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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

A economia depois da Previdência

Reforma da Previdência evita o pior cenário na economia, mas governo e Congresso terão que fazer mais reformas para acelerar o PIB

A aprovação da reforma da Previdência pode evitar o pior, mas ela sozinha não garante o cenário que está sendo vendido por alguns integrantes do governo e os mais entusiastas do mercado financeiro. Alguns economistas, mais realistas, calculam que mesmo com a aprovação da reforma o teto de gastos não se sustentará nos próximos anos. Outras medidas no campo fiscal terão que ser implementadas para aumentar a competitividade e acelerar o crescimento do PIB. Mas antes disso será preciso aprovar a reforma. Não será fácil.

Há uma tendência entre defensores da reforma de apresentá-la como uma panaceia. Ela é absolutamente indispensável, mas é o primeiro passo de uma difícil caminhada para resolver problemas crônicos do país. O economista Pedro Schneider, especialista em política fiscal do Itaú Unibanco, fez um cálculo a pedido da coluna. Mediu o impacto da reforma sobre a despesa primária do governo. Hoje, a Previdência consome 58% do Orçamento e, mesmo com a economia prevista de R$ 1,1 trilhão em 10 anos, esse percentual subirá 17 pontos percentuais, até alcançar 75% no fim desse período. Por causa desse forte crescimento, o teto de gastos aprovado pelo governo Temer, e que congela as despesas em termos reais, não ficará de pé. A Previdência continuará drenando recursos da saúde, educação, dos investimentos e de várias outras áreas cruciais para o país. — A reforma da Previdência não é suficiente nem para o teto de gastos, nem para o reequilíbrio fiscal. O teto de gastos precisa de medidas além da Previdência, já em 2020, dado que o impacto da reforma é mais de médio prazo. As medidas principais, além da reforma, são a redefinição da regra de reajuste do salário mínimo e o controle de reajustes do funcionalismo público — disse Schneider.

Como não foi aprovada a reforma do governo Temer, o país perdeu tempo. Muito provavelmente este ano será consumido pela tramitação da nova PEC. O governo prevê que a reforma será aprovada nas duas Casas do Congresso até junho, mas não explica como se dará uma tramitação tão célere de uma proposta que já enfrenta bloqueios e críticas. É preciso ficar atento ao risco sobre o qual o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, está alertando: o de perder a batalha da comunicação. Maia alerta que não há ganho visível com a medida que muda o Benefício de Prestação Continuada (BPC), ou a que iguala idade mínima de homem e mulher na área rural, dado que na área urbana as idades são diferentes. Podem ser bodes na sala. Ou serem equívocos que elevarão resistência ao projeto.

Os técnicos do governo garantem que o projeto vai gerar uma economia de R$ 1,1 trilhão em dez anos, mas o relator da PEC 287, de Temer, deputado Arthur Maia (DEM-BA), duvida, argumentando que não há tanta diferença entre o substitutivo dele, que economizaria, R$ 450 bilhões, do projeto atual que reduziria o gasto em mais que o dobro disso. São parecidos em vários pontos, mas o atual é mais abrangente e tem regras de transição mais curtas. Até chegar ao Congresso a proposta dos militares, a PEC da reforma ficará em banho-maria. Se a mudança dos militares vier com um plano de carreira que eleve salários, vai ser outro ponto de polêmica. Até agora já se sabe que a paridade e a integralidade serão mantidas. Isso será um problema enorme para as finanças estaduais, por causa dos gastos com a Polícia Militar.

Muitas polêmicas começam a se formar. Algumas são criadas por grupos que têm muitas vantagens em deixar tudo como está, outras são produzidas pela incapacidade que o governo demonstrou até agora de ter boa comunicação e boa articulação. Há outras críticas, como a do senador Randolfe Rodrigues, da Rede. Com a autoridade de quem abriu mão do direito à aposentadoria especial dos políticos, o senador critica o fato de as regras não serem mais duras para os que têm mandato atualmente. Só os futuros políticos serão enquadrados. Randolfe poderia requerer aposentadoria ao fim do atual mandato, com 16 anos de senatoria. Esses pontos vão ser usados por quem não quer a reforma de maneira alguma. E a Previdência é só a primeira batalha da economia brasileira.
 
