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quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O que aconteceu com culpados depois de grandes atentados?




Todo atentado contra figuras políticas é uma falha de segurança e os serviços de proteção tiram lições importantes; culpar a vítima não é uma delas


O homem que não matou Ronald Reagan por uma distância de apenas dois centímetros entre a bala alojada no pulmão e o coração -, está livre e solto, morando no casarão da mãe.

O que explodiu uma bomba no quarto de hotel um andar acima de onde estava Margaret Thatcher, em 12 de outubro de 1984, matando cinco pessoas, saiu da cadeia com o acordo de pacificação da Irlanda do Norte e vive sem grandes preocupações.
(A primeira-ministra, claro, escapou, mandou todos os que podiam andar comprar ternos novos para prosseguir com a convenção do Partido Conservador e escreveu um bilhete pessoalmente para cancelar o cabeleireiro naquele dia, mas agradecendo pelo penteado que aguentou tão bem os infaustos acontecimentos. Não é qualquer uma que pode ser chamada de Dama de Ferro).

Yigal Amir, o assassino de Yitzhak Rabin, continua preso, mas conseguiu romper o isolamento total em que passou quinze anos. Casou-se na prisão com uma escritora russa emigrada para Israel, seguidora da corrente ortodoxa do judaísmo.
Ela largou o marido, com quem tinha quatro filhos, para ficar com o assassino que continua a ser idolatrado por uma minoria de religiosos ultrarradicais para quem Rabin estava traindo Israel. Conseguiu direito a visitas conjugais e, em 2007, teve um filho com Amir.
Todos estes atentados foram produto de “falhas colossais” de segurança, como foi determinado no caso de Reagan.

Aconteceram nos países com os melhores serviços de proteção do planeta, cada qual no seu estilo. Inevitavelmente, provocaram inquéritos rigorosos e mudanças nos métodos usados.  Sem contar a enorme frustração entre os responsáveis pelos esquemas furados – além de choro, sentimentos de culpa e pedidos de demissão.

No caso do diretor do Shin Bet, o serviço de inteligência interna que faz a segurança dos líderes israleneses, o pedido foi aceito um ano depois, para não passar recibo.  Em nenhum desses casos as vítimas foram responsabilizadas. Os diferentes destinos dos criminosos que os praticaram mostram o funcionamento do estado de direito de acordo com a tradição de cada país e as condições específicas de cada caso.

MALUCO RACIONAL
O de John Hinckley, por exemplo, continua a provocar uma discussão eterna: por que a justiça aceita a alegação de insanidade em relação a criminosos que “não rasgam dinheiro”. Ou seja, operam com racionalidade na execução de suas tramas perversas, sem sinais do comportamento claramente desequilibrado dos doentes mentais.

De boné, agasalho esportivo e um sorriso difícil de esconder, John Hinckley já superou esta fase do debate. Anda tranquilo pelas ruas arborizadas de Williamsburg, na Virginia, pertinho de Washington.
O presidente Ronald Reagan, que ele mirou com um quase ridículo revólver calibre .22 , uma arma tosca do tipo “saturday night special”, deixou o mundo depois de um longo inverno de senilidade, em 2004, e de uma presidência bem sucedida e popular.
James Brady, o secretário de Imprensa que foi o mais gravemente ferido das quatro vítimas atingidas pelas seis balas disparadas por Hinckley no dia 30 de março de 1981, morreu depois de 30 anos em cadeira de rodas, com grave comprometimento das funções cerebrais.
Sua morte foi considerada um homicídio, devido às sequelas do tiro na cabeça.
A decisão teve efeito zero sobre Hinckley, considerado inimputável por transtorno de personalidade esquizóide e depressão. Internado em hospital psiquiátrico, em 2016 finalmente conseguiu que um juiz endossasse uma avaliação psiquiátrica favorável.
Como a maioria dos americanos na sua faixa etária – 63 anos -, está acima do peso. Trabalha com venda de livros pela Amazon.

