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segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Quem julgará os julgadores? - Revista Oeste

Roberto Motta

No país dos juízes ativistas, justiça é item em falta no cardápio do brasileiro 
Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock

“Eles estão acostumados a deliberar sobre os assuntos
mais sérios enquanto estão bêbados,
e qualquer decisão que eles tomem nessas sessões é novamente proposta
a eles no dia seguinte pelo anfitrião em cuja casa eles deliberaram na noite anterior.
Então, se a decisão ainda os agrada quando estão sóbrios,
eles agem de acordo com ela; se não, eles desistem.
Por outro lado, quaisquer que sejam as decisões provisórias
que eles consideram enquanto estão sóbrios,
eles reconsideram quando estão bêbados.”

Heródoto, As Histórias, Livro 1, 1.33, Vários Costumes dos Persas

No domingo 7 de agosto de 2022o dia em que escrevo esse texto —, Thiago Duarte, empresário de 34 anos, acordou cedo para levar um amigo e o pai ao Aeroporto do Galeão.
No caminho, teve a mesma surpresa que milhões de brasileiros têm todos os dias: seu caminho foi bloqueado por assaltantes na Rua Conde de Agrolongo, na Penha, Rio de Janeiro. 
Não se sabem os detalhes, e eles não importam. 
O que importa é que Thiago foi baleado na barriga. Um tiro no abdômen causa intenso sangramento e uma dor insuportável. Thiago foi levado ao Hospital Getúlio Vargas, onde foi submetido a cirurgia, mas morreu. Thiago tinha dois filhos: Mateo, 5 anos, e Maya, nascida há 2 meses.
 
Thiago é apenas um dos 110 brasileiros que serão assassinados no dia de hoje. Esse massacre acontece todos os dias
O brasileiro planeja sua rotina tentando evitar ser alvo de criminosos.
As estatísticas mostram que isso é inútil. 
Quase todo mundo já foi, ou conhece alguém que já foi, vítima de um crime violento. Todos se queixam da violência. 
A sensação é de sufocamento. Como chegamos aqui?
 
Para entender o que está acontecendo, é preciso começar do início. Um bom começo é o vocabulário.
O Brasil não é um país “violento”. O Brasil é um país perigoso.  
Nosso problema não é “violência”. Nosso problema é uma crise de criminalidade sem precedentes nas democracias ocidentais desenvolvidas.
Um crime tem sempre um criminoso e uma vítima. O sistema de justiça criminal brasileiro funciona em função do criminoso e esquece a vítima. A legislação penal é cada vez mais branda. 
Um ativismo judicial sem precedentes coloca cada vez mais obstáculos à ação da polícia (nenhum exemplo supera a inacreditável decisão do STF na ADPF 635, que suspendeu as ações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro, em junho de 2020, para “não atrapalhar o combate à pandemia”).

Para entender o que está acontecendo é preciso, primeiro, esquecer a ideologia e rever algumas lições aprendidas no mundo, há muito tempo, sobre crime — mas que ainda são quase desconhecidas no Brasil.

Indivíduo X sociedade
O crime pode ser examinado sob dois pontos de vista. O primeiro é o ponto de vista do indivíduo. O outro é o ponto de vista da sociedade.

Do ponto de vista do indivíduo, o crime é sempre uma escolha feita pelo criminoso. Até o último momento, o bandido sempre tem a opção de não apertar o gatilho, não enfiar a faca e não violentar uma mulher ou uma criança. Com exceção dos casos em que há desequilíbrio mental, os crimes — inclusive ou principalmente aqueles crimes mais violentos e depravados — são sempre o resultado de uma decisão consciente tomada por um indivíduo.