Miriam Leitão  - O Globo
 

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Saúde, pós PEC 241

O Poder Legislativo renuncia da função de formular políticas e coordenará a disputa pelas sobras de recursos

A Câmara dos Deputados aprovou um teto para despesas públicas; o apoio para cortar gastos em tempos de vacas esquálidas é quase intuitivo. Depois do convencimento de que há dinheiro público demais, saindo para os ladrões, aumentar despesas governamentais, em plena crise econômica, pareceria absurdo. Segundo defensores do novo regime fiscal, o que muda é o ritmo de incremento dos gastos e quem e como define prioridades. Nos próximos 20 anos, os orçamentos para a saúde poderão hipoteticamente dançar aos compassos do miudinho ou saltar sob um funk pauleira. No ano que vem, haverá um pequeno incremento, até os mais austeros reconheceram que a elevação dos recursos da Saúde de 13,5% para 15% da receita líquida não comprometeria o andamento da economia. 

Depois, será tempo de murici, cada um cuidando de si. Saúde, educação, ciência e tecnologia, cultura, esportes, entre outras políticas sociais, disputarão fatias de um fundo público diferente do atual. O valor dos gastos com políticas públicas não será a diferença entre o que se arrecada com impostos e contribuições e o pagamento de encargos e resgate da dívida. O teto ficará fixo, variando discretamente em torno de uma inflação supostamente controlada, e a eventual elevação de receitas (se houver crescimento econômico, redução das taxas de juros, aumento de investimentos e empregos) será utilizada para pagar a dívida. O Poder Legislativo renuncia da função de formular políticas e coordenará a disputa pelas sobras de recursos. 

Opositores das medidas restritivas questionam três âmbitos do redirecionamento da política fiscal. O primeiro refere-se à unilateralidade, consubstanciada em passar a tesoura em ações essenciais para a reprodução da vida e inserção social, sem cogitar ampliar receitas, sequer se referir às desonerações fiscais. O segundo domínio de interrogações concentra-se na impossibilidade de impor teto para obrigações previdenciárias estabelecidas, que serão despesas crescentes durante os dez próximos anos. Ainda que se aprove a reforma da Previdência, o montante a ser dividido para as demais políticas sociais será necessariamente menor. E, por fim, a completa ausência de debates e esclarecimentos sobre as consequências, inclusive imediatas, da obtenção de maioria para aprovação da PEC 241. Os preços da governabilidade foram hiperinflacionados. Custa muito caro tornar o Ministério da Saúde um posto avançado da base parlamentar do governo, modelo recentemente replicado no Instituto Nacional do Câncer. 

Pesquisas de opinião realizadas este mês apresentam resultados opostos em relação aos limites de gastos públicos. A da Confederação dos Transportes/MDA confirma a saúde como principal prioridade para 60,6% dos entrevistados e pouco conhecimento sobre a PEC 241: apenas 40,9% ouviram falar do teto para as despesas públicas e nesse subconjunto 60,4% aprovaram a medida. Na conduzida pela CUT/Vox Populi, a contenção das despesas com saúde, educação e assistência social por um prazo de 20 anos e aumento de acordo com a inflação foi rejeitada por 70%. Seja lá como se absorva ou conteste a validade dessas informações, é plausível inferir que ser favorável à punição da corrupção não autoriza manter ou aumentar taxas de mortalidade infantil e desigualdades de acesso às ações diagnósticas e terapêuticas. 

Os críticos à Constituição de 1988, do pacto que vincula impostos a melhores condições de vida e saúde, não deveriam pular a parte da real situação do setor e o pagamento de tributos por toda a sociedade. A saída via planos privados individuais para quem puder pagar só combinaria com renda alta, tributos reduzidos, mercados competitivos, irrelevância de pesquisas e inovações para a qualidade e prolongamento da vida e inexistência de doenças graves e prolongadas, como obesidade, autismo, demências, arboviroses. Objetivamente, os melhores padrões de saúde dependem de investimentos públicos. A crise econômica também afeta empresas privadas. A falência da Unimed Paulistana e do Rio de Janeiro, a queda do número de contratos de planos de saúde decorrente do desemprego e mensalidades reajustadas acima da inflação pesam nas estreitas costas do SUS. 

O sacrifício da saúde pública e da ciência e tecnologia foi questionado pela comunidade científica internacional. As conceituadas revistas “The Lancet” e “Science” publicaram depoimentos sobre os possíveis “desastres” da PEC 241, regressão de padrões alcançados de morbi-mortalidade e descontinuidade de pesquisas nacionais estratégicas.

Decisões tomadas em fóruns reservados, empresariais, podem acalmar instantaneamente certos mercados, reafirmar credibilidade junto aos credores. Mas prejudicar uma geração inteira apavora quem tem por ofício ensinar, interrogar, buscar reunir evidências, equacionar problemas e testar e propor soluções. Um país que deixa de considerar mudanças demográficas, ocupacionais, sociais e ambientais na definição dos orçamentos para a saúde perde definitivamente integridade. 

Fonte: Ligia Bahia é professora da UFRJ
ligiabahia55@gmail.com