Não tem problema de dinheiro. Os pais eram ricos e se mudaram para ficar perto dele durante a internação. A mãe ainda está viva e cuida da casa grande, ao estilo americano.
Em várias tentativas anteriores de conseguir a liberação, Hinckley se deu mal. Em seu quarto sempre eram encontrados materiais referentes a Jodie Foster. A obsessão doentia pela atriz, que era uma adolescente na época, foi a causa que moveu a mão do assassino.
A tara nasceu com o filme Taxi Driver, em que Jodie é uma prostituta infantil protegida pelo motorista de táxi antologicamente interpretado por Robert De Niro, que tenta matar um senador que se candidata a presidente.
“Existe a possibilidade de que seu seja morto na minha tentativa de pegar Reagan”, escreveu ele à atriz pouco antes de sair para ficar à espreita na calçada do Hilton de Washington. “Jodie, eu abandonaria essa ideia de pegar Reagan num segundo se pudesse conquistar seu coração e viver o resto da vida com você”.
As tentativas anteriores de entrar em contato com Jodie tinham sido repassadas à direção de Yale, onde ela cursava literatura. Hinckley, obviamente, ignorava que Jodie nem gostava de homem, muito menos de um maníaco desconhecido. Enviadas às autoridades devidas, as cartas chegaram ao Serviço Secreto, que falhou miseravelmente em investigar melhor. O legendário serviço de proteção aos presidentes americanos também deixou buracos absurdos no dia do atentado.

CÍRCULOS FURADOS
O trajeto de apenas nove metros entre a limusine presidencial, afetuosamente conhecida como A Fera, e a entrada lateral do Hilton, um corredor feito para proteger presidentes, foi liberado para pessoas do público que não passaram pela checagem de segurança.
Hinckley furou dois dos três círculos concêntricos que formam o esquema clássico de proteção e praticamente atirou a queima-roupa.

Nem Reagan nem os guarda-costas usavam coletes a prova de balas, um equipamento pesado e inevitavelmente desconfortável. O dos guarda-costas nem sequer segura uma bala: é feito apenas para que não sejam traspassados por tiros que atinjam o presidente.
O corpo usado como armadura, estendido com os braços abertos para aumentar a cobertura, foi exatamente o que fez o agente Tim McCarthy, que levou um tiro no abdômen ao se colocar na frente de Reagan quando Hinckley começou a atirar – ao todo, ao longo da história, só quatro membros do Serviço Secreto americano fizeram isso.

Jerry Parr já havia empurrado Reagan para a limusine com blindagem de quase dois palmos. Calmamente, os agentes discutiram o percurso a ser seguido. Jogado sobre o presidente, Parr começou a checar seu corpo com as mãos.
Não encontrava nenhum sinal de ferimento. Quando Reagan começou a jorrar sangue pela boca, mandou o motorista mudar o trajeto e seguir para o hospital mais próximo da Casa Branca. Ainda não sabia que uma bala ricocheteada na blindagem da limusine havia entrado pela axila do presidente, chegando ao pulmão. “Espero que sejam todos republicanos aqui”, brincou Reagan com a equipe de traumatologia do hospital da Universidade George Washington. “Hoje somos todos republicanos, presidente”, respondeu o chefe da equipe, Joseph Giordano, filiado ao Partido Democrata.

Reagan estava em choque, com pressão a 60 e sofreu perda de quase 50% do volume total de sangue. A bala no pulmão, com a consequente inundação do tórax pela hemorragia, só foi localizada depois de uma extensa incisão no peito. A operação durou 105 minutos.  Outra semelhança com o caso de Jair Bolsonaro: Reagan foi salvo pela proximidade do hospital e a destreza dos médicos – e claro, os tais dois centímetros que faltaram para a bala atingir o coração.

Em 1881, quando o presidente James Garfield levou dois tiros, um no braço e outro nas costas, disparados por um advogado inconformado por não conseguir um emprego no governo, o tratamento médico que recebeu foi simplesmente pavoroso.  Indiferente ao que a medicina já sabia sobre assepsia, o médico Willard Bliss passou a escavar regularmente o buraco nas costas, com as mãos nuas, tentando localizar a bala alojada no abdômen.
Antes de morrer por infecção generalizada, Garfield ficou com o corpo inchado por pus, com o abscesso cada vez pior e a escavação cada vez mais profunda. Apodrecia, literalmente. Alexander Graham Bell, o inventor do telefone, tentou localizar a bala com uma espécie de detector. A tortura durou dois meses. Quando morreu, o presidente pesava 59 quilos.
A defesa do assassino tentou, alegar insanidade pela primeira vez num caso de enorme repercussão. Charles Guiteau, o assassino, colaborou com um comportamento bizarro e declarações do tipo “os médicos mataram Garfiled, eu só dei o tiro”. Não colou. Foi enforcado em 1882, um ano depois do atentado.