A deformidade moral que retira do criminoso a capacidade de sentir empatia pelas vítimas faz com que a maioria deles opte por uma carreira vitalícia no crime

Mas por que alguém toma a decisão de ferir, matar ou violentar outro ser humano? O psiquiatra forense Stanton Samenow, autor do livro A Mentalidade Criminosa, já respondeu a essa pergunta. Depois de analisar milhares de casos de criminosos durante a sua carreira, Samenow concluiu que os criminosos pensam de forma diferente de nós; eles não conseguem ter empatia, são indivíduos que não se importam com o sofrimento dos outros. 
Embora quase sempre criados em famílias, junto com vários irmãos, enfrentando as mesmas dificuldades e recebendo a mesma educação, só eles escolheram o caminho do crime.

A deformidade moral que retira do criminoso a capacidade de sentir empatia pelas vítimas faz com que a maioria deles opte por uma carreira vitalícia no crime. Pouca diferença faz se eles são ricos ou pobres, se têm uma profissão ou se vivem de expedientes, se são analfabetos ou muito cultos; a verdade é que, dada uma oportunidade, cometerão os crimes

A lista de crimes abjetos cometidos por anestesistas, ginecologistas, banqueiros, empresários, pilotos, parlamentares e professores mostra que não há nenhuma relação entre a decisão do indivíduo de cometer o crime e sua renda, instrução ou classe social.

Crime é uma questão de escolha, não de escola.

A conclusão é clara: do ponto de vista do indivíduo, crime é resultado de uma ação consciente do criminoso, pela qual ele deverá ser responsabilizado. Não deveria haver mais nenhum debate sobre uma verdade tão evidente, tão fartamente documentada e tão aceita em todo o ocidente democrático. Mas no Brasil isso ainda é motivo de debate.

Do ponto de vista da sociedade, o ato criminoso é uma decisão que o criminoso toma depois de avaliar os riscos e os benefícios envolvidos. Essa foi a tese que deu ao economista norte-americano Gary Becker o Prêmio Nobel de Economia em 1992. Antes de cometer o crime, o criminoso se faz, instintivamente, duas perguntas. A primeira pergunta é: qual a chance de eu ser preso? A segunda pergunta é: se eu for preso, o que acontece?

No Brasil de hoje, as respostas são: a probabilidade de você ser preso é muito pequena e, se você for preso, enquanto estiver na cadeia gozará de inúmeros benefícios e direitos a maioria deles desconhecida nas outras democracias ocidentais. Mas, de qualquer forma, independente do crime, você ficará pouco tempo em uma cela de prisão.

No Brasil, mesmo os autores dos crimes mais violentos e depravados como o criminoso que violentou, amarrou e queimou vivo o menino Lucas Terra, em Salvador, em 2003 raramente ficam mais de dez anos em uma cela. Nem quando a vítima é um jornalista conhecido, um membro da mídia — como foi o caso do jornalista Tim Lopes, que foi sequestrado, torturado e assassinado em uma favela do Rio, em 2002 —, nem assim a punição dos criminosos se parece ainda que remotamente com justiça. Um dos assassinos de Tim Lopes recebeu o “benefício da progressão para o regime semiaberto” depois de apenas cinco anos preso e aproveitou a oportunidade para fugir
O outro assassino também recebeu o mesmo benefício dois anos depois e fez a mesma coisa: fugiu.

Estima-se que ocorram no Brasil 6 milhões de assaltos por ano, 2 milhões deles só nas capitais. A única estatística disponível revela que apenas 2% desses assaltos são esclarecidos. Dizendo de outra forma: a chance de sucesso de um assaltante no Brasil é de 98%. É um cenário irresistível para aqueles indivíduos nos quais a ausência de barreiras morais e a incapacidade de empatia com o sofrimento alheio criam a disposição de conseguir riquezas, diversão e prazer através do crime.

Bolas azuis
Imagine na sua frente uma parede branca, totalmente preenchida com desenhos de bolas azuis. Essa é uma representação da sociedade. Aqui e ali, espalhadas pela parede, estão algumas bolas amarelas. Digamos que, para cada cem bolas azuis, há uma bola amarela. As bolas amarelas representam os criminosos potenciais. São os lobos à espreita, em busca de uma oportunidade para atacar as ovelhas.

