'Violência, Laxismo Penal e Corrupção do Ciclo Cultural', Diego Pessi afirma que a tentativa de influenciar o poder público é parte da própria natureza das organizações criminosas:
“O assédio do crime organizado às instituições não é algo recente no Brasil. A história desses grupos criminosos mostra que, desde sempre eles buscaram uma relação promíscua com o poder”, explica.
Olavo
Mendonça, major da Polícia Militar do Distrito Federal e especialista em
segurança pública, concorda: ele diz que a tentativa de se infiltrar no
poder estatal é um passo previsível na trajetória do PCC. "Não existe
crime organizado poderoso sem a infiltração no poder público", diz.
Mendonça afirma que a polícia também já notou uma movimentação suspeita
em seus concursos. “Aqui no Distrito Federal já aconteceram tentativas
de infiltração. E, em todas as vezes que a gente soube, a Polícia
Militar tomou as devidas providências e a pessoa foi excluída." Para
Mendonça, a tática de infiltração é pouco frutífera: "É impossível ter
uma pessoa tentando se infiltrar e que tenha um comportamento 100%
normal. Eles facilmente identificáveis. Se não num primeiro momento, num
segundo”, diz.
Por
outro lado, Mendonça diz que a infiltração é menos comum do que a cooptação
direta. "Em 90% das vezes eles buscam as pessoas que já estão dentro das
corporações. É muito mais fácil cooptar do que colocar alguém para dentro desde
o começo”, diz.
De
certa forma, o subprocurador Cosenzo concorda. Ele afirma que o PCC tem poucas
chances de sucesso em sua tentativa de subverter o Ministério Público e o
Judiciário. “É dificílimo. A probabilidade é quase zero, por causa da forma
como fazemos a investigação sobre a vida social dos candidatos”, assegura.
Já
Diego Pessi lembra que, embora a varredura cuidadosa sirva para afastar
os membros do PCC, é preciso acompanhar de perto uma possível mudança
de estratégia da organização. Pessi diz que o crime organizado modifica a
sua forma de atuação continuamente, sempre em busca de brechas legais.
“Os processos de seleção realizados pelo MP e magistratura são
rigorosos, inclusive no que concerne à análise da vida pregressa dos
candidatos. Mas isso não significa que não haja motivos para
preocupação”, alerta.
Gabriel de Arruda Castro - Ideias - Gazeta do Povo