‘CRIME É CRIME”
Patrick Magee, o militante do Exército Republicano Irlandês que instalou uma bomba no banheiro do quarto de hotel um andar acima de onde Margaret Thatcher estava hospedada para a convenção conservadora, cumpriu 15 anos de cadeia.
Foi beneficiado pelo acordo que encerrou o longo conflito entre a minoria católica da província da Irlanda do Norte e a maioria protestante, com intervenção do exército britânico, repressão violenta, atentados terroristas, execuções, prisões em massa e outras barbaridades cometidas pelos dois lados que ficaram conhecidas, eufemisticamente, como Trouxestes, os “problemas”.

Com o nome falso de Roy Walsh, ele se hospedou um mês antes no hotel de Brighton onde haveria a convenção. No banheiro do quarto 629, escondeu a bomba que seria detonada à distância, na madrugada de 12 de outubro de 1984, para matar o maior número possível de pessoas. Era uma vingança pela morte em greve de fome de dez presos do IRA que exigiam ser reconhecidos como presos políticos, mas foram recebidos com a resposta inflexível dela: “Crime é crime, não é política.”

E, principalmente, Margaret Thatcher. Três andares do hotel desabaram, mas ela escapou por segundos: tinha acabado de sair do banheiro que virou uma panqueca com a explosão exatamente acima dele. Fez um discurso histórico no mesmo dia.  O IRA lamentou não ter acertado a primeiro-ministra e prometeu fazer melhor da próxima vez.  O “Acordo da Sexta-Feira Santa”, em 1990, tirou Magee da cadeia, onde cumpria oito penas sucessivas de prisão perpétua.

Apesar do acordo, atualmente, ainda estão sendo investigados oficiais britânicos que participaram de atos de repressão com mortes durante a década de setenta. Todos têm idade avançada. A ideia, evidentemente abominada pelos militares, é esclarecer casos históricos.  Quando Reuven Rivlin, o presidente de Israel, foi inquirido sobre a possibilidade de indultar Yiigal Amir, o homem que acertou dois tiros em Yitzhak Rabin na saída para um estacionamento da prefeitura de Telavive, deu uma resposta contundente.
“Enquanto eu for o presidente do estado de Israel, o assassino do primeiro-ministro não será libertado.”
Hagai Amir, irmão e, segundo muitos acreditam, cúmplice, respondeu pelo Face: “Somente Deus pode decidir sobre isso. Assim como Deus decidiu pela morte de Rabin.”
Os lugares mudam, as pessoas – e as desculpas – são as mesmas.




quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Jair Bolsonaro - Como lidar com um Trump brasileiro

Tratar candidatos radicais como escândalo durante a campanha só os fortalecerá

Quatorze países latino-americanos terão eleições presidenciais em 2018 e 2019. Na maioria deles, há uma ampla rejeição à elite política. No México, por exemplo, apenas 2% dos eleitores confiam em partidos políticos e só 4% acreditam que o país está no rumo certo. Em quase toda a América Latina ocorre algo similar. Devido ao baixo crescimento econômico e à desconfiança na classe política — e na própria democracia —, o próximo ciclo eleitoral na região deverá trazer profundas mudanças. Embora isso não seja negativo per se — de fato, as elites políticas precisam ser renovadas urgentemente —, há um risco enorme de que o atual descontentamento generalizado levo ao surgimento de salvadores da pátria no continente, os quais têm maior tendências autoritárias e menor apreço aos chamados freios e contrapesos, pilares de qualquer sistema democrático.