Enquanto você continua a olhar a parede, observe que algumas bolas amarelas se tornam vermelhas. Esses são os criminosos que resolveram agir. São os lobos que assaltam, estupram, sequestram e matam. Todas as sociedades contêm, no seu meio, um determinado número de criminosos potenciais. Por isso existe crime em todos os países do mundo, mesmo nas sociedades mais desenvolvidas. O que determina quantos desses criminosos potenciais se transformarão em criminosos reais é a percepção que eles têm dos riscos que correm ao cometer um crime.

Dizendo de outra forma: quanto mais fracas as leis, maior será o número de crimes cometidos. Quanto mais ineficiente e injusto o sistema de justiça criminal, maior a ousadia dos bandidos. 
 Quanto maiores os benefícios e os direitos dos criminosos presos, menor será o medo que eles terão de ser presos e punidos.

No Brasil ocorre uma crise de criminalidade sem paralelo entre as democracias ocidentais. O brasileiro vive sob a ameaça constante de ser vítima de um crime violento. Isso não é uma situação normal. Para responder a esta crise, e reconquistar a liberdade de viver vidas normais, é preciso entender dois pontos fundamentais.

O primeiro é que o crime é uma decisão individual do criminoso, que deve ser responsabilizado por ela de forma proporcional à gravidade dos danos que causou. Ou, dizendo em outras palavras: a sentença do criminoso nunca pode ser mais leve do que a sentença da vítima.

O segundo ponto é que o criminoso, antes de agir, analisa os riscos e os benefícios do crime. Por isso, cometer um crime não pode ser um bom negócio para o criminoso.

Hoje, no Brasil, o crime é um excelente negócio.

Para mudar isso precisamos corrigir o sistema de justiça criminal, que foi capturado por interesses ideológicos, populistas e até criminosos. Esses interesses — um verdadeiro consórcio de veículos do mal — trabalham todos os dias para reduzir as punições e criar direitos e benefícios para os bandidos.

O cidadão de bem é penalizado duplamente: primeiro, quando é vítima de um crime violento, e, depois, quando descobre que nunca será feita a justiça.

É isso que acontece no Brasil.

Leia também “O animal político”

Roberto Motta, colunista - Revista Oeste

 

sexta-feira, 8 de maio de 2020

A pé e na contramão - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Com transmissão ao vivo no STF, presidente do Executivo assumiu presidência do Judiciário
Quanto mais perdido na Presidência, mais Jair Bolsonaro parte para ataques e demonstrações de força, na tentativa de culpar as instituições e os governadores pelos próprios erros e dividir os ônus das múltiplas tragédias que assolam o Brasil. [os que querem governar e seus apoiadores tem, obviamente, que serem devidamente apontados e, se necessário, responsabilizados = colhendo os bônus dos eventuais acertos e arcando com o ônus dos erros.
Governadores e prefeitos precisam entender que governar implica em responsabilidade - e não só em busca de holofotes, que busca de holofotes não combina com governar, já que muitas vez mostram erros, que serão cobrados.] Os mortos vão chegando a 10 mil e os sistemas de saúde e funerário entram em colapso, mas a prioridade do presidente não são a doença e as mortes. “E daí?” A história vai lhe cobrar um alto preço.

Atravessar a Praça dos Três Poderes a pé, com empresários e ministros, para pressionar o Supremo no sentido oposto ao que defendem o ex e o atual ministros da Saúde, é mais um ato surpreendente. E o presidente do Executivo se comportou como presidente do Judiciário. Fez uma transmissão ao vivo lá de dentro e deixou o anfitrião (compulsório) como coadjuvante.

