Bolsonaro assumiu compromissos importantes, que independem do quanto utilizou dos 45 minutos que tinha
Criticar o discurso do presidente Jair Bolsonaro no Fórum Econômico
Mundial em Davos pelo tamanho não é uma medida correta. Melhor seria
dizer que o presidente brasileiro perdeu a oportunidade para se
aprofundar nos temas que realmente importam ali, mas assumiu
compromissos importantes, que independem de quanto tempo utilizou dos 45
minutos que tinha. O discurso de oito minutos foi montado para incentivar os investidores
estrangeiros. Falou em reformas, Previdência incluída, em abertura da
economia, simplificação da burocracia para melhorar ambiente de
negócios, diminuição da carga tributária, abertura para o mundo e ainda
se comprometeu com preservação do meio ambiente.
A emoção revelada no início foi indevida, mas Bolsonaro é um estreante
em eventos internacionais, não tem nem o carisma nem a popularidade
entre os estrangeiros que tinham Fernando Henrique ou Lula. E nem é um
orador-ator como seu ídolo Trump. Ao contrário, pelo escândalo de
corrupção do governo Lula, e por causa de suas opiniões emitidas durante
toda a vida parlamentar, como a defesa da tortura, a imagem do Brasil
no exterior nunca esteve tão ruim. Por isso, fez bem o presidente em assumir compromissos com a redução da
emissão de CO2, e a preservação do meio ambiente, depois de ter mantido o
Brasil, talvez a contragosto, no Acordo de Paris sobre o clima.
Bolsonaro também defendeu a agropecuária brasileira, o principal fator a
impulsionar nossa economia, explicando que, no seu modo de ver,
agricultura e meio ambiente devem estar juntos. Caberá ao presidente
Bolsonaro mostrar na prática que sua tese é viável. Mas os
ambientalistas temem que o agronegócio seja prioritário para o governo.Ao se referir às reformas que pretende promover, Bolsonaro citou a da
Previdência, mas foi convencido por parte de sua assessoria de que os
investidores não se preocupam com os detalhes, por isso não os deu.
O presidente do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, também não pediu
mais detalhes. Fez perguntas genéricas e generosas, como anfitrião do
encontro. Coube a Paulo Guedes tratar do assunto em outros debates. O presidente citou os dois ministros que são os sustentáculos de seu
governo, Sergio Moro e Paulo Guedes, os que realmente contam para os
investidores, um que promete garantir as relações econômicas livres de
corrupção e lavagem de dinheiro, dando segurança jurídica aos
investidores, e o outro com a bandeira de liberalizar a economia. O fato de Bolsonaro ter admitido que o Brasil ainda é um país fechado
economicamente valoriza esses compromissos da equipe econômica. Um
discurso rápido, mas com compromissos importantes.
Ao reafirmar que não montou seu Ministério por pressões políticas, e que
o método anterior só causou ineficiência e corrupção, o presidente
Bolsonaro pode ter comprado uma briga com setores importantes do
Congresso, que terá que dar a autorização para as reformas prometidas. Bolsonaro parece se basear em sua popularidade para pressionar os
congressistas, o que é arriscado. Ele pode vir a ser um líder de direita
tão popular quanto Lula, mas não será nunca um formulador de projetos.
E, pelo que apresentou em Davos, precisa de um ghost writer que dê aos
seus discursos oficiais uma lustrada, retirando deles a excessiva carga
de simplicidade, boa para campanhas eleitorais, ruim para mensagens
internacionais.
Lula também não era um formulador, mas captava a mensagem com rapidez, e
tinha quem no PT formulasse por ele. José Dirceu foi o grande
estrategista político, Celso Amorim inventou o líder mundial capaz até
de mediar a crise do Oriente Médio. Lula, como já definiu o cineasta
Fernando Meirelles, é um grande ator. Deu certo por muitos anos, e até hoje engana setores da intelectualidade
brasileira e mundial. Bolsonaro, se pretende ter um papel na direita
mundial, como sonha seu filho Eduardo, que o acompanhou a Davos,
precisaria de um mentor com ideias menos retrógradas e rocambolescas que
as do chanceler Ernesto Araújo. Ao confirmar que o Brasil seguirá as normas da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as maiores
economias do mundo, está também abrindo mão de combater a globalização,
que seu chanceler chama depreciativamente de globalismo. Seria uma boa
indicação. Como foi seu discurso de Davos.
Merval Pereira - O Globo