No Brasil, a confiança dos eleitores na classe política também é baixíssima. Não surpreende, portanto, que recentes pesquisas sobre intenção de voto para a disputa presidencial de 2018 mostrem o deputado Jair Bolsonaro em segundo lugar. O capitão da reserva do Exército apresenta propostas de extrema direita semelhantes às do presidente filipino Rodrigo Duterte, líder de um governo globalmente criticado pela sistemática violação dos direitos humanos. Muitos ainda esperam que o deputado carioca se autodestrua nos próximos meses em virtude de suas polêmicas afirmações. [a vitória de Bolsonaro em 2018 é um fato e o deputado  assumirá a presidência da República e fará o necessário para consertar/extirpar todos os  absurdos deixados pela maldita esquerda.]

Considerando o resultado da eleição presidencial dos EUA de 2016 e em vários países europeus ao longo dos últimos anos, essa expectativa parece perigosamente ingênua.
Candidatos como Trump adotam a estratégia de escandalizar, de maneira sistemática, para crescer nas pesquisas de opinião e definir a pauta do debate público. Muitas de suas declarações têm como objetivo gerar rejeição e estigmatização pelo establishment político. 

Como afirma um memorando interno do partido da extrema direita “Alternativa para a Alemanha” (AfD) — que teve seu melhor resultado histórico nas eleições parlamentares no mês passado, "quanto mais eles tentam estigmatizar o AfD por causa de palavras provocativas ou ações, melhor para o perfil do AfD. Ninguém dá ao AfD mais credibilidade do que nossos adversários políticos." Trump e o AfD foram politicamente incorretos de propósito e, tanto nos EUA quanto na Alemanha, a imprensa e a elite política erraram ao fazer da ameaça extremista o tema central da campanha. Como Thorsten Benner, um dos principais analistas alemães, afirma em recente artigo na Foreign Affairs, “esse foco [no AfD] impediu que partidos tradicionais envolvessem os eleitores no debate sobre as demais questões com as quais eles [eleitores] se preocupam profundamente, desde previdência e educação públicas até a crise nos asilos alemães, e apresentassem uma visão para a transformação da Alemanha na era digital.”

Cabe, portanto, criticar afirmações absurdas, mas sem dar destaque a provocações nas manchetes dos jornais. Elas, tampouco, precisam dominar as timelines das redes sociais. Compartilhar um post crítico de um candidato extremista pode, ao contrário do que se espera, beneficiá-lo. Ademais, com isso, pode-se estar reduzindo o espaço para as ideias de outros candidatos.  Nos debates durante a campanha — na TV, em universidades, em comícios etc. —, a presença de candidatos espalhafatosos requer perguntas objetivas sobre propostas concretas, como políticas públicas para economia, educação, saúde e segurança — temas para os quais eles normalmente não têm respostas convincentes. Em vez de rotulá-los e isolá-los, assim dando a esses radicais tratamento especial que desejam, é preciso haver diálogo para demonstrar as fragilidades de suas candidaturas.


Fazer abaixo-assinados de intelectuais contra Bolsonaro, como ocorreu recentemente para tentar impedir a palestra do presidenciável na Universidade George Washington, tem o mesmo efeito que sanções econômicas dos Estados Unidos contra o regime de Maduro na Venezuela: ajudam sua causa e mobilizam sua base. Argumenta Benner, no mesmo artigo, sobre a entrada do partido extremista no parlamento alemão: “Nos próximos meses, partidos políticos, os meios de comunicação e as organizações não governamentais não devem procurar apresentar uma frente unida contra o AfD. Fazê-lo só fortalece o argumento do AfD de que [ele] seja a única alternativa a um establishment monolítico.”

Muitos votaram em Trump, no AfD e em outros partidos extremos não porque acreditam em suas teses, mas porque rejeitaram todas as alternativas. No Brasil, muitos apoiam Bolsonaro porque perderam a esperança no sistema político. No caso da Alemanha, 85% dos eleitores da AfD disseram que o voto no partido era uma expressão de desapontamento com as elites políticas e o único veículo com o qual poderiam expressar seu protesto, de acordo com pesquisa do Infratest Dimap. Em vez de apenas atacar os extremistas por suas bravatas durante toda a campanha — como aconteceu na Alemanha e nos EUA —, é preciso enfrentá-los onde eles mostram suas maiores fraquezas: no campo das ideias e propostas concretas.

Fonte: El Pais