Várias vezes o ministro Dias Toffoli se dirigiu a ele ao tomar a palavra, mas Bolsonaro nem sequer virou o rosto para ouvi-lo e, com ar de enfado, olhou ostensivamente o relógio. Entrou na casa alheia, assumiu o comando e ainda demonstrou desconforto com o anfitrião. Bolsonaro sendo Bolsonaro. Ele não estava ali para ouvir, só para falar.  Ao dizer que “quase” houve uma crise institucional quando o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a posse do delegado Alexandre Ramagem na Polícia Federal, Bolsonaro deixou no ar uma dúvida, ou ameaça: ele é capaz de desacatar o Supremo, de desobedecer a uma decisão judicial? Essa ameaça contamina o ar, já contaminado pelo coronavírus.

As pendências entre Supremo e Planalto se avolumam, centradas agora nas acusações do ex-ministro Sérgio Moro a Bolsonaro. O vídeo da reunião de 22/4 em que o presidente avisou a ministros que demitiria o diretor da PF é considerado a principal prova de Moro. Há também a convocação dos três generais do Planalto para depor e, de quebra, a intrigante resistência de Bolsonaro a cumprir decisão judicial e entregar seus testes para a covid-19.

O Planalto se atrapalhou com as versões do vídeo. Não havia, não se sabia onde estava, até Bolsonaro admitir a gravação num pendrive e AGU fazer duas sugestões: não entregar ao STF, porque haveria “questões sensíveis” nessa reunião; 
depois, entregar o vídeo editado, só com as partes que interessam a Bolsonaro (e não à investigação?). A trapalhada comprova [?] a importância da prova: a “materialidade”.

Quanto à convocação dos generais Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno para depor, houve um excesso do decano e relator da investigação Moro-Bolsonaro, Celso de Mello. Ok, é da praxe, uma fórmula pronta, mas ele poderia ter excluído as expressões “condução coercitiva” e “debaixo de vara”. A Defesa ficou fora, porque os generais não são testemunhas enquanto militares, mas como ministros. Mas os generais manifestaram indignação ao STF. [a sede por holofotes do decano do STF, que lhe faltarão a partir de setembro vindouro, o levou a ser desrespeitoso, desaforado, não só com os generais e sim com todas as autoridades arroladas como testemunhas - inclusive uma delas escolhida, pelo voto,  como legítima representante do Povo.]

A sociedade conta com a firme posição do Judiciário e do Legislativo contra investidas autoritárias, mas o STF precisa ser muito responsável e há dois agravantes, um de cada lado: Celso de Mello é ostensivamente crítico a Bolsonaro e não tem muito a perder, já que se aposenta em novembro, [o comportamento do decano torna imperativo que a mudança na legislação, aumentando a idade para aposentadoria compulsória, precisa ser revista.
Já passa do tempo do decano ser declarado impedido em todas as ações que envolvam o Presidente da República, JAIR BOLSONARO.] e o presidente Toffoli parece mais dedicado a compor com Bolsonaro do que com seus pares.

Em meio a tudo isso, o presidente entope o governo de militares, abre as portas para o Centrão e acaba de criar nova tensão com Paulo Guedes, ao dar sinal verde para a ampliação pelo Congresso da lista de categorias do funcionalismo com direito a reajustes, apesar da crise e da pandemia. A contrapartida dos Estados proposta pelo Ministério da Economia para a ajuda aos Estados, de R$ 130 bilhões, caiu para R$ 43 bilhões. “Inaceitável!”, berrou Guedes para sua equipe. De novo, Bolsonaro fez, Guedes chiou, Bolsonaro desfez. Até quando?

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo




terça-feira, 19 de novembro de 2019

O quarto poder e a democracia - Valor Econômico

Robinson Borges

Para ser democracia, temos de ser plurais, o que só se dá, de fato, com liberdade de expressão e uma imprensa independente, que, mesmo imperfeita, não disputa poder, defende o presidente do Supremo

Depois de dar o seu voto decisivo e promover uma reviravolta no entendimento que permitia a execução da pena de prisão para condenados em segunda instância, Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), foi passar o fim de semana na calma Ilhabela, no litoral de São Paulo. Descontraído, vestindo calça de abrigo e camiseta, ele reuniu-se com um grupo de intelectuais na casa de Sonia e Tércio Sampaio Ferraz, um dos grandes mestres do Largo São Francisco, para discutir o quarto poder e a democracia.
 

