Tucano está pautado, também ele, não por aquilo
que aprendeu com Manuel Castells sobre a sociedade em rede, mas pelo
alarido de milícias organizadas na Internet que se fazem passar por
sociedade civil
Considero FHC o presidente mais importante da história do Brasil. “Nossa! Mais do que Getúlio Vargas?” Mais.
Há nisso, claro!, questões de gosto,
ideologia, convicções etc. Getúlio nos ligou à modernização do atraso. E
não escolho palavras ao léu. Deu atualidade a nossas raízes
patrimonialistas. FHC voltou a pôr o Brasil no mundo e teve de enfrentar
aquela pesada herança do Estado Novo, que ainda está aí, de que o
lulismo é desdobramento, com algum bolchevismo misturado com água benta.
Dito isso, vamos ver: o erro de um homem inteligente, como é o
ex-presidente, pode ter consequências mais dramáticas do que o erro de
um estúpido. Sabem por quê? De algum modo, ele rebaixa também o
pensamento.
FHC assinou no domingo um artigo lamentável
no Estadão, em que defende o nome de Tasso Jereissati para a
presidência do PSDB (não entro na economia interna do partido) e, por
consequência, o rompimento imediato com o governo Temer. De algum modo,
alimento a ilusão — nada secreta a partir de agora — de que não seja ele
o autor. Na minha benevolência, anuiu com a costura malfeita de algum ghost writer.
Mas isso é só afeto intelectual pessoal. Para todos os efeitos
públicos, assinou, e o artigo é seu. E traz uma soma formidável de
equívocos.
O FHC que conheço, e cuja inteligência
prezo, já teria percebido que Michel Temer é a solução, não o problema.
Ocorre que o ex-presidente está pautado, também ele, não por aquilo que
aprendeu com Manuel Castells sobre a sociedade em rede, mas pelo alarido
de milícias organizadas na Internet que se fazem passar por sociedade
civil. Essa gente, como a eleição irá demonstrar, é a falsificação da
teoria. Daí que FHC tenha escrito, ou que alguém o tenha feito por ele, o
seguinte: “Nas sociedades atuais, com a mídia social em
constante evolução, um fio desencapado pode reavivar velhos rancores e
esperanças. Só que isso é imprevisível.” Bem, a conclusão evidencia que o raciocínio leva a… lugar nenhum.
As tais redes tiveram importância, sim,
na queda de Dilma. Colaboraram para mobilizar as ruas. Mas um
ex-presidente tem a obrigação de considerar em suas reflexões que foi a
articulação política que pôs fim à desordem do governo petista. Dilma
prestou um favor ao país ao cometer crime de responsabilidade. Redes
sociais e ruas não realizam prodígios. Prodígios não existem.
O senador Romero Jucá (PMDB-RR) é mais
efetivo, em casos assim, do que 80 milhões de “likes”. E assim é porque
ele foi um conspirador??? Não! Porque foi um político. “Ah, mas o
Ministério Público diz que…” Não trato desse assunto agora. Que os
senhores procuradores apresentem suas provas e que os juízes julguem. O
fato é que, dependesse de boa parte dos tucanos, Dilma ainda estaria no
poder, e o país, no buraco. Ou alguém duvida? Se ela nos levou da
planície para o fundo do poço, por que seria ela própria a nos levar do
fundo do poço para, ao menos, a planície?
Ao defender o rompimento do PSDB com o
governo Temer, FHC afirma que todos os partidos arcarão com o peso do
que está em curso — a Lava Jato — e escreve um troço realmente
lastimável:
“Nem o PSDB deixará de pagar por ter dado a mão ao governo Temer e de tê-la chamuscada por inquéritos.”
[FHC já passou, faz muito tempo, da hora de se aposentar, se recolher e parar de dar palpites.
De todo o artigo aqui referido ele, ou quem recebeu sua anuência, falou apenas uma verdade que realmente interessa ao Brasil e aos brasileiros:
por ele foi avalizado,
Epa! O passivo do PSDB com a sociedade, justa ou
injustamente, antecede o governo Temer. A propósito: NÃO HÁ UM SÓ
INQUÉRITO ENVOLVENDO O PARTIDO QUE DIGA RESPEITO AO PERÍODO EM QUE A
LEGENDA ENTROU PARA A BASE OU QUE DERIVE DE ATOS DE SUAS LIDERANÇAS A
SERVIÇO DESSA GESTÃO.
A história contada assim fica capenga.
Também há no texto algo que não é digno do ex-presidente nem
característico de sua trajetória: covardia intelectual e política. A
única referência explícita à Lava Jato vem assim expressa:
“[as pesquisas] indicam certo ceticismo quanto aos
resultados da Lava Jato e de outras operações de investigação, que, não
obstante, continuam a contar com o apoio da sociedade.”
Nem uma miserável linha sobre desmandos que colheram, inclusive, a legenda a que ele próprio pertence.
Tucanos são bichos curiosos. O PT ataca o
Ministério Público e a Lava Jato por maus e bons motivos. Seu
candidato, com uma penca de inquéritos e uma condenação, lidera as
pesquisas de opinião e seria eleito hoje presidente da República. O PSDB
NÃO CRITICA o MPF nem por bons nem por maus motivos. Acoelha-se. Seus
candidatos aparecem lá pelo quarto ou quinto lugar nas pesquisas; o
partido enfrenta uma baita rejeição, e está em curso uma guerra não
exatamente leal pelo comando da sigla. Das grandes legendas, é a que
está mais desestruturada.
Aí o esperto, julgando que me pegou,
pode dizer: “Ah, mas as respectivas situações de PT e PSDB nada têm a
ver com a Lava Jato”. Bem, se não, mais um motivo para não refugar ao
menos a luta em defesa do Estado de Direito. Que lhes parece?
Blog do Reinaldo Azevedo