A cota de Renan no petrolão
O lobista Fernando Baiano afirma que propina de US$ 6 milhões por uma sonda da Petrobras foi paga ao PMDB – parte foi para o presidente do Senado
Desde seu início, a Operação Lava Jato gera conversas tensas no gabinete do presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB. Com seus aliados, Renan já temeu o que poderia surgir da Transpetro, subsidiária da Petrobras comandada durante 11 anos por seu afilhado Sérgio Machado.Recentemente, o foco de suas preocupações se transferiu para os depoimentos prestados pelo lobista Fernando Soares, o Baiano, no acordo de delação premiada. Há quase nove meses preso em Curitiba. Fernando Baiano revelou nas últimas semanas a extensão da influência de líderes do PMDB na Petrobras. Mais especificamente, Baiano contou que parte da propina obtida em contratos da estatal com empresas privadas era direcionada a Renan Calheiros.
A área de atuação de Baiano era a diretoria de Internacional da Petrobras, em que Nestor Cerveró e, em seguida, Jorge Zelada reinaram graças ao apoio do PMDB. Baiano contou aos investigadores que, no segundo mandato de Lula, foi avisado por Silas Rondeau, então ministro das Minas e Energia, que Cerveró passaria a ser copatrocinado pelo PMDB do Senado, do qual Silas era soldado e Renan general. A partilha da propina pelos contratos na área Internacional deveria, portanto, contemplar também o PMDB do Senado, como determina o fisiologismo brasileiro.
Um dos negócios desse novo acordo, que beneficiou Renan, foi a partilha na contratação da empresa Samsung Heavy Industries, em 2006, para a construção de um navio-sonda para a Petrobras: o Petrobras 10000, adquirido pela estatal por US$ 586 milhões, para ser utilizado na exploração de petróleo em águas profundas, em campos adquiridos pela empresa em Angola, na África. A Petrobras se deu mal. Os poços explorados se mostraram secos. A propina, no entanto, não tinha nada a ver com esses percalços. Foi paga.
Quando Zelada assumiu a Diretoria Internacional, em 2008, por indicação da bancada do PMDB na Câmara, Baiano passou a manter contato com o deputado Eduardo Cunha, conforme narrou em sua delação. E diz ter pagado propina a Cunha. O Ministério Público Federal já rastreou mais de US$ 50 milhões em pagamentos de comissão por esses contratos. É tanto dinheiro, durante tantos anos, que até o insaciável PMDB ficou satisfeito.
No acordo de delação, Fernando Baiano detalha que foi avisado que o PMDB do Senado tinha direito a seu quinhão. Os senadores Renan Calheiros e Jader Barbalho deveriam receber US$ 6 milhões pelo negócio da sonda. Fernando Baiano deu detalhou os pagamentos. Contou que não pagou diretamente a Renan. De suas mãos, o dinheiro desviado da Petrobras trilhou dois caminhos. Parte foi direcionada a outro lobista, Jorge Luz. Paraense, Luz é um veterano da arte de unir Petrobras, empresas privadas e políticos bem posicionados. Consolidou sua carreira, no governo Lula, pela influência de outro chefe do PMDB, o senador Jader Barbalho, atual aliado de Renan em batalhas no Congresso.
Jorge e seu filho, Bruno Luz, cuidaram de pagar Renan em contas no exterior. A parte operacional ficava por conta de um gerente de contas na Suíça, em especial dos bancos PKB e Pictet. A outra parte da comissão foi paga por meio do deputado federal Aníbal Gomes, do PMDB cearense. Parlamentar de pequena expressão, Gomes é um notório auxiliar de Renan. No caso dos negócios com a Petrobras, era seu emissário à sede da Petrobras, onde esteve 45 vezes desde 2007, e ao gabinete de Silas Rondeau no ministério, onde ia pelo menos duas vezes por semana. Aníbal Gomes e Renan são investigados em inquérito no Supremo Tribunal Federal desde março, quando o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa mencionou a dupla como beneficiária de negócios na estatal. O Ministério Público Federal notou uma curiosa prática de Gomes, típica de quem “esquenta” dinheiro de origem ilícita. Nas declarações de Imposto de Renda, Gomes dizia ter R$ 1,3 milhão em espécie no ano de 2010 e R$ 1,8 milhão em 2014.
Como ÉPOCA revelou em março de 2014, Baiano era um dos lobistas mais poderosos em atuação na estatal, com bom trânsito entre as multinacionais do setor, tanto no Brasil quanto no exterior. No mundo dos interesses que gravita ao redor da Petrobras, Fernando Baiano nunca foi um mero operador de partidos políticos, muito menos exclusivo do PMDB, como confirmaram a ÉPOCA quatro fontes diferentes. Em dado momento da atuação do petrolão, no entanto, os interesses partidários bateram a sua porta. Baiano já conhecia políticos, é óbvio, de trabalhos anteriores na esfera carioca. Na partilha da propina do petrolão, esquadrinhada pela Operação Lava Jato, ele passou a cuidar da distribuição do suborno para a bancada do PMDB e, em um segundo momento, atendeu também a parlamentares do PT. Chegou a representar o estaleiro OSX, do empresário Eike Batista.
Baiano disse ter pagado R$ 2 milhões ao empresário José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pela obtenção de contratos do pré-sal para o OSX. O negócio deu errado, mas Baiano pagou porque Bumlai disse que precisava honrar compromissos de Fábio Luiz da Silva, um dos filhos de Lula.
Baiano resistiu por muito tempo a contar o que sabe. Ficou mais propenso a delatar políticos depois de ser condenado a 16 anos de prisão e pagamento de R$ 2 milhões de multa, em agosto. Pelo acordo de delação premiada, Baiano se comprometeu a devolver R$ 13 milhões, um valor que surpreendeu pelos milhões que movimentou no esquema. O advogado de Fernando Baiano disse que não pode comentar os termos da delação. Por meio de sua assessoria, Renan afirmou que não conhece Fernando Baiano e que não autorizou o deputado Anibal Gomes a falar “em meu nome em qualquer circunstância. Quanto a Jorge Luz, conheço, mas não o vejo há mais de dez anos”. O deputado Anibal Gomes (PMDB) afirma que conheceu Baiano “há uns quatro anos, em um restaurante”, mas nunca o encontrou. “Eu conheço melhor o doutor Jorge Luz. Mas jamais tratei de valores, de negócios ou de nenhuma relação comercial com nenhum dos dois. Nem direta nem indiretamente”, disse. “Minha relação com o senador Renan Calheiros é a mesma que tenho com outros senadores do partido. Nunca recebi valores em nome do senador.” Advogados de Jorge Luz não conseguiram “respostas” do cliente sobre o assunto.
Fonte: O Globo - Época