 O Governo Militar - 1964/1985 - um regime forte, classificado erroneamente como ditadura militar,no qual o Brasil atingiu níveis de desenvolvimento excelentes.

E os anos de bonança, ocorreram sob a vigência do AI - 5 - Ato Institucional nº 5





Apesar do horizonte idílico, o tom às vezes era grave. “Não existe democracia sem imprensa livre. Não existe democracia sem liberdade de expressão”, disse Toffoli. “Para ser democracia, nós temos de ser plurais. Para sermos plurais, nós temos três funções de poder, mas é necessário que a sociedade tenha uma voz. A sociedade tem sua voz via imprensa.”Os encontros promovidos pelos Sampaio Ferraz são conhecidos como seminários da Feiticeira, em homenagem à praia onde o casal tem casa. Entre os convidados, a preocupação era sobre a extensão dos efeitos colaterais das novas mídias sobre a democracia.



O ambiente se transforma radicalmente com as plataformas digitais, as milícias virtuais e a proliferação de notícias falsas, concluíram. Toffoli, que abriu inquérito para apurar notícias fraudulentas que atingem o STF e seus familiares, afirmou que as “fake news” têm um propósito: “Fazer com que ninguém acredite em mais nada, porque alguém vai substituir esse nada”. Num país em que o primeiro imperador abdicou do trono, o segundo foi deposto e o primeiro presidente da República renunciou, há frequentemente uma desconfiança sobre a estabilidade dos governantes no cargo, afirmou Toffoli.



Duro com o Ministério Público (MP), o presidente do Supremo criticou a associação que, segundo ele, alguns meios fazem com esse braço do Estado em busca de informações para constituir a legitimidade da imprensa, que se daria na base do dia a dia. Hoje a mídia e o MP, seu “aliado preferencial”, seriam um “antipoder”, um conceito citado por Sampaio Ferraz. Na noite anterior, o anfitrião havia dito que o papel da imprensa de assegurar o bom funcionamento da representatividade como contrapoder e metapoder, nas sociedades democráticas, está sendo afetado: a mídia estaria atuando como antipoder, muitas vezes comprometendo a capacidade dos Poderes de agir.



Para Toffoli, as mídias sociais alteraram a dinâmica da informação radicalmente. Sua tese é a de que a imprensa, que disputava sua legitimidade diária com a política e seus representantes - com seu poder legitimado a cada quatro ou oito anos nas urnas -, tem uma nova concorrência. São os eleitores que entram na disputa o tempo todo, via mídias sociais, com os três Poderes. “Esse quarto poder está na mesma situação que os outros três Poderes, que é a sua crise de representatividade”, afirmou.



As redes sociais são fundamentais para compreender a política hoje, disse o presidente da corte. Jair Bolsonaro chegou à Presidência por ter captado o fenômeno antes. Além dele, outros foram bem-sucedidos apenas usando as mídias sociais e gastando pouco. Com isso, houve grande renovação no Congresso. “Só seis senadores se reelegeram”, afirmou Toffoli. Enquanto debatia em Ilhabela, ocorriam protestos em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília e Recife contra a decisão do STF sobre segunda instância, que beneficiou o ex-presidente Lula. Mas, para Toffoli, o tempo do Judiciário não é o da disputa política. “O Judiciário não se legitima no jornal, no Twitter”, disse ele. “Não precisa entrar nesse jogo de disputa de legitimidade. Tem o tempo a seu favor.”



Sampaio Ferraz ponderou que o Poder Judiciário não é eleito, tem outro tempo, como disse Toffoli, que não é o da política ou da imprensa, mas deveria dar estabilidade a uma forma de governo que tudo muda. “Ele não pode mudar na mesma velocidade”, disse o professor titular da USP. Depois do almoço, Joaquim Falcão, professor da Faculdade de Direito da FGV-Rio e membro da ABL, discordou da leitura de Sampaio Ferraz sobre a imprensa como antipoder. Disse que é missão da mídia “atrapalhar o governo”, sim, e tornar “o oculto público”. Para ele, mudam-se as tecnologias, mas essa é uma resposta consolidada na democracia. Destacou que o quarto poder não é contra poderes institucionais.



