Tratar candidatos radicais como escândalo durante a campanha só os fortalecerá
Quatorze países latino-americanos terão eleições presidenciais em 2018 e
2019. Na maioria deles, há uma ampla rejeição à elite política. No México,
por exemplo, apenas 2% dos eleitores confiam em partidos políticos e só
4% acreditam que o país está no rumo certo. Em quase toda a América Latina
ocorre algo similar. Devido ao baixo crescimento econômico e à
desconfiança na classe política — e na própria democracia —, o próximo
ciclo eleitoral na região deverá trazer profundas mudanças. Embora isso
não seja negativo per se — de fato, as elites políticas
precisam ser renovadas urgentemente —, há um risco enorme de que o atual
descontentamento generalizado levo ao surgimento de salvadores da
pátria no continente, os quais têm maior tendências autoritárias e menor
apreço aos chamados freios e contrapesos, pilares de qualquer sistema
democrático.
Considerando o resultado da eleição presidencial dos EUA de 2016 e em vários países europeus ao longo dos últimos anos, essa expectativa parece perigosamente ingênua.
Candidatos como Trump adotam a estratégia de escandalizar, de maneira sistemática, para crescer nas pesquisas de opinião e definir a pauta do debate público. Muitas de suas declarações têm como objetivo gerar rejeição e estigmatização pelo establishment político.
Como afirma um memorando interno do partido da extrema direita “Alternativa para a Alemanha” (AfD) — que teve seu melhor resultado histórico nas eleições parlamentares no mês passado, "quanto mais eles tentam estigmatizar o AfD por causa de palavras provocativas ou ações, melhor para o perfil do AfD. Ninguém dá ao AfD mais credibilidade do que nossos adversários políticos." Trump e o AfD foram politicamente incorretos de propósito e, tanto nos EUA quanto na Alemanha, a imprensa e a elite política erraram ao fazer da ameaça extremista o tema central da campanha. Como Thorsten Benner, um dos principais analistas alemães, afirma em recente artigo na Foreign Affairs, “esse foco [no AfD] impediu que partidos tradicionais envolvessem os eleitores no debate sobre as demais questões com as quais eles [eleitores] se preocupam profundamente, desde previdência e educação públicas até a crise nos asilos alemães, e apresentassem uma visão para a transformação da Alemanha na era digital.”
Cabe, portanto, criticar afirmações absurdas, mas sem dar destaque a provocações nas manchetes dos jornais. Elas, tampouco, precisam dominar as timelines das redes sociais. Compartilhar um post crítico de um candidato extremista pode, ao contrário do que se espera, beneficiá-lo. Ademais, com isso, pode-se estar reduzindo o espaço para as ideias de outros candidatos. Nos debates durante a campanha — na TV, em universidades, em comícios etc. —, a presença de candidatos espalhafatosos requer perguntas objetivas sobre propostas concretas, como políticas públicas para economia, educação, saúde e segurança — temas para os quais eles normalmente não têm respostas convincentes. Em vez de rotulá-los e isolá-los, assim dando a esses radicais tratamento especial que desejam, é preciso haver diálogo para demonstrar as fragilidades de suas candidaturas.
Fazer abaixo-assinados de intelectuais contra Bolsonaro, como ocorreu recentemente para tentar impedir a palestra do presidenciável na Universidade George Washington, tem o mesmo efeito que sanções econômicas dos Estados Unidos contra o regime de Maduro na Venezuela: ajudam sua causa e mobilizam sua base. Argumenta Benner, no mesmo artigo, sobre a entrada do partido extremista no parlamento alemão: “Nos próximos meses, partidos políticos, os meios de comunicação e as organizações não governamentais não devem procurar apresentar uma frente unida contra o AfD. Fazê-lo só fortalece o argumento do AfD de que [ele] seja a única alternativa a um establishment monolítico.”
Muitos votaram em Trump, no AfD e em outros partidos extremos não porque acreditam em suas teses, mas porque rejeitaram todas as alternativas. No Brasil, muitos apoiam Bolsonaro porque perderam a esperança no sistema político. No caso da Alemanha, 85% dos eleitores da AfD disseram que o voto no partido era uma expressão de desapontamento com as elites políticas e o único veículo com o qual poderiam expressar seu protesto, de acordo com pesquisa do Infratest Dimap. Em vez de apenas atacar os extremistas por suas bravatas durante toda a campanha — como aconteceu na Alemanha e nos EUA —, é preciso enfrentá-los onde eles mostram suas maiores fraquezas: no campo das ideias e propostas concretas.
Fonte: El Pais