Há mais coisas entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia
Sabe quando oficialmente o Ministério Público do Rio concluiu que mentira o porteiro do condomínio onde moravam Jair Bolsonaro e o ex-policial Ronnie Lessa? No dia seguinte à edição do Jornal Nacional que fez Bolsonaro protagonizar o maior ataque de um presidente da República a uma rede de televisão. No último dia 17, quando um grupo de procuradores, sem conhecimento do juiz que preside o inquérito sobre a morte de Marielle Franco, voou a Brasília ao encontro do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, dava-se como possível que o porteiro pudesse ter contado verdades à polícia.
Em dois depoimentos, ele
dissera que um homem pedira licença para ir à casa de Bolsonaro. O
porteiro telefonou para o número que tinha da casa e “seu Jair”, segundo
ele, autorizou a entrada. Em seguida, o porteiro voltou a ligar para
dizer que o homem se dirigia a outra casa. E “seu Jair” respondeu que
estava tudo bem. Daí a preocupação dos
procuradores de informarem Toffoli a respeito. Porque nesse caso as
investigações teriam que ser suspensas. Envolveriam o presidente que tem
direito a foro privilegiado. Só o Supremo pode investigá-lo. E diz a
lei que ele só pode ser investigado por crime cometido no exercício do
cargo.
Mas aí veio a reportagem
do Jornal Nacional. Aí o Ministério Público providenciou uma perícia
técnica feita e concluída em menos de três horas. Aí o resto é história
conhecida. O que falta conhecer é a história completa e verdadeira de
quem matou Marielle, quem mandou matar e quem tentou encobrir o crime.
Moro desce mais um degrau
De Ministro da Justiça do Brasil a advogado de Bolsonaro
No balanço de perdas e ganhos, o ministro Sérgio Moro é o que sai pior
até este momento no episódio do porteiro que ligou o presidente Jair
Bolsonaro ao assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do seu
motorista. Augusto Aras, o novo Procurador Geral da República, não se saiu bem. De
cara, disse que tudo não passou de um “factoide” que só merecia ser
arquivado – e arquivou. Mas Aras, por ter assumido o cargo recentemente,
tem capital para desperdiçar.
As primeiras pesquisas de opinião encomendadas pelo governo mostram que
não houve deserção entre os devotos de Bolsonaro que o veem como uma
vítima inocente da Globo e como o santo guerreiro disposto a vencer sua
cruzada contra os infiéis. Mas Moro, não – pelo menos no entendimento da parcela mais crítica dos
bolsonaristas, e não somente dela. O ministro da Justiça não pronunciou
uma só palavra em defesa do presidente da República e pediu a Aras que
mandasse investigar o porteiro.
O silêncio em relação a Bolsonaro descontentou aqueles que esperavam de
Moro uma defesa veemente do patrão. O pedido para que o porteiro fosse
investigado contrariou os que acham que esse papel não caberia ao
ministro da Justiça. Naturalmente, o juiz encarregado do inquérito que apura a morte de
Marielle mandará – se é que ainda não o fez – investigar o porteiro para
saber se ele disse a verdade, se apenas se enganou ou se mentiu. E se
mentiu, por quê? Estaria a serviço de quem? [FATO: quem desmentiu o porteiro foi DECLARAÇÃO OFICIAL da Câmara dos Deputados de que no dia dos fatos, o então deputado federal JAIR BOLSONARO, estava em Brasília, votou no Plenário da Câmara por duas vezes.
Considerando que só DEUS é onipresente, ele não poderia estar em Brasília e ao mesmo tempo no Rio, atendendo o 'porteiro-fantasma' = aquele que nem o nome saiu na reportagem da Globo.]
Moro tentou dar uma de esperto, espertíssimo. Não poderá ser acusado de
ter se prestado mais uma vez ao papel de advogado de Bolsonaro porque
nada disse a seu favor. Ao mesmo tempo, de fato prestou-se a tal papel
ao pedir para que o porteiro fosse investigado. Convidado para servir a quem se elegeu com a sua ajuda à frente da Lava
Jato, Moro foi para o governo com a intenção de ser Ministro da Justiça
do Brasil. Em 10 meses, viu-se reduzido à condição de Ministro da
Justiça do governo e advogado de Bolsonaro. Isso pode não lhe custar um único voto por enquanto, mas corrói
gravemente a sua reputação. Tanto mais se ele quiser voltar um dia à
toga que abandonou por excesso de vaidade e erro de cálculo. [Bolsonaro e Moro são igual pão: quanto mais apanham, mais crescem.]
Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - O Globo