“O governo Trump também usa o Twitter para atrapalhar a sociedade.” Essa é a grande novidade: o uso intensivo das mídias sociais pelos governos constituídos. “Às vezes bem usado, às vezes mal usado. A democracia tem que ter um padrão do que é mal usado.” O questionamento feito por Eugênio Bucci, professor da ECA-USP, é se a democracia resistirá a esse novo ambiente. Para ele, os grandes conglomerados de tecnologia são as empresas com maior valor de mercado e que têm a meta de “negociar dados dos que se sentem usuários”.



Definiu imprensa como o relato factual tornado público por redações profissionais independentes. O que ocorre em outras plataformas digitais, afirmou, não se encaixa nesse conceito. Com a crise de representatividade do quarto poder, sua preocupação é quem cala a imprensa. Na China, por exemplo, já há internet controlada pelo Estado. “Sabemos que a China dissolveu a tensão entre Estado e mercado. Essa tensão sempre oxigenou a democracia.” A China está em vias de provar que a democracia é desnecessária para o desenvolvimento econômico, disse Bucci.



A crise do quarto poder, em sua perspectiva, é a da democracia. Como na China, a Rússia de Putin tem “falsos jornais”, com aspectos de jornal, com redações, mas que não são independentes. “Não estamos perdendo a imprensa. Estamos perdendo certas condições para manutenção da democracia.” No encontro da Feiticeira passaram pessoas que ocuparam postos em governos de várias colorações e que manifestaram seus pontos de vista divergentes longe da polarização e em clima de apreço pelo debate de ideias.



Como disse Toffoli, uma demonstração de que, para ser democracia, temos de ser plurais. Isso só se dá, de fato, com liberdade de expressão e uma imprensa independente, que, mesmo imperfeita, não disputa poder. Ocupa seu espaço com informações confiáveis e opiniões qualificadas, uma missão fundamental sempre, ainda mais quando o questionamento e o contraditório são vistos, por alguns, como ameaças.

Robinson Borges - Valor Econômico


segunda-feira, 18 de março de 2019

O ex-capitão na América

A questão crucial será mesmo a Venezuela



O presidente Jair Bolsonaro parte neste domingo para os Estados Unidos, primeira investida internacional depois da discreta passagem por Davos, para muitos uma presença decepcionante. [se Bolsonaro se empolgasse e usasse os 45' que tinha em Davos, seus eternos e desesperados críticos (aceitam o fato que Bolsonaro, com as Bênçãos de DEUS, presidirá o Brasil até 32 dez 2022, com chances de reeleição) diriam que ele falou bobagem, deveria ter falado menos, por ser inexperiente, etc, etc;
falou pouco o martirizam por ter desperdiçado tempo, quando sabemos que o dito em Davos tem valor mínimo, mero cosmético, o que vale é o negociado por trás do palco.] Embarca após um gol de placa de seu governo: o leilão para concessão de 12 aeroportos que rendeu ao Tesouro R$ 2,37 bilhões, 10 vezes mais do que o previsto. O temor é que esses bons ventos sejam desperdiçados com estultices, tão usuais nos costumes do visitante e do anfitrião.  A agenda do presidente brasileiro envolve acordos para a utilização da base de Alcântara e troca de tecnologias, pauta construída pelo atual embaixador Sérgio Amaral, que está com os dias contatos em Washington. Oficialmente não há nada previsto quanto à saia justa da taxação dos Estados Unidos ao aço brasileiro, tema relevante para a economia nacional.

A questão crucial será mesmo a Venezuela. O governo Trump conhece a posição brasileira contrária a Nicolás Maduro e tende a pressionar o Brasil para que faça mais do que apoiar Juan Guaidó e ajudar venezuelanos na fronteira. Trump não vai sossegar até ter algum êxito em meter o Brasil mais firmemente nesse imbróglio. Ainda que consiga sair ileso, o Brasil deverá amargar derrapadas diplomáticas.  Correndo por fora e previsto para ocorrer antes mesmo da reunião com Donald Trump, fala-se de um jantar de Bolsonaro com Steve Bannon ex-assessor de Trump, hoje persona odiada pelo presidente americano —, articulado pelo guru Olavo de Carvalho, que, nos últimos tempos, anda para lá de injuriado. Embora proteja o seu pupilo, o autointitulado filósofo tem desancado com gente do governo nas redes, espalhando ira para todos os cantos. Brigou feio com o vice-presidente Hamilton Mourão, alimentou um pandemônio no Ministério da Educação e até pediu que seus alunos deixassem a pasta.

Carvalho tem influência inegável. Além de ter indicado os ministros da Educação e das Relações Exteriores, exibe vitórias significativas no embate entre os fundamentalistas, que ele representa, e que querem banir a “esquerda” do planeta, e os pragmáticos, defensores de um governo de resultados, em especial na economia. Com um viés sempre conspiratório, é ainda um dos mais ferrenhos críticos da imprensa. Mas, pelo que se sabe, Carvalho, mesmo próximo aos trumpistas, não meteu o bedelho na agenda do ex-capitão na América.  De Eduardo, um dos filhos do presidente, vem a ideia de acabar com a exigência de visto para americanos no Brasil. Com endosso do chanceler Ernesto Araújo e o argumento de desburocratizar a entrada de turistas e de dólares, a concessão do benefício de forma unilateral joga por terra o conceito de reciprocidade, regra cara ao Itamaraty, que o país aplica, indiscriminadamente, desde sempre. O visto é obrigatório para visitantes das nações que o exigem dos brasileiros. E não há nada que justifique a excepcionalidade. 
[americanos sem visto só com reciprocidade;
sem reciprocidade, americanos só entram no Brasil com visto.]

O encontro tête-à-tête com Trump só acontece na terça-feira. Uma cúpula de 20 minutos com mais 30 minutos de atendimento aos jornalistas nos jardins da Casa Branca. Até lá, o ídolo absoluto de Bolsonaro não terá um único minuto para pensar no Brasil. Continuará enrolado com questões internas, a começar pela inédita derrota sofrida no Senado, que, com apoio de alguns de seus partidários republicanos, barrou a emergência nacional para remanejar recursos do orçamento em favor do muro na fronteira do México. Sem pensar duas vezes, Trump protagonizou outro ineditismo: usou seu poder de veto para reverter a derrota, o que pode refletir na perda de controle do Legislativo, inclusive dentro de seu partido.
É esse Trump tipo durão, de arma em punho, do faço e aconteço, que Bolsonaro cultua.

Talvez o presidente brasileiro não tenha se atinado que esse lado do magnata é folclore, piada. Mas o pior é transformar a chacota em loas, tendo-a como mérito a ser louvado, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro ao resumir sua expectativa do encontro do pai: “Os dois são pessoas muito carismáticas, não vão pela linha do politicamente correto, [cabe acrescentar: repudiam a ditadura da diversidade.] detêm muitas afinidades”.
Uma coisa é certa: as redes sociais vão bater recordes durante a jornada norteamericana. Que o santo padroeiro do Twitter nos proteja de todos os males. Talvez assim o Brasil se safe.

Mary Zaidan é jornalista. E-mail: zaidanmary@gmail.com Twitter: @maryzaidan

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Boas indicações

Bolsonaro assumiu compromissos importantes, que independem do quanto utilizou dos 45 minutos que tinha

Criticar o discurso do presidente Jair Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial em Davos pelo tamanho não é uma medida correta. Melhor seria dizer que o presidente brasileiro perdeu a oportunidade para se aprofundar nos temas que realmente importam ali, mas assumiu compromissos importantes, que independem de quanto tempo utilizou dos 45 minutos que tinha. O discurso de oito minutos foi montado para incentivar os investidores estrangeiros. Falou em reformas, Previdência incluída, em abertura da economia, simplificação da burocracia para melhorar ambiente de negócios, diminuição da carga tributária, abertura para o mundo e ainda se comprometeu com preservação do meio ambiente.
A emoção revelada no início foi indevida, mas Bolsonaro é um estreante em eventos internacionais, não tem nem o carisma nem a popularidade entre os estrangeiros que tinham Fernando Henrique ou Lula. E nem é um orador-ator como seu ídolo Trump. Ao contrário, pelo escândalo de corrupção do governo Lula, e por causa de suas opiniões emitidas durante toda a vida parlamentar, como a defesa da tortura, a imagem do Brasil no exterior nunca esteve tão ruim. Por isso, fez bem o presidente em assumir compromissos com a redução da emissão de CO2, e a preservação do meio ambiente, depois de ter mantido o Brasil, talvez a contragosto, no Acordo de Paris sobre o clima.
Bolsonaro também defendeu a agropecuária brasileira, o principal fator a impulsionar nossa economia, explicando que, no seu modo de ver, agricultura e meio ambiente devem estar juntos. Caberá ao presidente Bolsonaro mostrar na prática que sua tese é viável. Mas os ambientalistas temem que o agronegócio seja prioritário para o governo.Ao se referir às reformas que pretende promover, Bolsonaro citou a da Previdência, mas foi convencido por parte de sua assessoria de que os investidores não se preocupam com os detalhes, por isso não os deu.
O presidente do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, também não pediu mais detalhes. Fez perguntas genéricas e generosas, como anfitrião do encontro. Coube a Paulo Guedes tratar do assunto em outros debates. O presidente citou os dois ministros que são os sustentáculos de seu governo, Sergio Moro e Paulo Guedes, os que realmente contam para os investidores, um que promete garantir as relações econômicas livres de corrupção e lavagem de dinheiro, dando segurança jurídica aos investidores, e o outro com a bandeira de liberalizar a economia. O fato de Bolsonaro ter admitido que o Brasil ainda é um país fechado economicamente valoriza esses compromissos da equipe econômica. Um discurso rápido, mas com compromissos importantes.
Ao reafirmar que não montou seu Ministério por pressões políticas, e que o método anterior só causou ineficiência e corrupção, o presidente Bolsonaro pode ter comprado uma briga com setores importantes do Congresso, que terá que dar a autorização para as reformas prometidas. Bolsonaro parece se basear em sua popularidade para pressionar os congressistas, o que é arriscado. Ele pode vir a ser um líder de direita tão popular quanto Lula, mas não será nunca um formulador de projetos. E, pelo que apresentou em Davos, precisa de um ghost writer que dê aos seus discursos oficiais uma lustrada, retirando deles a excessiva carga de simplicidade, boa para campanhas eleitorais, ruim para mensagens internacionais.
Lula também não era um formulador, mas captava a mensagem com rapidez, e tinha quem no PT formulasse por ele. José Dirceu foi o grande estrategista político, Celso Amorim inventou o líder mundial capaz até de mediar a crise do Oriente Médio. Lula, como já definiu o cineasta Fernando Meirelles, é um grande ator. Deu certo por muitos anos, e até hoje engana setores da intelectualidade brasileira e mundial. Bolsonaro, se pretende ter um papel na direita mundial, como sonha seu filho Eduardo, que o acompanhou a Davos, precisaria de um mentor com ideias menos retrógradas e rocambolescas que as do chanceler Ernesto Araújo. Ao confirmar que o Brasil seguirá as normas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as maiores economias do mundo, está também abrindo mão de combater a globalização, que seu chanceler chama depreciativamente de globalismo. Seria uma boa indicação. Como foi seu discurso de Davos.
 
Merval Pereira - O Globo